Contrato de namoro é seguro? Em tempos de processos e golpes, ouvimos um especialista sobre o assunto polêmico 

Em crescente no país, documento só tem validade se ambos seguirem à risca as regras estipuladas e atualizá-las, o que não acontece na maioria dos casos

  • Por Renata Rode
  • 15/08/2023 09h00
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lookstudio/Freepik Em epaço urbano aberto e vazio, namorada se apoia no cangote de namorado, ambos brancos Procura por cotratos de namoro cresceu no período da pandemia

Diante de tantos escândalos envolvendo processos e trâmites legais que envolvem o relacionamento entre as pessoas (sendo um dos casos de maior repercussão o que envolve Larissa Manoela e seus pais), o namoro não ficaria de fora, não é mesmo? De acordo com dados do Colégio Notarial do Brasil, o contrato de namoro, uma das medidas indicadas para garantir a segurança patrimonial de pessoas que se relacionam afetivamente sem a intenção de constituir família, cresceu 228% no país entre 2016 e 2021. Segundo alguns escritórios de advocacia, a procura por esse tipo de serviço cresceu no período da pandemia, já que muitos optaram por morar junto no período de isolamento social. A pesquisa mostra que a capital paulista foi a cidade que mais registrou esse tipo de acordo extrajudicial, já que não existe lei específica para essa configuração. 

“O contrato de namoro, em eficácia relativa, não pode ser considerado de segurança absoluta. Muitas pessoas utilizam desse instituto para excluir o parceiro de uma possível partilha de bens. Mas de nada adianta ter um contrato de namoro assinado quando, na prática, o casal já possui uma união estável de fato. Ainda, vale dizer, que o contrato somente pode regularizar uma situação pretérita, sendo perfeitamente possível a modificação da relação para uma união estável um dia após a sua assinatura. Ou seja, não basta ter um contrato de namoro se, na verdade, a relação existente é a de união estável de fato, podendo ser o termo facilmente desconsiderado judicialmente caso se comprove que, na verdade, o casal vivia em uma união estável de fato. Essa é a grande polêmica: as pessoas fazem para tentar regularizar uma situação e não enxergam que estão se enganando e que tudo pode ser comprovado, ainda mais com toda tecnologia atual, através de provas na Vara de Família. E tem mais: a fidelidade se aplica somente ao casamento, de forma jurídica. Aplicar, por exemplo, multa por traição em um contrato de namoro é até abusivo, explica Daniel Oliveira, advogado especialista nas áreas do direito civil, com ênfase no direito das famílias e sucessões e em consultoria em planejamento sucessório.

Para o especialista, é preciso ter clareza entre as diferenças de um namoro e uma união estável. “No namoro, é incomum a coabitação, sendo esse um dos requisitos para a ocorrência de constituição da união. Além da coabitação, podemos mencionar que os companheiros podem ter planos em comum: viajam juntos, dividem gastos, enfim, mesmo assim a questão patrimonial geralmente é totalmente separada, cada um tem a sua, ninguém tem acesso à conta um do outro ou celular. Já na união estável, temos uma configuração mais séria, e o principal problema que enfrentamos é que muitas pessoas não fazem ideia que estão numa união estável. Não configura mais namoro quando existe uma dependência financeira ou/e a partir do momento em que você começa a receber bens do outro, a partir do momento em que você entra no clube do outro, em que há a coabitação, em que você começa a fazer a viagem com a família do outro, é apresentada como a mulher do outro para os amigos, e todo mundo olha para vocês, fala e entende que se trata de um casal que só não casou na igreja ou oficialmente, por exemplo”, exemplifica o advogado, sócio na Euclides de Oliveira Advogados Associados, juntamente com o seu pai, que dá o nome ao escritório.

O contrato de namoro pode ser feito de três formas: a mais comum, é o namoro de fato, aquele que não tem documento, mas todos à volta do casal sabem que eles namoram. A segunda, pode ser feita por instrumento particular, no qual as partes afirmam serem namorados sem o intuito de constituir família. E a terceira possibilidade é a realização do documento por escritura pública, em que a validade tende a ser um pouco maior que as demais formas. “Este tipo de documento é bem pouco utilizado, mas, se for o caso e a necessidade do cliente, pode ser, sim, realizado. O intuito, na verdade, é afastar qualquer possibilidade de comunicação de bens entre o casal. Normalmente a relação namoro não comporta partilha que não seja de bens comuns comprovadamente adquiridos pelas duas partes. O contrato de namoro, apesar do crescimento da demanda nos últimos tempos, pode ser perfeitamente celebrado, a afastar qualquer possibilidade de comunicação dos bens, pedido de alimentos, fugindo assim de qualquer partilha ou obrigação com o parceiro ou parceira”, relata Daniel.

Daniel Oliveira é advogado especialista nas áreas do direito civil (Divulgação)

Para apimentar mais ainda o tema, encontrei dados de um estudo realizado pelo Ashley Madison, um dos principais sites de relacionamentos para pessoas casadas do mundo, que revelou que 4 em cada 10 pessoas que se consideram felizes em seu relacionamento cometem adultério. Tudo bem que estamos falando de casados, porém, há de se levar em conta que, hoje, há um percentual elevado de novos casais formados após separações oriundas de casamentos infelizes. Olha só: mais da metade (55%) dos membros entrevistados descreveram seus casamentos como frustrantes, mas toleráveis. Ou seja, se o fantasma da traição assusta quem está casado de papel passado, imagina o trauma de quem já passou por isso e volta a namorar para dar novamente chance ao amor em sua vida? Mesmo assim, no contrato de namoro, a tal cláusula sobre multa após traição é questionável. “A inclusão no contrato de namoro de cláusulas de partilha de bens e indenização por rompimento ou traição pode ser possível. Mas pense comigo: como pode uma relação tão leve, como deve ser um namoro novo, poder já iniciar com a previsão de multa em caso de infidelidade se, atualmente, a culpa pelo divórcio com pedido de indenização é tese em desuso, quase não se tendo notícias de condenações nesse sentido? Não cabendo ao casamento, como poderia caber em um namoro?”, ironiza o doutor. 

É fato que relacionar-se hoje em dia é uma tarefa árdua, em todos os níveis de relacionamento ou fases, porque as pessoas estão mais preocupadas com o próprio umbigo e nunca, com a felicidade ou sentimento do outro. Assim, vivemos a vida, tentando assegurar direitos e deveres o tempo todo, sobrecarregando os tribunais com questões que poderiam ser plenamente resolvidas se tivéssemos mais palavra, olho no olho e empatia. Além, é claro, de responsabilidade afetiva, algo em extinção nos dias atuais… Pena.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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