‘Nossa sociedade está enraizada com opiniões machistas’, diz empresária sobre polêmica envolvendo Virginia Fonseca
Influenciadora foi criticada por contar com ajuda de babás no cuidado com os filhos e levanta discussão sobre julgamento
Quando dei à luz minha filha Lara Rode, há mais de onze anos, recebi minha médica no quarto que me disse a seguinte frase: “Parabéns, nasceu a Lara e nasce a partir de agora uma mulher culpada para o resto da vida”. Confesso que até hoje essa é uma lição aprendida diariamente. Por que comecei a coluna com uma reflexão pessoal? Porque envolve também a discussão e polêmica da semana. Afinal, a influenciadora digital Virginia Fonseca foi duramente criticada por internautas ao exibir um vídeo em que divide os cuidados da filha com uma babá. E a pergunta que não quer calar é: “qual é o problema de vocês?”. Eu, que sou mãe (e pai praticamente direto e reto, porque sou separada) e profissional autônoma, mulher, me peguei com a seguinte reflexão: até quando seremos cobradas e julgadas por tudo dessa forma? Para não ficar redundante o meu exemplo, busquei, na vida de uma amiga querida e empresária que admiro, uma resposta. Afinal, a sociedade nos cobra se trabalhamos, se não trabalhamos, se produzimos e se temos ou não ajuda. Ufa!
Mariele Horbach é mãe do José e do Francisco, de 9 e 4 anos, respectivamente, esposa do André Silveira e, assim como o marido, é também sócia fundadora do Grupo Hungry, composto por quatro bares com conceito e essência carioca em São Paulo. Se ser mãe e trabalhar arduamente pode gerar críticas, imagina, então, trabalhar com bares e entretenimento? “Me incomodei demais com a história da Virginia, a ponto de ficar revoltada mesmo, pois ninguém tem o direito de julgar. Achei uma falta de empatia. A nossa sociedade está enraizada com opiniões machistas e patriarcais, somos julgadas o tempo todo e de todas as formas, inclusive na posição de mãe. Eu, inclusive, quando levava meu mais velho para o restaurante, porque na época não tinha estrutura ou babá, enfrentava olhares, indagações e críticas o tempo todo. As pessoas não entendiam porque não deixava de trabalhar para me dedicar à maternidade, mas as pessoas não sabiam que eu não tinha escolha, eu tinha que trabalhar”, revela.
Por diferenças neurológicas e até explicadas pela ciência, nós mulheres somos capazes de fazer várias coisas ao mesmo tempo, coisa que os homens não conseguem, mas, por isso, temos que ser constantemente cobradas, como se fizéssemos um “serviço” à sociedade porque geramos a vida e isso então torna-se automaticamente responsabilidade só nossa? Até quando? E mais: é preciso que mulheres tenham mais empatia entre elas, porque já basta um batalhão de machões por aí querendo impor o que é certo ou errado em nossas vidas. “Esse é um tema que tem que ser muito debatido e resolvido. Temos que normalizar a maternidade, as preferências das mulheres, que cada mãe vive a sua maternidade do jeito que quiser, na sua plenitude, e que as frases ditas nos pressionam ainda mais nesse assunto em que somos tão culpadas. Temos essa carga de culpa tão grande, pois a pressão social é muito maior na maternidade do que na paternidade. Temos que ter empatia principalmente entre nós mulheres, pois ainda há julgamentos entre nós. Precisamos aliviar esse sentimento de culpa, ao invés de aumentarmos nossos julgamentos e autojulgamentos. A maternidade é um dos momentos mais importantes da nossa jornada individual, mas é um momento de muita culpa e julgamento, quando a mulher tenta conciliar a maternidade com a carreira como eu fiz. Muitas acham que precisam dar conta de tudo sozinhas, mas é impossível”, desabafa.
Com o sucesso das casas e por ter uma veia empreendedora, Mari, além de sócia, tornou-se culinarista. Com isso, claro, as responsabilidades aumentaram, mas a estrutura ao redor da mulher que resolve e dá conta do recado, também cresceu. “Não me envergonho em dizer que hoje tenho duas babás, uma de dia que me ajuda em tudo e outra à noite, além de outra de apoio nos finais de semana. O suporte que recebo dessas profissionais é fundamental, eu as vejo como anjos que Deus colocou no meu caminho; são parceiras mesmo. As crianças entendem muito bem a minha rotina, principalmente o José, que é maior, que sempre acompanhou de muito perto tudo isso. Quando eles são pequenos, como o Francisco, a principal questão ligada em relação ao trabalho é a saudade que eles sentem com nossa ausência. Nos primeiros anos de vida eles não entendem muito bem, por isso sempre deixo muito previsível do que vai acontecer, da rotina do dia, para ele não ter sensação de abandono: sempre nos despedimos, deixando bem claro que em breve voltarei, que em breve o buscarei no colégio, que logo estarei com ele. Tenho ritual de chegada e de partida, sempre dizendo que estaremos de volta”, ensina, zelosa.
De acordo com uma pesquisa feita em conjunto com as Universidades de Harvard (Estados Unidos) e Kingston University e Worcester Polytechnic Institute (Reino Unido), filhos de pais que trabalham fora de casa são mais felizes porque acompanham a evolução dos pais nas carreiras e, além disso, têm mais autonomia diante dessa realidade que é comum nos dias atuais. “A forma como os pais se relacionam com o trabalho é a forma que os filhos se relacionam com essa realidade, por isso sempre passo algo positivo do meu trabalho, sempre conto sobre coisas relacionadas ao meu trabalho e sempre tento mostrar que tudo que temos é fruto do nosso trabalho. Com isso ressalto sempre que o trabalho não é um peso e sim uma graça. Ensinar o sentimento de gratidão à criança é muito importante e ajuda a perceber o trabalho como algo de grande valor”, detalha a empresária.
Isso também aprendi com minha família: a importância de dar valor às conquistas e lutas. Para a criança, isso tem que ser feito de maneira natural e leve, sem cobranças. Ficar falando muito em dinheiro, em quanto é custoso ganhar tal coisa ou como foi difícil comprar tal bem pode gerar no seu filho um sentimento de crença de escassez, em que ele começa a achar que tudo na vida é muito difícil e árduo. Então, é preciso sempre balancear as informações. Moral da história: se a Virginia Fonseca tem a rede de apoio dela e todos estão se beneficiando com isso, que bom para ela. Pronto! Não aponte o dedo para outra mulher sem saber o que ela passa ou passou para chegar até ali. Não julgue pelo simples fato de praticar o mal a outra pessoa. Poxa, já temos tantas tragédias anunciadas sendo consequências de bullying nas escolas e sem perceber, faz isso com a vizinha, a amiga ou até a famosa da internet, apenas pelo prazer de expressar uma opinião. Será que todo mundo precisa realmente saber o que você pensa sobre aquilo? No mais, vou sugerir à Mari que a gente promova uma roda de discussão entre mães sem julgamentos, em um dia de semana, em um dos bares, para falarmos mal deles, brindar a vida e exercitar nossa saúde mental. Afinal, se somos “super heroínas” merecemos pendurar nossas capas por algumas horas em uma cadeira de bar por alguns instantes, se possível, ao som de “Garota de Ipanema” e com toda tranquilidade e melhor gastronomia do mundo. Bora? Mais amor, mais drinques, mais empatia, mais união e boemia, por favor.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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