Por que o abismo entre escola pública e privada não para de crescer

Estudante pobre é vítima desse novo processo; mesmo com dificuldades e com infraestrutura longe da ideal, milhares de professores dão conta do recado e não permitem que a aprendizagem pare

  • Por Renato Casagrande
  • 05/09/2020 08h30
DIRCEU PORTUGAL/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO Diferenças entre escolas públicas e privadas não diminuem

O ensino remoto ou as atividades a distância na educação básica não serão breves ou um mero modismo, muito diferente do que alguns educadores e pais pensavam ou talvez ainda pensem. O modelo de educação não presencial deverá perdurar por um período considerável e a educação mediada por tecnologias, como a que estamos vivendo neste momento, deverá se fazer presente nas escolas a partir de agora, independentemente da crise provocada pela Covid-19. Ou seja, a educação básica, tanto no retorno das aulas nas escolas (o que ainda permanece uma incógnita) como depois que voltarmos ao normal, passará a trabalhar com uma nova modalidade de ensino, o híbrido. O novo normal na educação básica será esse. Não haverá volta.

E como está o ensino remoto ou o ensino não presencial nas escolas de educação básica? Passados mais de 100 dias da paralisação das aulas presenciais, já é possível fazer uma boa análise do comportamento dos sistemas e redes de ensino, das escolas, dos professores, dos pais e dos alunos no Brasil. Identificamos que uma boa parcela dos professores, principalmente das escolas particulares, mas também, em número inferior, das escolas públicas, descobriu nesse período novas formas de ensinar e de fazer o aluno aprender. Mesmo com grandes dificuldades pessoais, sem a formação adequada e com infraestrutura longe da ideal, milhares de professores estão dando conta do recado e não permitiram que a aprendizagem parasse. As escolas pararam, mas os alunos não pararam de aprender. Isso é louvável.

No entanto, se de um lado muitas escolas e sistemas avançaram, de outro, uma parcela significativa de escolas e alunos ficou estagnada. Temos muitos municípios e escolas, essencialmente públicas, que somente agora estão iniciando as atividades remotas. Os alunos estão há mais de 100 dias sem nenhuma atividade escolar. E muitas que estão trabalhando de forma remota, o fazem de maneira bastante precária. Quantidade considerável de escolas têm optado como metodologia de ensino remoto a mais tradicional das tecnologias usadas na educação, a do texto e de atividades impressas. Muitas escolas estão ofertando a educação não presencial neste único modelo. Mesmo que parte dos alunos dessas escolas e municípios tenha acesso a internet, os dirigentes optaram pelo encaminhamento de textos e atividades escritas que são retiradas pelos pais nas escolas semanalmente ou quinzenalmente. Nada de videoaulas, aulas ao vivo, plataforma, entre outras tecnologias. O método é ainda o tradicional.

O que houve que possa justificar tal retardamento? Por que algumas avançam e outras não? Por que as escolas públicas estão ficando tão distantes das escolas particulares? Por que esses municípios e escolas optaram por essa metodologia de ensino remoto? São várias as justificativas, mas as principais se concentram na dificuldade de os alunos acessarem aulas pela internet e também a dos professores trabalharem com recursos mais inovadores e com novas tecnologias. Em síntese, lamenta-se muito que depois de praticamente 20 anos desde a popularização da internet no Brasil, não conseguimos utilizá-la de forma efetiva na escola pública. É fato que a aprendizagem dos alunos que estão tendo esse tipo de aula é bem inferior a dos alunos que estão tendo aulas com recursos mais avançados.

Assim, faz-se necessária uma chamada a todos os governantes, gestores e professores no sentido de acharmos formas mais avançadas e efetivas e, desse modo, promover um ensino remoto de maior qualidade. Não podemos admitir passivamente que alunos de classe mais elevada socialmente ampliem de forma significativa suas vantagens com relação aos alunos com menos condições. Mais uma vez, o estudante pobre, o aluno carente, é vítima desse novo processo. Todos devem se envolver para encontrar soluções urgentes para esse problema. Associado a recursos que devem ser disponibilizados para as famílias que não têm acesso à internet, é preciso mobilizar gestores e desenvolver os professores.

Sabemos que os professores são peças-chave no sucesso ou fracasso da implantação de qualquer mudança na escola e na educação. Quanto ao ensino não presencial, de nada adianta ter uma metodologia eficaz, tecnologias adequadas e modernas e pais comprometidos se os professores não forem bem preparados para esse novo momento. O novo normal é um professor com recursos adequados, motivado e comprometido com a nova educação que está chegando. É um novo tempo. Bem-vindos a ele!

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