Samy Dana: Governo promete reformas para reduzir gastos, mas atua de maneira contraditória

De um lado, há a promessa do Ministério da Economia de diminuir a dívida pública; do outro, tentativas de driblar o teto de gastos, mecanismo mais eficaz para manter as contas sob controle

  • Por Samy Dana*
  • 24/07/2020 07h00
Marcos Santos/USP Imagens Usp Imagens/ Marcos Santos A ala militar do governo tentou fazer com que grandes obras de infraestrutura fossem contabilizadas como investimento, não como despesa

Enquanto promete uma série de reformas para simplificar impostos e diminuir os gastos públicos, o governo atua com o impulso de aumentá-los. Primeiro, foi a tentativa de usar R$ 5 bilhões do Fundeb, o fundo que financia a educação básica do país, em vouchers para as escolas particulares. Atualmente, programas de vouchers existem em países como Colômbia, Chile e mais alguns da Europa, como Irlanda e Suécia, além de Hong Kong. Há poucos estudos que falam se eles funcionam melhor, mas dá para discutir se são eficazes ou não. O problema, no caso, foi de método. Investimento em educação está fora do teto de gastos, que limita o aumento das despesas do governo ao valor do ano anterior mais a inflação. Por isso, o aporte do governo no Fundeb vai passar de R$ 10 bilhões para R$ 23 bilhões, se os senadores acompanharem os deputados e aprovarem a proposta. Sem tirar os méritos do investimento maior na educação, será um aumento de despesa de R$ 13 bilhões sem ninguém apontar de onde virá o dinheiro.

Porém, os vouchers foram pensados para fazer parte do programa que o governo planeja para substituir o Bolsa Família. Diante do aumento de gastos, o Ministério da Economia tentou pegar carona com a desculpa de evitar o desperdício, já que parte do Fundeb será usada para dar aumento a professores. A manobra acabou derrubada na Câmara. A ala militar do governo também tentou, com o Tribunal de Contas da União (TCU), fazer com que grandes obras de infraestrutura fossem contabilizadas como investimento, não como despesa. Segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, foi desaconselhada. Mais uma tentativa de driblar o teto que não deu certo.

Não se trata de apontar o governo como mais ou menos gastador do que os anteriores. Governos não costumam ser conhecidos pela austeridade fiscal, mas os sinais emitidos pelas duas manobras são, no mínimo, contraditórios. De um lado, a promessa do Ministério da Economia, repleto de economistas liberais, de diminuir a dívida pública. Do outro, tentativas de contornar o mecanismo – o teto de gastos – mais eficaz para se manter as contas públicas sob controle. A reação do mercado financeiro não tardou. Na quarta-feira, 23, os juros futuros DI para janeiro de 2022 subiram de 2,96% para 2,99%. Os juros para janeiro de 2023 foram a 4,07% e o juros para janeiro de 2025 avançaram para 5,57%. Recuaram um pouco nesta quinta-feira, mas o recado foi dado. O mercado está vendo o governo mais gastador. E juros mais altos foram o alerta de que a manobra dos vouchers não pegou bem.

*Samy Dana é economista e colunista na Jovem Pan.

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