Roubo da taça Jules Rimet é até hoje cercado de mistério e os envolvidos tiveram mortes trágicas

O caso foi o epílogo de uma era de glórias do futebol brasileiro e mostra o descaso com a memória esportiva

  • Por Thiago Uberreich
  • 07/11/2024 09h00
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ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE O técnico Zagallo (e) e o capitão Carlos Alberto desfilam com a taça Jules Rimet nas mãos em carro aberto, em Brasília O técnico Zagallo (esq.) e o capitão Carlos Alberto desfilam com a taça Jules Rimet nas mãos em carro aberto, em Brasília

No “Memória da Pan”, retomo um dos episódios mais lamentáveis da história do futebol nacional. Os jornais do dia 20 de dezembro de 1983 relataram o roubo da Jules Rimet ocorrido na noite anterior na sede da CBF: “Três taças de ouro, entre as quais a Jules Rimet, conquistada pelo Brasil com o tricampeonato de 1970, no México, foram roubadas ontem à noite, por dois ladrões, do gabinete do Presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Giulite Coutinho, no nono andar do Edifício João Havelange, na Rua da Alfândega, 70. As três taças estavam em uma vitrine do gabinete, e, a princípio, houve dúvidas se seria a verdadeira Jules Rimet ou uma réplica, segundo o vigia do prédio. A dúvida só foi esclarecida com a chegada à CBF, por volta das 2h da manhã, do Presidente da Confederação Brasileira de Arbitragem, Althemar Dutra de Castilhos, que confirmou ser a original a taça guardada naquele local”, de acordo com O Globo. A taça original estava exposta e a réplica se encontrava em um cofre. Na Folha de S.Paulo, o seguinte título: “Com brasileiro não há quem possa”. Na sequência, a explicação: “Ganhou 3 títulos mundiais, sambou com a bola no pé e ontem passou a mão na Jules Rimet, que a esta altura pode estar derretida.”

O vigia João Batista Maia, de 55 anos, foi rendido por dois ladrões, por volta das 21 horas de 19 de dezembro de 1983. Um vidro à prova de balas protegia a Jules Rimet, mas era envolto por uma moldura frágil de madeira e os bandidos não tiveram nenhuma dificuldade para arrombá-la. De acordo com as investigações, a Jules Rimet foi derretida no dia seguinte. O mentor do crime era Sérgio Pereira Ayres, conhecido como Sérgio Peralta, representante do Atlético-MG na CBF e tinha livre acesso ao edifício. Os dois comparsas, o ex-policial Francisco José Rocha Rivera, o Chico Barbudo, e o decorador José Luiz Vieira da Silva, conhecido como Luiz Bigode, foram os arrombadores. No dia seguinte, a dupla tentou, sem sucesso, vender a taça para um ourives, que recusou, por entender que o troféu era um patrimônio do povo brasileiro. Mas a segunda tentativa deu certo: o negociante de ouro Juan Carlos Hernandez não tinha nenhum sentimentalismo pela seleção brasileira. Nascido na Argentina, ele vivia no Brasil desde 1973 e aceitou fazer o serviço sujo ao transformar a taça em barras de ouro.

Os envolvidos sempre negaram qualquer participação no roubo. Até hoje, a Fifa não se convenceu sobre o derretimento da Jules Rimet. As barras de ouro, por exemplo, nunca foram encontradas. O crime foi desvendado por causa de Antônio Setta, apelidado de Broa, ladrão conhecido no Rio de Janeiro. Sérgio Peralta o convidou para participar do roubo, mas ele se recusou por razões pessoais. O irmão de Antônio Setta, Giácomo, tinha morrido de infarto justamente no dia da final da Copa de 1970; provavelmente não suportou a emoção causada pela conquista. A sentença contra os envolvidos só foi proferida em março de 1988. Sérgio Peralta, Chico Barbudo e Luiz Bigode foram condenados a nove anos de prisão, enquanto Juan Carlos Hernandez pegou três anos. 

O destino da maioria dos envolvidos no roubo da taça, no entanto, foi trágico. Sérgio Peralta só foi preso em 1994 e, três anos depois, obteve condicional. Morreu de infarto, em 2003. Chico Barbudo apelou da sentença e foi solto em maio do mesmo ano de 1988 para aguardar o resultado da apelação em liberdade. No ano seguinte, morreu assassinado a tiros em um bar, no Rio de Janeiro. Luiz Bigode ficou foragido até 1995 e conseguiu liberdade três anos depois. Juan Carlos Hernandez só foi preso em 1998, mas por tráfico de drogas e não por receptação da taça. Deixou a cadeia em 2005. Antônio Setta, que delatou os responsáveis pelo roubo, morreu de infarto em dezembro de 1995.

Sobre o caso, vale a pena assistir ao filme O roubo da Taça (2016), dirigido por Caíto Ortiz. Depois da conquista definitiva do Brasil, a FIFA recebeu sugestões para batizar de “Taça Pelé” o novo troféu que seria dado aos campeões a partir de 1974. Mas a entidade máxima do futebol não aceitou. Ao contrário da Jules Rimet, o troféu utilizado desde 1974, do escultor italiano Silvio Gazzaniga, é de posse transitória e o original sempre fica em poder da FIFA. Os países campeões recebem apenas uma cópia.

Abaixo, disponibilizo uma série especial que eu fiz sobre a Copa de 1970 que foi ao ar no programa Mundo da Bola, apresentado por Flávio Prado: 

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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