Confissão de José Mayer indica sobrevida de primitivismos morais
O blog #AgoraÉqueSãoElas, da Folha, errou feio ao publicar o relato da figurista Susllem Meneguzzi, acusando o ator José Mayer de assédio — ou, a ser verdadeira a narrativa da vítima, que não foi contestada, houve bem mais do que isso. Qual foi o erro? Não ter tentado ouvir previamente o acusado. Contraria o Manual de Redação da Folha e, por óbvio, do bom jornalismo. Errou, mas, pelo visto, não mentiu.
O jornal havia retirado do ar o testemunho de Susllem, que agora volta. Para ler, clique aqui.
Sim, tenho considerações a fazer que dizem respeito ao nosso tempo e a tempos pelos quais anseio. Vamos lá.
Li o relato de José Mayer, em que reconhece a culpa, com certo asco. Sim, pela coisa em si, que é deplorável, mas também porque ele busca, de algum modo, diluir suas responsabilidades pessoais nas de todos os homens.
Lá está escrito:
“Tristemente, sou, sim, fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas. Não podem. Não são.”
Vamos devagar aí!
“Quem nunca contou uma piada machista? Quem nunca contou uma piada contra gays? Quem nunca contou uma piada contra preto? Quem nunca contou uma piada contra aleijado?”
Bem, a primeira coisa a responder nesse caso é a seguinte: nem todos contam. Eu, por exemplo, não conto. Mas também não conto piadas contra empresários, policiais ou direitistas só porque eles são empresários, policiais e direitistas, né? Faço essa observação para que Gregório Duvivier se acalme. Não estamos e jamais estaremos do mesmo lado.
De resto, fuja do conforto do “quem nunca?”. Isso nada tem a ver com a polícia da linguagem instituída pelo politicamente correto — (“Ah, não se diz mais ‘aleijado’). Estamos falando de escolhas de civilização. Qual queremos?
Machismo atávico?
Escreve o ator:
“Tenho amigas, tenho mulher e filha, e asseguro que de forma alguma tenho a intenção de tratar qualquer mulher com desrespeito; não me sinto superior a ninguém, não sou.”
Entendo. Por alguma razão, talvez sem onde focar o seu desejo, ele resolveu que com Susllem pudesse ser diferente, não é? Ora… O personagem “pegador” já contracenou com mulheres deslumbrantes. Não consta que tenha se excedido. Ainda que se quisesse evocar algum componente de ordem psíquica a justificar a sua conduta, parece que a hipótese sai bastante enfraquecida. Assediar a figurinista evidencia um mau uso das relações de poder. Eis a verdade.
Infelizmente, é preciso admitir que, não fosse a publicação do relato, o ator estaria impune — ainda que a punição de agora seja apenas moral.
Feminismos
Sim, existe o feminismo necessário, e há o feminismo destrambelhado. Mas não sou mulher e não serei eu a dizer qual serve e qual não serve. Sou casado com mulher, tenho duas filhas e não reconheço, sob qualquer pretexto, uma, vamos dizer, determinação sociológica que imponha aos homens agir contra os direitos assegurados às mulheres (e aos homens) pela Constituição.
Aliás, repito aqui o que sempre disse às minhas filhas: não importa em que fase do processo você fique com vontade de dizer “Não”. O “não” quer dizer… NÃO!
Sim, reconheço: poucas militâncias podem ser tão obscurantistas como o feminismo sectário. Hoje, há malucas e malucos proclamando por aí que toda transa heterossexual é “estupro”, porque, afinal, o “homem que penetra” e a “mulher que é penetrada” teriam se transformado em categorias simbólicas. Assim, a violência sexual estaria embutida mesmo nas práticas consensuais, amorosas, virtuosas. Não! Estaríamos diante de uma questão, digamos, ontológica. E a doçura de uma relação sexual só mascararia um histórico de violência.
Que coisa, né? Por esse caminho, então, a gente poderia passar a mão na cabeça de José Mayer e livrá-lo da culpa. Afinal, cada homem no particular não poderia ser responsabilizado por uma violência inata, que não escolheu, da qual não pode se livrar.
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