A diferença entre “cartel” e “extorsão” não alivia a situação das empreiteiras, mas ajuda a livrar a cara do PT

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 16/09/2015 11h54
A CPI da Petrobras realiza audiência pública para ouvir o empresário Ricardo Ribeiro Pessoa, da UTC (Wilson Dias/Agência Brasil) Wilson Dias/Agência Brasil Ricardo Pessoa

A gente pode fazer de conta que a contradição não existe e mesmo que as versões são compatíveis, mas não são. Tenho insistido aqui, já faz tempo, que a tese do cartel de empreiteiras afronta evidências que a própria Operação Lava Jato trouxe à luz, além de espancar o conceito elementar do que sejam empresas cartelizadas.

“Cartel” não se presta a subjetividades, não é o que alguns querem que seja; não é nem mesmo o que um réu confesso de cartel diz ser. Cartel é uma prática objetiva: um grupo de empresas se une e impõe um preço a consumidores ou usuários de um serviço, de sorte que estes são vítimas daquela organização, não tendo chance de se defender dela. Não é assim porque eu quero. É assim porque é a isso que se chama cartel. Se for outra coisa, então o nome também é outro. A questão pode ser explicada pelas lentes do direito ou da filosofia da linguagem, entre outros saberes.

Negar que tenha havido cartel livra a cara das empreiteiras? Só na mente perturbada de imbecis. As empresas investigadas na Lava-Jato cometeram uma penca de outros crimes. Há várias transgressões que lhes podem ser imputadas previstas na Lei 1.521/51, de crimes contra a economia popular; na Lei 8.137 (crimes contra as ordens tributária e econômica e relações de consumo); na Lei 12.529, de defesa da concorrência — especialmente de seu Artigo 36. Isso para citar dispositivos legais ligados à atividade empresarial propriamente. Há os outros todos, já conhecidos: corrupção ativa, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha etc.

Assim, inferir que se está advogando alguma espécie de impunidade ao negar formação de cartel é matéria ou de ignorância ou de má-fé — com alguma frequência, das duas coisas, porque não são raros os que põem a má-fé a serviço da ignorância e a ignorância, da má-fé.

Ao ponto. Ao depor da CPI da Petrobras, o empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC e da Constran, que confessa seus crimes e deixa claro não querer posar de herói, afirma que ou pagava propina ou arruinava a empresa; ou pagava propina ou ficava fora dos negócios da Petrobras (e de onde mais?).

Restaria ainda, dirá alguém, a denúncia do esquema de extorsão. Pois é… Com que provas, com que elementos, com que evidências? Peguem o caso da doação de R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma. Pessoa diz tê-lo feito sob pressão de Edinho Silva, então tesoureiro da campanha da candidata do PT, o que o agora ministro nega. Ainda que o empresário fale a verdade, o dinheiro foi transferido segundo as exigências da lei.

Quando sustento que afirmar a existência de um cartel distorce a natureza monstruosa do crime, estou a destacar o óbvio: ainda que as empreiteiras se refestelassem, então, na falta de concorrência e no arranjo, os homens que se ocupavam das funções de estado — e os diretores da Petrobras lá estavam porque nomeados pelo poder político — é que detinham os instrumentos para fazer perdedores e vencedores.

Ora, caramba! Não eram as empreiteiras que impunham um preço à Petrobras. Era a Petrobras, por intermédio de larápios, que impunha a disciplina a quem quisesse negociar com ela. Chamar isso de “cartel” é não mais do que uma licença poética e… jurídica!

Sim, meus caros, a questão de fundo, já tratei disso muitas vezes aqui, é o tamanho do estado; é a sua onipresença. Aí está o mal. Mas não me ocuparei disso agora. Chamo atenção de vocês para o fato de que, quando se sustenta a existência de um cartel, desloca-se para as empresas o centro organizador da bandalheira. E isso é apenas uma mentira. Partícipes, sim; protagonistas também, sim; felizes convivas da safadeza, sim. Tudo isso pode ser verdade. Mas núcleo da sem-vergonhice? Ah, isso não!

A roubalheira que estava em curso na Petrobras — e que deve ser idêntica em qualquer área do estado brasileiro que se queira investigar, decorre de haver um grupo político que transformou aquelas práticas nefastas num método.

Ora, notem que muitos empresários enrolados, que passaram muito tempo ou ainda estão na cadeia, mas são poucos os políticos realmente implicados até agora. Curiosamente, não há nenhuma figura de proa do Poder Executivo.

Com ou sem cartel, a situação dos empreiteiros muda muito pouco. Mas ter havido ou não cartel faz toda a diferença quando se analisa o papel que teve nessa história toda o PT, a organização, afinal de contas, que conferia — e confere — essa particular forma de “racionalidade” safada que tomou conta do estado brasileiro.

Por Reinaldo Azevedo

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