Editorial – Cunha foi cassado com méritos, mas disse verdades incômodas no discurso final

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 13/09/2016 16h43
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Eduardo Cunha em sessão que definiu cassação de seu mandato

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil Eduardo Cunha em sessão que definiu cassação

Vocês sabem o quanto defendi aqui a cassação de Eduardo Cunha. Mas sabem também que sempre falo tudo, ainda que muitos se aborreçam. Na era em que o jornalismo, especialmente na Internet, mas não só, tenta, para o mal, não se distinguir de postagens nas redes sociais, escreve-se muito, lê-se pouco, pensa-se quase nada. No post abaixo, segue o discurso final de Cunha.

Querem saber? Raramente um parlamentar falou tantas verdades naquela Casa. E, no entanto, ele o fazia a serviço de uma má causa: tentava salvar seu mandato. E raramente se mentiu tanto, a exemplo do que fizeram seus adversários, com destaque para os detestáveis deputados Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Alice Portugal (PCdoB-BA) e Aliel Rocha (Rede-PR), um ex-PCdoB que deveria estar no PSOL, mas fica brincando com de clorofila no partido de Marina. Queriam a coisa certa: a cassação de Cunha. Só que era por maus motivos.

Então vamos botar os pingos nos is.

Cunha busca enrolar seus pares e a opinião pública quando tenta negar a natureza dos recursos que tem no exterior e quando tenta a embromar a história. Cumpre relembrar. O deputado Delegado Waldir (PSDB-GO) perguntou-lhe se ele tinha contas na Suíça. E ouviu a seguinte resposta: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu imposto de renda”. Acho que isso liquida a questão. E o mesmo consideraram 450 deputados. “Ah, trust não é conta…” Quando se faz uma pergunta dessas, o que se quer saber é se existem recursos no exterior, pouco importa a forma.

O ex-deputado também errou feio ao sugerir que sua cassação reforçava a tese do golpe. Ao contrário: até poderia restar esse travo se ele tivesse sobrevivido. A ele coube o passo inicial que resultou no impeachment porque aquela era a atribuição da função que ocupava. Mas tal função não lhe dava licença para faltar com o decoro. E para encerrar o trecho das mentiras ou bobagens: é claro que ele sabe que os deputados levaram em conta tudo o que sabem sobre a sua atuação, revelado pelo Ministério Público.

Mas agora quero falar das verdades ditas por Cunha, que foi merecidamente cassado.

O denunciado
Cunha pergunta por que, até agora, só ele e o deputado Nelson Meurer são os políticos denunciados do petrolão — Lula está numa outra chave da investigação. Querem saber? Não tem explicação. Há um especial empenho da Procuradoria-Geral da República em pegá-lo? Há. Eu mesmo já apontei isso aqui. Seria bobagem negar o óbvio. Fica-se com a impressão de que ele é o chefão do petrolão. E não é, certo? Quem lidera o esquema criminoso é o PT. Ora, há uma denúncia contra Renan Calheiros, anterior ao petrolão, que já tem mais de três anos. Com efeito, no caso de Cunha, entre a denúncia e a aceitação, passaram-se 60 dias. Isso faz dele 99% anjo e apenas 1% vagabundo? Não! Mas negar o empenho de Rodrigo Janot em alvejá-lo é negar a Lei da Gravidade.

Pauta-bomba
Cunha negou que tenha havido pauta-bomba contra o governo Dilma. E não houve mesmo. Assistiu-se, isto sim, foi à rejeição de uma agenda, que era também a agenda da sociedade. As esquerdas não gostaram da redução da maioridade penal, do Estatuto do Nascituro, da PEC da Bengala, do enterro solene da reforma política do PT… Mas em que isso teria impedido Dilma de governar?  A dita pauta-bomba é uma invenção dos petistas, ora bolas! Digam qual foi o gasto extra que teve o governo em razão da gestão de Cunha. Mais: ele afirma ter feito uma gestão operosa, com 40% a mais de projetos votados do que a mais efetiva antes da sua, a de Arlindo Chinaglia. E isso é verdade.

Vingança
Afirmou Cunha sobre as esquerdas da Casa:
“Alguém tem dúvida de que, se não fosse a minha atuação, teria havido processo de impeachment? Alguém tem dúvida de que, se eu não houvesse autorizado, teria havido impeachment? Alguém tem dúvida de que, se eu não tivesse conduzido a votação, teria havido impeachment? Alguém tem alguma dúvida disso aqui nesta Casa? Duvido, duvido que a tenham! Essa é a razão da bronca do PT, dos seus assemelhados e dos seus asseclas, que vivem à sua órbita e que acabam tramitando nos Estados em função disso.”

Olhem aqui: eu não tenho a menor dúvida disso. Até porque os petistas podem, se necessário, de juntar a pessoas bem piores do que Cunha — desde que isso interesse ao partido. O que o deputado faz acima? Confessa um golpe? Não! Ele atuou no limite das suas funções, o que foi reconhecido, diga-se, por duas decisões do Supremo, uma de Rosa Weber e outra de Teori Zavascki.

O agora ex-deputado lembrou muito bem. Recusou 40 pedidos de impeachment, deixou de deliberar sobre 12 e aceitou apenas um. Mas é evidente que esse seu ato inaugural não teria prosperado, já se disse aqui tantas vezes, fossem outras as circunstâncias. E não venha Dilma bater no peito e dizer, como fez, que só caiu porque se negou a negociar. Não! A verdade nua e crua é que ela só caiu porque não acreditou que pudesse cair. E o mesmo, diga-se, aconteceu com Cunha.

Erro fatal
O erro fatal de Cunha nesse processo foi ignorar que seus juízes não se ateriam apenas às peças do processo no Conselho de Ética — e não que elas não fossem suficientes. Mentir numa CPÌ é quebra do decoro. Ponto. Mas essa quebra, por óbvio, foi maximizada pela metralhadora giratória que foi permanentemente disparada contra ele pelo Ministério Público Federal, com uma eficiência e uma presteza que não se veem nos outros casos.

Sim, cassado está e bem cassado. Fez-se justiça. Mas isso não significa que ele não tenha dito algumas verdades incômodas em seu discurso de despedida.

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