Editorial – Lula poderia ter escolhido um fim mais digno
Lula poderia ter escolhido um fim mais digno.
Olho para o homem que sai vociferando palanques afora melancolia, ressentimento e bravatas e me dou conta do desfecho miserável que terá a personagem inventada pelos sonhos de reparação da esquerda intelectual brasileira.
O retirante pobre, operário de baixa escolaridade e militante sindical que chegou à Presidência da República tinha tudo para ser um exemplo do milagre da democracia. Em vez disso, a sua maior obra, já apontei uma vez nesta coluna, foi ter recuperado a comunhão etimológica entre “política” e “polícia”.
De tal maneira fez uso das licenças da democracia para corrompê-la que ninguém se mostra disposto a ouvir nem eventuais restrições procedentes à forma como se dá a merecida persecução penal dos crimes cometidos pelo partido, por seu representante maior e por seus sócios.
Acuado pelos fatos, Lula decidiu reviver a figura do mártir, que, segundo ele mesmo, está sendo perseguido por ter tido a ousadia de tirar os brasileiros do século 18. A fala tem o seu encanto involuntário. O século 18, no Ocidente, costuma ser celebrado como aquele em que o homem redescobriu as Luzes. Em certa medida, o Apedeuta não nos tirou “do” século 18. Ele nos roubou também “o” século 18.
É compreensível que Lula busque tal conforto moral. Ele já não tem mais tempo de se reinventar. Mas não é sem estupefação, embora não me surpreenda, que os, vá lá, ditos “intelectuais de esquerda” se neguem a reconhecer, com o esfacelamento do petismo, o último suspiro da ilusão de que um ente de razão pode, mais do que governar, substituir a sociedade.
Um líder e um partido que estivessem conformados com a democracia nem enxergariam na vitória dos adversários o triunfo de uma conspiração nem numa eventual virada do jogo, se um dia vier, a redenção da verdade e o juízo final. A razão é simples: esse pensamento ou pertence à esfera religiosa, escatológica, ou à cultura revolucionária. E revolução se faz com sangue. Eventualmente, pode-se tentar aniquilar o “inimigo” com mensalão, petrolão e outras corrupções da verdade e da vontade.
Não tivesse se tornado boneco de ventríloquo da esquerda, anunciando velharias cuja exata extensão desconhece, Lula poderia ter sido nosso Lincoln, mas sem desfecho trágico. Em vez disso, tornou-se um zumbi.
DISSONANTE
Escreveu Sergio Moro ao aceitar a denúncia contra Lula: “É durante o trâmite da ação penal que o ex-presidente poderá exercer livremente a sua defesa, assim como será durante ele que caberá à acusação produzir a prova, acima de qualquer dúvida razoável, de suas alegações caso pretenda a condenação. O processo é, portanto, uma oportunidade para ambas as partes”.
Sem a última frase, seria apenas uma tautologia. Acrescido o trecho daquele rabicho, aí se está diante de um entendimento torto do que é o direito numa democracia. Caberá sempre ao acusador o ônus da prova. O acusado não tem como produzir prova negativa. Não se trata, pois, de “uma oportunidade para ambas as partes” porque estamos falando de estatutos absolutamente diversos. As palavras fazem sentido, e eu cobro o sentido das palavras. De um petista ou de Moro.
MANTEGA
Prisão e soltura nada têm a ver com Justiça e cumprimento da lei. Chanchada. Força-tarefa e juiz quiseram dar um recado: “Mandamos soltar e prender quando nos der na telha. São todos criminosos”. E são. Mas se age como se não houvesse lei. A cereja do bolo é a divulgação do vídeo com Eike Batista. A revelação de um crime serve para lavar uma arbitrariedade. É um mau caminho.
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