Nova Lei de Improbidade vai aumentar impunidade, afirma procurador do MP-SP

Efeito retroativo da lei pode beneficiar políticos condenados que não poderiam se candidatar nas eleições de 2022

  • Por Jovem Pan
  • 04/08/2022 09h49 - Atualizado em 04/08/2022 12h40
Divulgação/APMP Procurador César Dario Mariano de lado, com trajes sociais e óculos de armação fina; ele é um homem branco na faixa dos 50 anos César Dario Mariano é procurador do Ministério Público de São Paulo

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta-feira, 4, o julgamento a respeito da retroatividade da nova Lei de Improbidade Administrativa. A nova legislação altera o tempo para prescrição, que diminuiu e fixou que a condenação por improbidade pode acontecer apenas se comprovado dano ao patrimônio público. O efeito retroativo da lei pode beneficiar políticos como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PL), os ex-governadores, José Roberto Arruda (PL-DF) e Anthony Garotinho (UB), e o ex-prefeito do RJ, César Maia (PSDB). A medida foi aprovada no ano passado pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). O ponto mais sensível desse julgamento é justamente o que fala sobre a retroatividade da norma e para analisar o que está em jogo nesta decisão do Supremo, o Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, entrevistou o procurador do Ministério Público de São Paulo e professor de direito penal e processual penal, César Dario Mariano, que criticou a nova legislação: “Me preocupa demais porque essa lei parece que foi feita sob medida para beneficiar malversadores de dinheiro público, corruptos e pessoas que não zelam pelo patrimônio público. Parece que pegaram todas aquelas teses que eram rechaçadas em praticamente todas as oportunidades pelos tribunais superiores e colocaram na lei”.

“A defesa tentou por vezes emplacar diversas teses que hoje constam nessa lei e não conseguiu. Aí, de uma hora pra outra, um projeto substitutivo a um projeto anterior, que era até um projeto bom, foi aprovado a toque de caixa. Nós temos diversas normas extremamente preocupantes. A mais preocupante diz respeito à prescrição. Porque hoje nós temos um prazo para finalizar um procedimento. Foi proposta a ação e o processo pode perdurar por 8 ou 10 anos sem problema nenhum. Agora o prazo é de 4 anos. Então é proposta a ação, algo que chamamos de prescrição intercorrente, e a Justiça terá que sentenciar em quatro anos e julgar em cada recurso. Um prazo praticamente impossível de ser cumprido dentro da enormidade de processos que nós temos. Se retroagir, nós teremos uma infinidade de processos prescritos atingindo inclusive políticos que hoje não podem se candidatar porque foram condenados por improbidade administrativa em duas instâncias”, detalhou o especialista.

Segundo o procurador, só em São Paulo, a medida alcançaria quase 8 mil processos que estão em andamento, ou que já foram finalizados e até pessoas já condenadas seriam beneficiadas. “Já teve o problema enorme do final da Lava Jato, que os processos foram todos anulados, imagina dezenas ou centenas de milhares de projetos anulados em decorrência da prescrição”, declarou Mariano. O argumento contrário alega que a nova lei combateria o suposto “apagão das canetas”, termo que se refere ao medo dos gestores públicos de tomar decisões devido ao grande risco de terem que responder a processos judiciais mesmo anos depois de deixarem os mandatos. O especialista defende que isto dependeria de outro tipo de alteração legislativa e que na prática processos serão alongados até serem prescritos: “Dificilmente alguém vai ser condenado com essas novas normas, essa é a grande realidade. Porque uma investigação de improbidade administrativa, trabalhei mais de 10 anos nessa área, então eu posso dizer, eu não tive nenhuma que demorou menos de 4 ou cinco anos só a investigação para terminar”.

“Eu tô pra ver algum tribunal que consiga julgar com menos tempo. A defesa vai fazer de tudo para protelar o julgamento e vai acabar ultrapassando o prazo de quatro anos”, projeta Mariano. O procurador também criticou a maneira como a lei foi aprovada no Congresso: “Não sei qual a finalidade, mas é muito estranho ter sido aprovada a toque de caixa. Porque a discussão que houve foi o projeto anterior e, de repente, aprovaram um substitutivo sem nem um tipo de discussão. Eu nunca vi um projeto dessa magnitude ser aprovado. É uma legislação que existe apenas no Brasil. Porque a maioria das legislações protege o patrimônio público e protege desse tipo de corrupção na esfera penal. Temos a legislação mais avançada do mundo no combate cível à corrupção e simplesmente ela foi dizimada, não funciona mais, não há a menor condição de ser aplicada da forma como está e índice de pessoas impunes vai ser enorme”.

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