Perito federal diz que análise de áudios no caso Marielle foi ‘superficial’

Perícia foi feita em 2h25min e não examinou a possibilidade de que os arquivos tenham sido alterados

  • Por Jovem Pan
  • 02/11/2019 11h53
Reprodução Foi com base nessas gravações que as promotoras do caso afirmaram que o porteiro mentiu em depoimento

O presidente da Associação dos Peritos Criminais Federais, Marcos Camargo, contestou em entrevista ao Jornal da Manhã a perícia feita nos áudios do interfone do Condomínio Vivendas da Barra no dia do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Embora o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) tenha tido acesso às gravações no dia 14 de outubro, a perícia só foi feita depois da divulgação do caso pelo Jornal Nacional, que ocorreu na última terça-feira (29), e levou 2h25min. Para Camargo, um caso desses levaria em torno de 30 dias.

“Uma análise desse porte em 2h não é possível de ser feita com o rigor científico que se exige para o processo penal. Poderia ser feita como um parecer, uma pontuação técnica para começar a ter algum tipo de informação para a investigação, mas não como uma prova processual”, explicou.

Foi com base nessas gravações que as promotoras do caso afirmaram que o porteiro mentiu em depoimento, ao dizer que o motorista Élcio Queiroz, acusado de assassinar Marielle, tinha solicitado a liberação para visitar a casa do presidente Jair Bolsonaro antes de se dirigir à casa de Ronnie Lessa, também acusado pelo crime.

O presidente da Associação dos Peritos Criminais Federais disse que “faltou rigor científico” na perícia feita pelo MPRJ e que a análise foi “muito superficial”. Segundo ele, isso deveria ter sido feito por uma perícia oficial que, a nível estadual, está ligada com a Polícia Civil e, em uma esfera nacional, à Polícia Federal.

“O código penal determina por pena de nulidade que esses processos sejam feitos pela perícia oficial, que é quem vai ter o rigor científico, a cadeia de custódia para fazer um exame mais aprofundado e detalhado, para que você tenha uma melhor conclusão e condições de dar uma posição mais sólida sobre essa questão. Isso evita qualquer especulação e dá segurança para que se possa apontar eventuais envolvidos, bem como inocentar pessoas com mais segurança”, afirmou Camargo.

Carlos Bolsonaro teve acesso aos áudios

Outro ponto que gerou controvérsia foi a informação de que a Promotoria não examinou a possibilidade de que os arquivos tenham sido alterados. No dia seguinte ao da veiculação da reportagem, Carlos Bolsonaro (PSC) publicou em suas redes sociais uma relação de áudios, segundo ele referentes às ligações realizadas pela portaria. O vereador apontou que a chamada citada pelo porteiro foi feita às 17h13 para a casa 65, de Ronnie Lessa, e não a 58, de Jair Bolsonaro.

De acordo com Camargo, é importante ter a verificação da integridade dos arquivos e da eventual possibilidade de edição, supressão e inserção de conteúdos, assim como da recuperação de eventuais arquivos, verificação de imagens e equipamentos e identificação de locutor de forma mais robusta.

“Qualquer arquivo eletrônico pode sofrer interferências. Por isso é importante ter uma cadeia de custódia, para que a partir do momento que você apreendeu o material consiga identificar qualquer pessoa que tenha manipulado os arquivos”, explicou. No entanto, o perito assegurou que “isso não impede” que possíveis alterações ainda sejam identificadas. “Isso não seria o impedimento em si”, disse.

Ele contestou também o fato de Carlos ter tido acesso aos áudios. Para Camargo, dentro do processo, essas evidências deveriam ser preservadas dentro de uma investigação formal. “Novamente, isso não inviabiliza o exame pericial depois, mas obviamente não é o recomendável”, pontuou.

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