Inflação: falta um ingrediente na receita cripto

À medida que o dinheiro ‘fiat’ mostra suas desvantagens, as criptomoedas surgem como uma ótima alternativa para armazenar valor, mas algumas perguntas ainda permanecem

  • Por Silvina Moschini
  • 23/05/2023 10h00
Marcello Casal Jr/Agência Brasil Calculadora com gráficos da inflação no Brasil Plataformas de câmbio nos celulares começam a ser vistas como novas alternativas para combater a inflação

No ano passado, o jornal New York Times destacou que mesmo após o “inverno cripto”, os argentinos continuavam sentindo que as criptomoedas eram uma aposta segura. Um economista citado pelo jornal exemplificou: “O dinheiro aqui é como um sorvete. Se for mantido por muito tempo, derrete em relação ao quanto você pode comprar com ele”. A inflação e a desconfiança no próprio sistema monetário são inversamente proporcionais ao “cripto entusiasmo”, um fenômeno observado não somente na Argentina, mas também em países como a Turquia ou o Líbano. O caso argentino, porém, alcançou um novo patamar há algumas semanas, quando a demanda pelo chamado “cripto-dólar” superou a do “dólar blue”, como é conhecido na Argentina o preço não oficial — mas usado como referência — da moeda norte-americana.

Os dados mostram que a corrida dos argentinos para evitar que seus pesos “derretam” se intensificou, mas também que a natureza desse movimento está se alterando. Quem quer proteger suas economias já não recorre apenas às casas de câmbio físicas, e as plataformas de câmbio nos celulares começam a ser vistas como novas alternativas para combater a inflação. 

Além da volatilidade

Se o Bitcoin em particular, e as criptomoedas em geral, tem se consolidado cada vez mais como instrumentos “anti-inflacionários”, é porque cumprem com uma das qualidades fundamentais de qualquer moeda: a de funcionar como reserva de valor. Na longa história do dinheiro, esse não é um aspecto menor, porque coloca sob a lupa as sombras do dinheiro fiduciário, ao mesmo tempo em que ilumina uma das virtudes das criptomoedas. Apesar disso, a pergunta que permanece em relação ao futuro do dinheiro é se todas as criptomoedas podem efetivamente cumprir a função de armazenar valor, ou se algumas podem fazer isso melhor que outras. Esta é uma questão muito relevante se considerarmos que existem mais de 23 mil moedas digitais diferentes, e a razão pela qual torna-se cada vez mais urgente reconhecer “quem é quem” no ecossistema.

A volatilidade do Bitcoin, como é possível inferir, é uma faca de dois gumes: refugiar-se nele como receita contra a inflação não é uma má ideia, mas traz limitações e riscos. Talvez seja adequado para os chamados investidores “baleia” e para aqueles capazes de manter um investimento cripto a longo prazo (os chamados “mãos de diamante”). Mas, para quem busca proteger temporariamente seu dinheiro das garras da inflação, a opção pode ser decepcionante, ao menos no curto prazo. Nesse sentido, creio que as criptomoedas de nova geração estão mais bem preparadas para combater a desvalorização das moedas.

A receita das criptomoedas contra a inflação é uma alternativa inteligente, mas insuficiente, porque requer um ingrediente mais estável que possa impulsionar a democratização dos investimentos. A volatilidade das criptomoedas de primeira geração não é inevitável, e o futuro do dinheiro demanda um tipo de moeda digital que não seja acessível apenas aos grandes investidores, mas também aos cidadãos de economias cada vez mais castigadas pelos sinais de esgotamento apresentados pelo dinheiro “fiat”.

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