Governo brasileiro terá de mudar discurso para evitar dificuldades na relação com os EUA
Biden chegou a dizer que, por causa do descaso com a Amazônia, os produtos brasileiros poderão ter dificuldades de entrar no mercado norte-americano e os acordos comerciais poderão ir para o vinagre
No que diz respeito ao Brasil, o discurso terá de mudar. O cenário é outro. Parece que o planeta é outro. Chega de conversa inútil e atitudes grosseiras que beiram à estupidez. Com a vitória de Joe Biden na eleição presidencial dos Estados Unidos, o Brasil terá de mudar seu discurso ou enfrentará muitas dificuldades na relação entre os dois países, especialmente no que diz respeito ao meio ambiente, que o governo Bolsonaro não leva a sério. Pelo contrário, a política ambiental brasileira é lastimável e motivo de preocupação para o mundo e também para os brasileiros que ainda conseguem pensar por estas bandas tropicais. Durante a campanha eleitoral, Biden garantiu que o controle dessa questão será muito mais rígida – ele sempre considerou que Bolsonaro e Donald Trump tinham uma relação de amigos que pesava muito mais do que um acordo entre nações. “Os dois são camaradas”, como diz o ex-chanceler do Chile, Juan Gabriel Valdés, que foi embaixador nos Estados Unidos e conhece bem como pensa o país. Já a analista política da Universidade Di Tella, na Argentina, Mônica Hirst, assegura “que o Brasil e os Estados Unidos de Trump tinham uma relação de idolatria e alinhamento como parte de uma dinâmica de seitas que une e cria sinergias entre governos de extrema direita”. Está correto. A idolatria fica por conta do presidente brasileiro. O idolatrado Trump era uma espécie de herói a ser imitado até no comportamento grosseiro. Sempre há quem goste.
A oposição brasileira, por seu lado, observa tudo com aquela distância que tem em relação à verdade, preferindo sempre manobras tantas vezes não condizentes com a civilização. O Brasil tem uma esquerda vagabunda. Os opositores do governo Bolsonaro afirmam que a derrota de Trump dará um fim à onda populista que invadiu o mundo nos últimos anos e que o Brasil terá de rever sua postura no plano externo. Pior é que Biden não tem bons olhos para o Brasil. E deixou isso claro muitas vezes. Durante a campana, Bolsonaro chegou a dizer numa aglomeração que costuma fazer em todo lugar, que estava se preparando para comparecer à posse de Donald Trump, enquanto seus filhos tornavam públicas críticas que faziam a Biden na torcida por Trump. O pai Bolsonaro foi além: chegou a dizer que, se Joe Biden vencesse a eleição, o Brasil precisaria das Forças Armadas preparadas para proteger a Amazônia do interesse de outros países. Nessa ocasião, o presidente observou que Biden parece querer romper o relacionamento com o Brasil por causa da Amazônia, observando que as críticas de Biden são desastrosas. Várias vezes, durante a campanha, Joe Biden se referiu ao Brasil e à floresta brasileira muitas vezes com desapontamento. Tanto que, num comício, adiantou que, caso fosse eleito, os Estados Unidos se reuniriam com vários países a fim de arrecadar US$ 20 bilhões para garantir a preservação da Amazônia, fazendo, ainda, ameaças de sanções contra o Brasil, o que, conforme afirmou, fará o país enfrentar sérios problemas econômicos. Biden chegou a dizer que, por causa do descaso com a Amazônia, os produtos brasileiros poderão ter dificuldades de entrar no mercado norte-americano e os possíveis acordos comerciais poderão ir para o vinagre: “A floresta tropical do Brasil está sendo devastada, está sendo destruída”, repetiu muitas vezes em seus discursos. A vitória de Biden poderá, sim, enfiar o Brasil num grande isolamento internacional. Certamente o Brasil verá o que é bom para a tosse.
Em rápidas pinceladas, como diria Michelangelo, Joe Biden retornará os Estados Unidos ao acordo ambiental de Paris, brindará os compromissos nucleares com a Rússia e uma relação mais próxima e amistosa principalmente com a China. Fora isso, Biden dispensará um tratamento sério e responsável com a pandemia, baseado na Ciência e não no descaso aviltante. Sabe-se que integrantes do alto escalão do governo Bolsonaro já aconselharam o Itamaraty mesmo antes da eleição nos EUA, prevendo a vitória de Joe Biden. A ordem é mesmo mudar o discurso e procurar representantes de Biden para uma nova conversa com os Estados Unidos, fazendo os remendos possíveis causados pela idolatria, principalmente com relação à agenda ambiental brasileira. Não vai adiantar mais dizer que a floresta está queimando por culpa de índios e dos caboclos que ocupam a Amazônia miseravelmente. Isso nunca colou e não vai colar especialmente agora. Declarações assim soam como deboche à inteligência. E deboches à inteligência é o que não faltam por aqui, da esquerda, da direita, do centro, do alto, do lado, de baixo e qualquer outra posição política.
A ala ideológica do governo sentiu o golpe da vitória de Biden e está meio encolhida num canto qualquer do Palácio do Planalto, tomando cafezinho amargo. E isso incluem até os filhos de Bolsonaro que diziam o nome de Donald Trump com reverência, em prosa e verso. A ala ideológica sentiu o tranco, mas ainda não se manifestou em relação como agirá doravante. O planeta é outro. E é preciso saber lidar com essa nova paisagem que exige cuidados especiais. A boiada não passará assim tão facilmente quando a imprensa estiver ocupada com outros assuntos. Aos deslizes de Trump, que provocaram sua derrota nas urnas, soma-se de maneira especial o comportamento de desprezo que deu à pandemia, zombando mesmo da doença que já matou mais de 250 mil pessoas nos Estados Unidos, como se nada estivesse acontecendo. Uma postura petulante, devidamente imitada por Bolsonaro no Brasil, esse pobre país da América do Sul. Bolsonaro demonstrou o mesmo descaso desde o início da pandemia, inventando, ele mesmo, um medicamento para combater o vírus chinês, ignorando os aconselhamentos da Ciência. Donald Trump já entrou na Justiça contra o resultado da eleição, conforme prometera. O que ele espera? Que o resultado seja revertido? Na verdade, por não estar louco, no fundo, não espera nada. É só um jogo de cena diante da derrota. Foi julgado pelo seu povo. Muitos são julgados pelo povo, mais dias, menos dias. Muitos. Nem tudo está perdido.
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