Investimentos no Brasil dependem do respeito aos contratos de concessões

Reviravolta judicial no caso da Linha Amarela do município do Rio de Janeiro desafia a construção de um ambiente jurídico e institucional estável para a atração de empreendimentos de longo prazo

  • Por Fernando Vernalha
  • 27/09/2020 08h00
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Fernando Frazão/Agência Brasil Decisão do STJ suspendeu efeitos de liminares proferidas pelo TJ-RJ, que impediam a encampação da concessão da via expressa da linha amarela pelo município do Rio

Há poucos dias, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça suspendeu os efeitos de decisões liminares proferidas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que impediam a encampação da concessão da via expressa da linha amarela pelo município do Rio de Janeiro. Há meses o município e a concessionária controvertem judicialmente a legitimidade da encampação, que é a retomada da operação do serviço pelo poder público por razões de conveniência e oportunidade. Uma lei complementar foi aprovada na Câmara de Vereadores para autorizar a medida. Mas liminares obtidas pela concessionária suspendiam o processo, motivadas, dentre outros argumentos, na ausência da observância ao devido processo legal e de prévia indenização pela extinção precoce do contrato. A decisão do STJ foi recebida com surpresa por entidades de mercado, especialistas e analistas do setor de infraestrutura. É que ela contraria pelo menos 18 outras decisões judiciais proferidas até então no caso, que viam na iniciativa do município do Rio de Janeiro uma medida arbitrária e ilegal. Além disso, a decisão abre caminho para a efetivação de uma das medidas mais drásticas para uma concessão, que é a sua extinção. Tão drástica que a perspectiva de encampação gerada pela decisão do STJ provocou o rebaixamento da nota de crédito de debêntures da concessionária pela agência de rating de crédito Moody’s.

Encampação não é algo trivial. É uma medida de extinção forçada de um empreendimento complexo, que envolve investidores, financiadores, seguradoras, fornecedores, subcontratados, usuários etc. Tem o potencial de provocar efeitos sistêmicos e deletérios em toda a rede de relações jurídicas que circunda uma concessão. Os prejuízos econômicos resultantes da extinção abrupta de uma concessão são imensos. Sua decretação, por isso, deve estar precedida não apenas de uma sólida motivação, como também de um plano de retomada do serviço, devidamente acompanhado de prévia e justa indenização ao concessionário. E, por ser uma medida gravosa aos interesses da concessionária, a encampação deve ser obrigatoriamente precedida de um processo administrativo com ampla defesa e contraditório. Não há, enfim, um fast track para encampar uma concessão.

Chama a atenção, por isso, a decisão do STJ que autorizou o prosseguimento daquela encampação, sem que, ao que se diz, tenha havido o devido processo com ampla defesa e contraditório, a demonstração dos valores a serem indenizados e seu efetivo pagamento à concessionária. Ao criar uma hipótese da via rápida para a encampação, com a desconsideração de direitos da concessionária, o caso do município do Rio desafia a construção de um ambiente jurídico e institucional estável para a atração de investimentos e desenvolvimento de empreendimentos de longo prazo no Brasil. É um precedente perigoso que ameaça a segurança jurídica e o respeito aos contratos.

Não se retoma a operação de um serviço concedido derrubando as cancelas de pedágio com retroescavadeiras – cena já protagonizada pelo município do Rio na tentativa de romper unilateralmente o mesmo contrato – ou pegando atalhos para a encampação da concessão. É preciso respeitar os caminhos legais e institucionais para tanto. E é o Judiciário quem pode e deve garantir a sua observância pelas administrações públicas. Na falta deste, estaremos sob a égide do arbítrio. Casos como esse nos lembram que ainda temos muito a fazer pela segurança jurídica e pelo respeito aos contratos no Brasil.

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