Globo de Ouro não é esquenta para o Oscar, mas sim o que temos para o momento
Premiações têm conceitos e olhares diferentes sobre as mesmas produções; o azedume politicamente correto e a mania de citar as supostas surpresas e esnobados revelam que analistas não passam de torcedores
Foram anunciados nesta semana os indicados ao Globo de Ouro 2021, cuja cerimônia de entrega dos prêmios – adiada por conta da pandemia – será realizada no próximo dia 28 de fevereiro. O Globo de Ouro é a premiação concedida pelos jornalistas estrangeiros residentes em Los Angeles, nos Estado Unidos, e que (como manda o bom e velho clichê) é considerada uma espécie de termômetro do Oscar. #SQN! A Hollywood Foreign Press Association, que concede os Globos, é uma associação que reúne não mais do que uma centena de jornalistas de vários países. Já o Oscar é realizado por uma academia com mais de 6 mil membros, todos profissionais da indústria de cinema. São, portanto, conceitos e olhares completamente distintos. Além do Globo de Ouro, há inúmeras premiações que antecedem a da Academia e que trazem praticamente os mesmíssimos concorrentes. Ou seja, é uma questão de tendência, oferta ou meramente uma coincidência. Em outras palavras, é o que temos para o momento!
A curiosidade fica por conta das análises feitas por especialistas de primeira hora, que frequentemente partem para observações imbuídas do azedume politicamente correto que flerta com a insignificância. Neste ano, por exemplo, entre os cinco candidatos a melhor direção aparecem três mulheres: Chloe Zhao (por “Nomadland”), Emerald Fennell (por “Bela Vingança”) e Regina King (por “Uma Noite em Miami”). Pulam de felicidade porque há, pela primeira vez, mais mulheres do que homens competindo. Parabéns, mas e daí? Daí que Zhao é a primeira mulher asiática indicada, e King é a segunda negra a concorrer na categoria. Insisto: que diferença faz? Nenhuma, a não ser que só esteja em jogo a disputa pela representatividade, não a qualidade. E se for assim, é preciso mencionar que Emerald Fennell é branca e ela jamais fora indicada antes. O fato é que as regras jamais impediram as mulheres de dirigir um filme e muito menos de concorrer a qualquer prêmio. Em tempo: entre os homens disputam David Fincher, de “Mank”, e Aaron Sorkin, de “Os Sete de Chicago”.
Tão improdutiva quanto essa guerra de gêneros é a tradicional mania de listar as supostas surpresas e esnobados, o que no fundo só evidencia que os analistas não passam de torcedores. O que há de surpreendente na indicação de “Hamilton”? Depois de conquistar enorme sucesso nos palcos da Broadway, a mesma montagem musical foi filmada e lançada com enorme repercussão no canal Disney+. Por suas qualidades, nada mais do que óbvio que tivesse indicação e justamente na categoria Comédia ou Musical. Outro exemplo é Matthew Rhys, ator bastante lembrado por sua participação na série “The Americans”, e que recebe agora indicação por sua performance em “Perry Mason”. Ainda que a série tenha recebido vários elogios, sobretudo por sua cuidadosa produção, ela não conquistou grande audiência. Seria esse o fator surpreendente para os analistas em relação à indicação de Rhys como melhor ator? Será que é preciso lembrar que esse é o Globo de Ouro e não o People’s Choice?
Afirmar que um filme, ator, atriz ou diretor tenham sido esnobados é o suprassumo da hipocrisia, da arrogância ou, no mínimo, do desprezo da chamada crítica especializada pelas pessoas que votam em qualquer premiação. Há centenas de candidatos, elegíveis em inúmeras categorias, que devem ser observados a partir de diferentes critérios – sejam técnicos ou até mesmo pessoais. “Destacamento Blood”, assinado por Spike Lee, é apenas um desses considerados esnobados. Vejamos: de acordo com a crítica, trata-se de um dos filmes mais aclamados do ano. Aclamados por quem? Basta uma rápida busca em redes sociais como o Twitter para descobrir que, antes do anúncio dos indicados, não existe sequer uma menção ao filme. Zero! “Destacamento Blood” não ficou fora apenas da categoria de melhor filme, ele não foi incluído em absolutamente nenhuma categoria. Isso quer dizer algo que vai muito além de uma simples esnobada. Provavelmente, quer dizer que os membros do Globo de Ouro simplesmente não votaram por não considerá-lo tão importante assim. A minha opinião? Spike Lee há muito deixou de ser um cineasta para se tornar somente um militante. Seu filme tem elementos realmente preciosos, a começar pelas interpretações de Delroy Lindo e Chadwick Boseman, mas falha miseravelmente no discurso.
Finalmente, chamo atenção para um fato sobre o qual já dissertei por aqui algumas vezes. O streaming é definitivamente a bola da vez, não só como plataforma de exibição, mas principalmente como produtor. Somente a Netflix contabilizou 22 indicações nas categorias voltadas ao cinema e mais 20 nas de TV, dominando assim a lista de todos os concorrentes aos prêmios Globo de Ouro. E não se trata de mera oportunidade, quando a pandemia da Covid-19 obrigou o fechamento das salas de cinema e, assim, alguns filmes optaram por estrear nas plataformas, como no caso de “Os 7 de Chicago”, de Aaron Sorkin, indicado em cinco categorias. As empresas de streaming – Netflix, Amazon, Hulu, Apple+ – surgem como proprietárias das obras, produtoras empenhadas em fabricar o melhor conteúdo audiovisual original possível. Antigamente, quando ainda existiam filmes em 8 e 16mm, diziam: “Não importa o tamanho da bitola, tudo é cinema.” Sendo assim, quero me apropriar da ideia para afirmar: “Não importa a plataforma de exibição, tudo é cinema.” Dado o recado, vamos aguardar para descobrir quais serão os vencedores.
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