Primeiro as eleições, a economia a gente vê depois

No Brasil, país das avessas, o caminho tem sido outro: a politicagem ganha o espaço de medidas que poderiam impedir o caos econômico que mais uma vez se vislumbra

  • Por Paulo Mathias
  • 24/10/2021 08h00 - Atualizado em 24/10/2021 10h44
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Dida Sampaio/Estadão Conteúdo - 22/10/2021 Jair Bolsonaro cumprimenta Paulo Guedes durante declaração conjunta à imprensa na sede do Ministério da Economia Jair Bolsonaro e Paulo Guedes fizeram pronunciamento conjunto para estancar a crise provocada pelas baixas no Ministério da Economia

Com as eleições se aproximando, o governo federal tem buscado, de forma apelativa, resolver questões econômicas e sociais com medidas impulsivas, colocando a “carroça na frente dos bois”. Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro decidiu turbinar gastos em ano eleitoral, arquitetando manobras para driblar a regra constitucional do teto de gastos, o que trouxe reações imediatas na economia do país, derrubando a Bolsa, fazendo disparar o dólar e causando uma debandada no time do ministro da Economia, Paulo Guedes (um daqueles contrários a essa medida). Nada contra um auxílio nesta fase de pandemia, pelo contrário. Porém, o governo precisa ser cauteloso em como realizar essas ações, evitando abrir brechas futuras na economia com o uso indevido de recursos, que, a médio prazo, podem desestabilizar por completo as finanças do país.

Tudo isso ocorreu após a Comissão da Câmara aprovar nesta semana a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios, que elevará os gastos do governo em R$ 83 bilhões para serem utilizados a mais em 2022. O texto foi apresentado pelo relator da matéria, o deputado federal Hugo Motta. Com isso, a PEC permite que o governo fure o teto de gastos, a regra fiscal constitucional que limita a despesa pública ao Orçamento do ano anterior, corrigido pela inflação. Na quinta-feira, 21, o relatório do deputado foi aprovado por 23 a 11, e a matéria seguiu para o plenário da Câmara. Como diria Carlos Drummond de Andrade, “e agora José”? Como o Governo de Jair Bolsonaro pretende justificar a origem desses gastos “emergenciais”? Parece que o passado desastroso dos governos do PT, que assim conduziram os recursos para o Bolsa Família, não serviram de espelho. O que fica claro é a prevalência das eleições em detrimento da economia do país, quando essa ordem deveria ser inversa. Primeiro se analisa a economia, os recursos disponíveis para determinadas ações. Em seguida, se cria uma estrutura para as eleições. No Brasil, país das avessas, o caminho tem sido outro. A politicagem ganha o espaço de medidas que poderiam impedir o caos econômico que mais uma vez se vislumbra.

Após a votação da PEC, parlamentares ligados à base governista, juntamente com o relator, fizeram pressão para que o texto fosse aprovado ainda nesta semana. De acordo com Motta, a última versão da proposta, que viabiliza o Auxílio Brasil de R$ 400,00, havia sido finalizada pouco antes da sessão. Além disso, a proposta antecipa a revisão do teto de gastos de 2026 para 2021. Ao ser criado, em 2016, durante o governo de Michel Temer, previa uma revisão de regras somente dez anos depois. Esse teto nada mais é do que o limite de gastos ligado à inflação, criado para ajudar a controlar a dívida pública. Com isso, o governo federal não deve criar um orçamento superior ao do ano anterior, somente corrigi-lo. Porém, com essas medidas aprovadas nesta semana, a história passa a ser outra. Qual a origem da verba que será disponibilizada para Auxílio Brasil? Qual “santo” o governo precisará “despir” para vestir o “outro”? Fica aqui esse questionamento, que irá refletir mais à frente, como já assistimos em um passado recente. De onde vem o montante necessário para cobrir essas despesas, sem que interfira na dívida pública, que não é pouca. As contas não batem.

Segundo o relator, “a partir hoje, teremos, até 2036, o IPCA para corrigir o teto”. Medidas desesperadas, que nos fazem enxergar o que está por vir, tornando algo que soa como uma medida emergencial, um “eu já vi esse filme”. Só que com consequências que podem ser piores do que as provocadas por medidas semelhantes em governos anteriores. Por essas e outras, assistimos aos pedidos de demissão de vários secretários de Guedes, como o do secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, e outros mais, descontentes com as resoluções do governo na área de finanças. Podemos concluir que essa “licença” para desobedecer às regras do teto por parte do ministro e sua virada populista fizeram com que o mercado financeiro enxergasse tal medida como uma confirmação de que o teto passou a ser uma referência meramente formal e que pode ser ajustado de acordo com as conveniências governamentais. Brasil, o país da piada sem graça. O que importa são os resultados imediatistas, em prol de interesses próprios, em meio a uma politicagem escancarada, colocando a economia do país como refém dessa realidade. Não importa o que está por vir. Medidas como a do Auxílio Brasil, nada mais justas em um momento de carência de recursos para tantos desempregados no país, deveriam estar pautadas em estratégias econômicas sólidas, transparentes, que se esquivassem dos desvios de verbas que beneficiam a poucos, interessados apenas em assumir o poder, sem se preocupar com o cenário caótico que pode se formar em um futuro que já está diante de nós.

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*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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