Quantos ataques como o da creche de Santa Catarina ainda serão precisos para as autoridades acordarem
Massacres como esse e o ocorrido em Suzano poderiam ter sido evitados se os locais possuíssem uma estrutura adequada que impedisse a entrada de suspeitos nas instituições de ensino
Após dois anos do massacre ocorrido na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, São Paulo, que deixou dez mortos, nesta semana, um ato de violência de mesma natureza foi noticiado. Um homem de 18 anos invadiu uma creche e, a golpes de faca, atacou e matou cinco pessoas, sendo três bebês e duas professoras, na cidade de Saudades, Santa Catarina. Mais uma vez, impera a debilidade do sistema de segurança nas escolas do país. Até quando teremos que conviver com essa insegurança em locais que deveriam acolher nossos filhos e mantê-los protegidos de atos como esses? Serão necessários novos massacres para que os órgãos competentes tomem providências protetivas? Lamentável ter que discutir o óbvio, perante mais um descaso por parte do poder público.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina, o homem estava armado de um facão, e atingiu quatro alunos e duas professoras da creche. Após o ataque, o jovem Fabiano Kipper Mai, deu golpes contra o próprio corpo e foi levado em estado grave a um hospital da região. No local, havia 20 crianças, sob o cuidado de cinco professoras. A primeira a ser atacada foi a professora Keli Adriane Aniecevski, que mesmo ferida, correu para uma sala onde se encontravam quatro crianças e a agente de educação, Mirla Renner, de 20 anos. Porém, o assassino seguiu a professora até a sala e, além de Keli, matou Mirla e três crianças. As outras salas foram trancadas pelas professoras para evitar novos ataques do jovem descontrolado. Isso lembra cenas de filmes de terror. Mas faz parte da realidade que nos cerca, em que, no auge de uma pandemia com milhares de mortos, nos descuidamos de fatos que deveriam repercutir de forma mais severa na sociedade.
Segundo investigações da polícia local, o criminoso chegou à creche pré-infância Aquarela de bicicleta. De acordo com o depoimento de pessoas que presenciaram a agressão, o jovem disse ter sido vítima de bullying, embora não tenha estudado na creche, que atende crianças de seis meses a dois anos de idade. O jovem não possui antecedentes criminais e já havia sido imobilizado quando os agentes policiais chegaram para atender a ocorrência. Após uma varredura na casa do assassino, a polícia encontrou R$ 11 mil em dinheiro e duas embalagens de facas novas. Na visão do especialista em segurança pública e privada, Leonardo Sant’Anna, um agressor ativo consiste em “uma pessoa armada que tenha usado força física mortal em outras pessoas e continua a fazê-lo ao ter acesso irrestrito às vítimas adicionais”. Além disso, para o especialista, atos como esse ocorrem mais comumente em escolas, em que há pessoas com pouca chance de defesa. Para ele, trata-se de pessoas com problemas psicológicos, com o objetivo claro de matar o maior número de pessoas.
Quem não se lembra do massacre ocorrido há dois anos na Escola Raul Brasil, em Suzano, São Paulo, em que dois ex-alunos invadiram o local, mataram o tio de um deles e mais dez pessoas que se encontravam no interior da instituição. Um deles, com uma arma de fogo, e o outro com objetos como uma machadinha, assassinaram cinco estudantes, duas funcionárias, e, depois, o mais novo matou o mais velho e, em seguida, se matou. Para evitar que uma nova tragédia se repetisse nas escolas de São Paulo, o governo estadual prometeu implementar uma série de medidas de segurança e de prevenção ao bullying. Entre as promessas estava a convocação de 3,7 mil agentes de organização escolar, entre concursados e temporários, revisão de procedimentos e reforço da segurança, inovação de novas disciplinas, como o projeto vida, tecnologia e inovação. Contudo, uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva revela que 54% dos professores já sofreram algum tipo de violência nas escolas. Em 2017, o percentual era 51% e, em 2014, 44%. Entre os estudantes, 37% declararam ter sofrido violência (em 2014 eram 38%, e 2017, 39%). E esses índices crescem a cada ano. Os resultados são esses que vemos em diferentes pontos do país.
Apesar de chocantes, as histórias de violência dentro de unidades de ensino estão a cada dia mais comuns, sem que a esse descalabro se contraponha a adoção de políticas em nível nacional, estadual ou municipal. Até onde consegui apurar, as ações são pontuais, adotadas pelas escolas ou pelas secretarias de Educação. O que fica de tudo isso é um sentimento de revolta, impotência e solidariedade com as famílias que perderam seus filhos, esposas, deixando um vazio que, embora não possa ser preenchido, sirva de alerta para os órgãos competentes e para a sociedade. Com isso, é nítida a urgência de uma reforma de base nas questões de segurança das escolas brasileiras. Massacres como esses poderiam ter sido evitados se esses locais possuíssem uma estrutura adequada que impedisse a entrada de suspeitos nas instituições de ensino. O medo toma conta de pais, alunos, professores, funcionários e todos os que frequentam escolas públicas do país. Serão necessárias mais mortes para que haja uma reforma nas estruturas de segurança de nossas crianças e de todo o setor de educação? Morte tem sido a palavra da vez no país. Chega.
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