Elza Soares usou voz para combater machismo e racismo ao longo da carreira
Luta contra problemas sociais aparece de forma ainda mais acentuada nos últimos três álbuns da carreira da artista
Elza Soares viveu de perto a realidade difícil que é comum para muitas mulheres negras no Brasil: teve uma infância pobre, casou aos 12, engravidou aos 13 e ficou viúva aos 21, pouco antes de começar a carreira musical. Viu dois filhos morrerem de fome e uma filha ser sequestrada bebê – ela só foi encontrada depois de adulta. Foi considerada culpada por parte do público de prejudicar a carreira de Garrincha, um dos maiores craques do futebol brasileiro. Primeiro quando os dois tiveram um caso extraconjugal. Depois, quando se casaram. Sofreu violência doméstica e com o alcoolismo do atleta. Ao participar de um programa de calouros no rádio, em 1953, ainda no começo da carreira, ouviu do apresentador, o compositor Ary Barroso, a pergunta: “De que planeta você veio?”, ao que respondeu que vinha do “planeta fome”. O machismo e o racismo estiveram presentes na vida da cantora, mas ela usou a voz para combatê-los ao longo da carreira, e ainda mais acentuadamente nos últimos anos de vida. Elza morreu nesta quinta, 20.
O último disco lançado em vida traz já no título uma referência à frase de 1953: o nome do álbum é “Planeta Fome”, no qual ela canta sobre a miséria, a desigualdade social na diferença entre os “Brasis” e o racismo. Em “Mulher do Fim do Mundo”, álbum lançado em 2015, a música “Maria da Vila Matilde” já começa recomendando que não se aceite a violência doméstica: “Cadê meu celular/Eu vou ligar para o 1-8-0”. Além disso, ainda garante que o agressor se arrependeria de levantar a mão. As músicas críticas ao machismo e ao racismo permeiam todo o álbum, assim como o “Deus É Mulher”, lançado em 2019. A denúncia do racismo já havia aparecido antes, em 2002, na música “A Carne”, que se tornou uma das mais conhecidas de Elza e traz a frase “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. A canção integrava o álbum “Do Cóccix Até o Pescoço”, que também falava de como a cor da pele afeta a vida de um brasileiro na música “Haiti'”. Elza afirmou em entrevista à revista “Veja” que o racismo não a derrubou e que cantar era sua forma de luta. Ao longo de 52 anos de carreira, essa luta nunca deixou de aparecer, o que a tornou um ícone ainda maior do que a bela voz já a tornaria.
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