Doping, Guga e avós: conheça Bia Haddad, tenista brasileira que pode ressuscitar ‘gugamania’ com toque feminino

Após sucesso em Roland Garros, paulistana de 27 anos viu popularidade explodir; fenômeno traz à memória a febre Gustavo Kuerten entre o final dos anos 90 e o começo dos 2000

  • Por Jovem Pan
  • 08/06/2023 16h30 - Atualizado em 08/06/2023 16h36
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Thomas Samson/AFP A brasileira Bia Haddad Maia joga um forehand de retorno para Ons Jabeur, da Tunísia, durante a partida individual feminina das quartas de final no décimo primeiro dia do torneio de tênis Roland-Garros Bia Haddad durante a disputa das quartas de final de Roland Garros

Em 1997, o Brasil foi surpreendido com o sucesso de um catarinense com cabelo encaracolado, jeito de surfista, mas que fazia sucesso com a raquete. Desconhecido até então, Gustavo Kuerten chegou a Roland Garros, na França, como completo azarão, mas superou feras como o austríaco Thomas Muster, o ucraniano Andrei Medvedev e o russo Yevgeny Kafelnikov, que havia conquistado o título de 1996. A final foi contra o espanhol Sergi Bruguera, outro campeão do aberto francês (1994). Detentora dos direitos de transmissão do torneio, a extinta Rede Manchete atingiu audiência recorde — com pico de 18 pontos, chegou a liderar a TV aberta na manhã daquele domingo, 8 de junho — e exibiu para o país o nascimento de um ídolo. Guga venceu o favorito por 3 sets a 0 (6/3, 6/4 e 6/2) em menos de duas horas de partida.

Kuerten conquistou mais dois Grand Slams depois daquele surpreendente título — ambos no saibro de Roland Garros —, chegou a liderar o ranking da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais) e fez do tênis o esporte número 2 do país. Nem as estrelas do vôlei alcançavam a popularidade do catarinense, que conseguiu colocar até o Avaí, seu time de coração, no mapa do futebol brasileiro. Escolas de tênis expandiram seus domínios e começaram a receber meninos e meninas que tentavam imitar as vestes (sobretudo a faixa na testa) e o penteado de Guga. No entanto, a falta de um sucessor fez com que a bolinha amarela desse lugar ao MMA, à natação, ao atletismo e até ao futebol americano no coração do brasileiro, entre outras modalidades. Até agora! O sucesso de Bia Haddad, uma paulistana de 27 anos, reviveu o interesse pelo esporte.

Bia deixa Roland Garros na semifinal após derrota para a polonesa Iga Swiatek, número 1 do mundo, mas sua brilhante trajetória no torneio francês ressuscitou a “gugamania” de quase duas décadas atrás. “Você viu a brasileira que está ganhando em Roland Garros”, testemunhou a reportagem da Jovem Pan uma conversa em um bar no Centro de São Paulo. “Claro, mano. Só se fala nisso”, respondeu o interlocutor. No Twitter, o nome da tenista (que não tem nenhum parentesco com o ministro da Economia, Fernando Haddad) ficou entre os assuntos mais comentados. Um dos milhares de posts foi de Fernando Meligeni, icônico tenista brasileiro (naturalizado, pois nasceu na Argentina) dos anos 1990. “Que dia importante para nosso tênis. Obrigado, Bia, por trazer de volta o incrível que é ser tenista, brasileiro, atleta”, celebrou o hoje comentarista.

A história já havia sido feito na virada contra a tunisiana Ons Jabeur, sétima colocada do ranking da WTA (Associação Feminina de Tenistas Profissionais). Bia perdeu o primeiro set e viu a adversária abrir 3 games a 0 no segundo, mas fez 7/6 e venceu o terceiro de forma categórica, por 6 a 1. O Brasil não chegava a uma semifinal de Grand Slam desde o próprio Guga, em 2001, ano do seu último título de aberto (os três foram em Roland Garros). Entre as mulheres, o tabu era ainda maior. A última havia sido a lendária Maria Esther Bueno, campeã do US Open de 1968.

Drama com doping

Em 2019, a tenista brasileira recebeu a notícia mais devastadora de sua carreira: um exame apontou substâncias anabólicas proibidas pela Wada (Agência Mundial Antidoping). Ela conseguiu provar que os anabolizantes foram parar no seu organismo por meio de suplementos alimentares contaminados, mas teve de cumprir dez meses de suspensão. A notificação chegou por e-mail, enquanto Bia curtia férias no Guarujá e ainda saboreava bom desempenho em Wimbledon (havia derrotado Garbiñe Muguruza Blanco, campeã de dois Grand Slams). “Na hora, o meu estômago embrulhou. A minha reação imediata foi ir ao banheiro e chorar. Eu desabei em lágrimas e já não conseguia ler mais nada. Até hoje eu não terminei de ler a carta. Me arrepiei, gritei de desespero. Eu estava realmente desesperada. A gente arrumou as malas e voltou imediatamente para São Paulo”, revelou a esportista brasileira ao podcast A Voz do Tênis.

A suspensão trouxe a reboque um cancelamento na internet. Rapidamente, diversos seguidores que antes curtiam as fotos de Bia e desejavam sucesso a cada torneio passaram a apontar o dedo e tratá-la como criminosa. Quem só a conheceu após a notícia foi ainda mais impiedoso. “Meu Instagram foi bombardeado de emojis de cavalo e injeção, enviados por pessoas que tinham acreditado que eu tinha trapaceado. Gente que falava que eu só ganhei da Muguruza porque havia me dopado”, desabafou ao podcast especializado em tênis. “Mexeu comigo ver mensagens pesadas de seguidores que realmente me acompanhavam e torciam por mim. Era como se eu tivesse traído a confiança deles. […] Queria falar, mas me mantive calada pela estratégia acordada com os advogados para manter o foco na defesa e, assim, não abrir detalhes do processo. Quantas vezes não escrevi no bloco de notas uma mensagem que eu gostaria de publicar. Eu sabia que não tinha feito nada e tinha convicção de que poderia dormir à noite… ‘Pô, Bia, você não tem culpa. Ocorreu um erro, sabe? […] As pessoas te colocam no céu e te jogam no chão em um piscar de olhos. A cultura esportiva brasileira é assim. A gente tem como referência o Guga e o Ayrton Senna. Então, se não for um dos dois, você simplesmente não é bom.” O gancho terminou em 22 de maio de 2020.

Paixão pelos avós

Foi aos avós Rahmez e “Miminha” Haddad que a nova sensação do tênis brasileiro dedicou a vitória sobre Jabeur. “Para os vovôs. Keep fighting (continuem lutando)”, escreveu Bia em uma câmara na quadra Philippe-Chatrier de Roland Garros. Homenageá-los é uma prática constante na carreira da tenista, onde quer que ela vá. Em caso de amor recíproco, o casal raramente perde um jogo da neta famosa. Na quarta-feira, 7, após a brasileira alcançar as semifinais de Roland Garros, familiares publicaram foto dos avós assistindo ao jogo, compenetrados e orgulhosos.

Rahmez praticava basquete, mas também gosta de tênis. No entanto, prefere ver o esporte na TV, de preferência quando a neta está em quadra. Já Miminha é uma inspiração para a paulistana: foi com ela que Bia deu suas primeiras raquetadas. Até hoje, a vovó tenista ainda bate uma bola. “Ela é a responsável por trazer o esporte e o tênis na minha família. Ela que nos relembra, diariamente, a importância de nunca pararmos o corpo e a mente, assim como ela segue fazendo aos seus 89 anos: sendo a primeira a chegar nas quadras do clube e a última a sair da água, após a sua sessão de exercícios na piscina. Você é um exemplo de disciplina”, derreteu-se a neta em homenagem publicada no Instagram em março, mês da mulher. “Agradeço por todos os seus ensinamentos e saiba que um dos meus sonhos é chegar na sua idade fazendo metade do que você faz.”

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