Rejeição à PEC do voto impresso é a maior derrota política de Bolsonaro

Presidente agora vira alvo do troco que será dado pelos ministros do STF e do TSE por causa dos ataques ao sistema eletrônico de votação

  • Por Jorge Serrão
  • 06/08/2021 08h39 - Atualizado em 06/08/2021 09h00
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Fabio Rodrigues Pozzebon/Agência Brasil Urna eletrônica Comissão especial rejeitou PEC do voto impresso por 23 votos a 11 nesta quinta-feira

Aparentemente, o presidente Jair Bolsonaro sofreu sua maior derrota política com a rejeição, por 23 a 11, ao voto impresso pela urna eletrônica para recontagem pública, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados que tratava da PEC 135. A matéria será arquivada. O governo errou ao não ter conseguido viabilizar politicamente que a proposta fosse votada no plenário, onde também teria imensa dificuldade de aprovação. Seriam necessários, no mínimo, 308 votos. O quórum qualificado seria dificilmente alcançado por um motivo simples: a maioria dos parlamentares não quer mudança no sistema de votação. A trairagem foi gigantesca: MBL, DEM, NOVO, MDB e PSDB votaram junto com PCdoB, PT, PSB, PSOL e REDE, contra a transparência nas eleições. Lembre disso em 2022.

As aparências enganam. Houve uma vitória estrondosa do establishment e seu trâmite sigiloso eleitoral. O Poder Supremo e sua “Justiça eleitoral” comemoram. Só que a derrota do voto impresso deve ser atribuída ao fisiologismo predominante na Comissão Especial da Câmara. Seus membros estão desconectados da realidade brasileira. Ignorar a vontade popular manifestada nas ruas e nas redes sociais é suicídio político. O troco virá de imediato. A pressão popular vai crescer. E o Poder Supremo e seus aliados podem ficar isolados, pela aliança do Executivo com o Legislativo. O desgaste popular da toga é assustador. Nesta sexta-feira tem até uma reunião do presidente com o Procurador-Geral da República. Augusto Aras anda muito quieto no meio da pancadaria.

Agora, está claro que o Mecanismo vai jogar todas as fichas para desgastar até inviabilizar Jair Bolsonaro – um presidente que ousou desafiar o sistema oligárquico de poder no Brasil, só que errou na estratégia e falhou nas táticas de confronto e neutralização do inimigo. O preço a ser pago pode ser altíssimo. Além de não termos um aprimoramento do processo eletrônico de votação, o presidente corre seríssimo risco de ser punido pelo “Judiciário” eleitoral com uma inelegibilidade, por causa dos ataques que fez ao presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, e ao modelo eleitoral, inclusive com a bravata de que poderia não haver eleições se o voto impresso não fosse aprovado.

A derrota (parcial) traz várias lições. Algumas delas muito amargas. Até difíceis de serem reconhecidas e assimiladas pelo presidente. A primeira é que o Congresso Nacional obra e anda para a vontade popular. Bolsonaro investiu na mobilização popular, porém falhou na articulação política em favor do voto impresso. Exagerou na polêmica com o Poder Supremo e o TSE, sobretudo contra o ministro Barroso, enquanto deveria ter focado na cobrança de fidelidade do Centrão e de outros partidos aliados. Seus principais e fiéis aliados sempre atuaram, como minoria, na Comissão Especial do voto impresso. Se a derrota era previsível, o presidente deveria, antes, ter articulado com Arthur Lira para a PEC ir diretamente para apreciação do plenário da Câmara dos Deputados. A ação poderia ganhar tempo, mas a derrota seria idêntica.

É preciso louvar a atuação de qualidade da deputada Bia Kicis, do relator deputado Filipe Barros e do presidente da comissão, Paulo Eduardo Martins. O problema é que eles enfrentaram experientes inimigos nos outros partidos, que se articularam e garantiram a derrota caríssima ao governo Bolsonaro e, pior ainda, à maioria do povo brasileiro que queria – e ainda quer, e vai ficar querendo – um aprimoramento do sistema eletrônico de votação. Além de participar da live com o presidente transmitida pela Rede Jovem Pan para denunciar a fragilidade da votação eletrônica constatada por um inquérito da Polícia Federal, Filipe Barros fez a correção necessária no texto da PEC: o voto impresso seria apurado (recontado) 100% pelos mesários na própria sessão eleitoral, com a presença de fiscais de partidos.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a afirmar que a PEC do voto impresso ainda poderia ser levada ao plenário. Segundo ele, as comissões funcionam de maneira opinativa e não terminativa. Só que, na prática, a PEC 135 foi arquivada. Dificilmente o assunto será levado para decisão final dos 513 parlamentares, em votação aberta e nominal, com quórum qualificado de três quintos – mínimo de 308 votos para aprovação. Cabe a Bolsonaro reverter o “dificilmente”, apelando para o bom senso do aliado Lira, que não vai ter interesse em ser igualado a outros políticos alagoanos ilustres – como “Renan Calheiros”, por exemplo.

Mal resolvida a questão do voto impresso, que precisa ser revertida de derrota parcial em vitória, Bolsonaro tem de encarar a partida com o Poder Supremo. Será dentro ou fora das quatro linhas da Constituição? Os togados jogam bonito na narrativa, mas apelam para faltas violentas no campo institucional. No caso das mudanças em favor da transparência eleitoral, os membros do STF e do TSE (eles se confundem) fizeram pressão (espúria) sobre parlamentares. Agora, não adianta chorar, reclamar, nem chamar o VAR. A partida seguirá no tapetão? Bolsonaro terá de mudar o tom do discurso. Como estamos no presidencialismo (pelo menos em tese), caberá ao presidente convocar os presidentes do Senado, da Câmara e do STF para aquela discussão de relação. Ontem, Luiz Fux jogou para a galera. Saiu em defesa corporativa dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, proclamando que não promoveria mais a reunião com os três poderes. Fux errou. Quem tem de convocar (ou convidar para) o encontro é Jair Bolsonaro, o Presidente da República.

Fato concreto é que a temperatura está altíssima no inferno de Brasília. Se os poderes não baixarem a bola, vai dar merda. Aliás, para ser sincero na observação e análise, já deu. Já passou da hora de parar com as ameaças de golpes e com os golpes institucionais concretos. O povão está de saco cheio. Bolsonaro (ainda) tem grande apoio popular. O Poder Supremo nunca esteve tão impopular. Os militares, que não querem dar golpe, mas não aceitam sofrer golpes, estão com o presidente. Será necessário botar luva de pelica na pancadaria disputada com luta de boxe e muito xingamento mútuo (mesmo que usando palavras empoladas). Todos os “poderosos” devem fazer uma autocrítica: Quem realmente pratica ataques, ofensas e inverdades? Quem de fato faz agressões vazias e ameaças covardes? Quem usa o poder da força para influenciar outros poderes? Quem tenta deslegitimar as instituições? Quem persegue quem? Quem manda no Brasil: o presidente, o Congresso ou os “deuses” do Supremo?

Um palpite? Ninguém se surpreende que ocorra um grande acordo de bastidores para que uma incômoda CPI do TSE seja trocada pelo caminho reaberto no Congresso Nacional para aprovar o voto impresso com recontagem de 100% dos votos na seção eleitoral. O Poder Supremo tem muito mais a perder com a CPI do que com a mudança no modelo eletrônico de votação. Resta aguardar para ver se os 11 togados terão tamanha sensibilidade para compreender a delicadeza do momento institucional brasileiro. A pressão nas ruas e na internet vai aumentar. Quem não liga para isso pode acabar que nem Maria Antonieta. E sem direito a comer brioches na hora do “juízo final”.

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