Baltimore, antigo motor econômico dos EUA afundado na desigualdade e no crime

  • Por Agencia EFE
  • 29/04/2015 07h51
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Lucía Leal.

Washington, 29 abr (EFE).- Baltimore, a cidade que inspirou os poemas de Edgar Allan Poe e a célebre série “The Wire”, é dividida em duas: um núcleo revitalizado que busca recuperar seu antigo papel como motor econômico, e um coquetel explosivo de pobreza e crime que precisava de apenas uma faísca para explodir.

Os graves distúrbios de segunda-feira em Baltimore, que deixaram 20 policiais feridos e mais de 200 pessoas detidas, devolveram às manchetes a imagem de uma cidade à beira do colapso que popularizou “The Wire”, uma crônica da violência, da corrupção e do auge das drogas na cidade, que se transformou em série de culto na década passada.

Nesse retrato televisivo coube só uma parte da complexa realidade de Baltimore, cidade de 622 mil habitantes no estado de Maryland, no nordeste dos Estados Unidos, que se transformou em palco de um dos maiores distúrbios no país desde os registrados em agosto em Ferguson, no Missouri.

Embora a morte de um jovem negro pela polícia tenha sido o detonador dos distúrbios nas duas cidades, “Baltimore não é Ferguson, e seus principais problemas não são raciais”, lembrou na terça-feira Michael A. Fletcher, jornalista que vive há mais de três décadas ali, em artigo no “Washington Post”.

Em Baltimore, 63% da população é negra, como também é metade de sua força policial, e também a prefeita, herdeira de uma longa tradição de políticos e ativistas dos direitos civis afro-americanos na cidade.

Mas a desigualdade em Baltimore é uma das mais marcantes dos Estados Unidos, com 23,8% de pessoas vivendo abaixo do nível da pobreza entre 2009 e 2013, um índice muito superior à média do estado de Maryland, de 9,8%, segundo o Escritório do Censo.

Esses bolsões de pobreza se concentram nos bairros do leste e do oeste da cidade, muitos deles vigiados durante anos por câmaras cujos brilhos azuis serviam para os moradores identificarem as ruas consideradas perigosas, onde a falta de emprego arrastava muitos jovens para a droga e para o crime.

Essa imagem contrasta com a do porto renovado, cheio de restaurantes, oportunidades de lazer e imóveis de luxo, que as autoridades locais apresentam como vitrine de uma cidade que, pela primeira vez em mais de meio século, terá crescimento demográfico e novos investimentos econômicas.

Fundada em 1729, Baltimore foi, após Nova York, a segunda cidade do país a chegar aos cem mil habitantes, amparada na existência do porto e de uma vibrante indústria do aço, mas a queda da atividade industrial dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial bateu com especial dureza na cidade.

Baltimore perdeu um terço de sua população desde 1950, quando sua classe média começou a emigrar em busca de empregos, e começou a recuperá-la apenas em 2012, o primeiro ano em mais de 60 em que o censo americano constatou um crescimento demográfico na cidade, com 1.100 novos moradores.

Na segunda metade do século XX a droga rapidamente ganhou espaço nos bairros mais pobres da cidade, que segundo o governo federal têm a maior concentração de viciados em heroína do país, e começaram a se multiplicar as prisões por tráfico e posse de drogas entre a população negra.

O índice mais alto de pessoas presas em todo o estado de Maryland e de busca e apreensão é no bairro em que vivia Freddie Gray, o jovem negro que morreu por causa de lesões sofridas quando estava sob custódia policial, e cujo caso provocou os distúrbios.

Nesse bairro, Sandtown-Winchester, mais da metade das famílias ganham menos de US$ 25 mil ao ano, e mais de 20% da população adulta está desempregada, segundo um relatório oficial do Departamento de Saúde de Baltimore em 2011.

A cidade também ficou famosa pela alta taxa de homicídios, que nas décadas de 1980 e 1990 chegou a ser de 300 ao ano, e que nos primeiros quatro meses de 2015 somou 68, segundo uma apuração do jornal “Baltimore Sun”.

Nesse entorno, a polícia de Baltimore acumulou inúmeras denúncias de corrupção, acusações de uso injustificado de força letal e de agir violentamente contra suspeitos.

Essas mesmas impressões motivaram os maiores protestos em Baltimore desde 1968, quando os distúrbios gerados após o assassinato do líder dos direitos civis Martin Luther King provocaram também o envio da Guarda Nacional.

Apesar das estatísticas jogarem contra Baltimore, muitos moradores confiam nas perspectivas da cidade em que Edgar Allan Poe escreveu seu famoso poema “O corvo” e que durante quase toda a década passada se atreveu a usar o slogan de “A melhor cidade dos Estados Unidos”. EFE

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