Bolsonaro erra e arrisca a própria reeleição se pensar em 2022 agora, diz FHC

Em entrevista exclusiva, ex-presidente defende mandato único de cinco anos, revela que Doria não é o nome natural do PSDB para 2022 e confessa ter medo de contrair a Covid-19

  • Por Gabriel Bosa
  • 28/11/2020 08h00 - Atualizado em 28/11/2020 12h46
Fundação FHC/Divulgação Ex-presidente FHC sentado, posando para foto Ex-presidente afirma que aprovar reeleição foi um erro e sugere mandato único de cinco anos

Em 4 de outubro de 1998, Fernando Henrique Cardoso se tornou o primeiro presidente reeleito na história da democracia brasileira. Passados 22 anos e a recondução ao poder de todos os ex-presidentes que se candidataram, o tucano admite que errou e sugere que seria melhor ao país o mandato único de cinco anos. “Há um certo cansaço, que é recíproco. O povo enjoa de você, e você também enjoa, não do povo, mas enjoa da posição”, afirma. Pela ótica dos atuais 89 anos, FHC afirma que permitir ao inquilino do Alvorada prorrogar a estadia por mais quatro anos prejudica a condução do país. “Em geral, os presidentes ficam muito orientados pela reeleição. Fazem tudo tendo em vista a reeleição. Pode ter alguma exceção, acho que não foi o caso do Lula e nem o meu”, afirma à Jovem Pan. O mea culpa vem no momento que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) dá sinais cada vez mais claros que participará da corrida eleitoral em 2022. Para FHC, caso o desejo de permanecer no poder seja o principal objetivo do ex-capitão neste momento, ele está colocando em risco o atual e o possível futuro governo. “Se ele estiver motivado pela reeleição desde já, ele vai cometer vários erros. E acaba arriscando a própria reeleição.”

O presidente de honra do PSDB, agremiação que ajudou a fundar no início dos anos 1990, nega que o governador de São Paulo, João Doria, seja o nome natural do partido para disputar a presidência da República em 2022. “Os candidatos mais prováveis do PSDB são pessoas que vão precisar ainda caminhar muito para poder chegar e dizer que despertam entusiasmo no Brasil todo”, diz. Entre as opções, o tucano ainda cita o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o apresentador da TV Globo, Luciano Huck, como candidatos que podem despontar para o cenário político nacional nos próximos anos. “Vamos precisamos de alguém que seja capaz de inspirar com força um Brasil melhor. Quem for capaz disso, de um modo sensível e que as pessoas percebam, terá mais chance de ganhar, independentemente de partido.” Próximo de completar 90 anos, FHC mantém uma agenda ativa com a produção de um novo livro e participação em eventos virtuais, e raramente sai do apartamento em que vive no bairro de Higienópolis, na capital paulista, para evitar o contágio do novo coronavírus. “Ainda mais que ele tem uma certa preferência maligna pelo velho”, brinca. Sobre as polêmicas das vacinas, ele diz que não se deve pensar na pandemia como algo político, e afirma que a crise da Covid-19 deixou o Brasil “em um mato sem cachorro.” Confira abaixo os principais pontos da entrevista.

Poucos candidatos apoiados por Jair Bolsonaro tiveram sucesso nestas eleições. O senhor acha que isso é um sintoma do enfraquecimento do presidente? Sim, mas isso tem que ver com calma. Há momentos em que o presidente está mais frágil, outros mais forte. Isso não é previsor do que vai acontecer daqui a dois anos. Aliás, a eleição municipal raramente serve para você prever o que vai acontecer com a eleição presidencial. Ela é muito boa para prever o que vai acontecer na Câmara, porque muitos deputados são eleitos com base em prefeituras. Para presidente é preciso ir devagar. O presidente Bolsonaro, nos últimos tempos, tem perdido bastante prestígio, o governo está ziguezagueando, vamos ver daqui para lá o que vai acontecer.

O presidente Bolsonaro dá sinais claros de estar caminhando para campanha de reeleição. O senhor recentemente admitiu ter cometido um erro ao promover essa mudança. O que o senhor pensa disso? Você pode acertar, pode errar. Mas teria sido melhor, com a perspectiva de hoje, que houvesse uma extensão do mandato do presidente, do que a possibilidade da reeleição. Se olhar para a história, provavelmente quando um mandato que era de cinco anos, dava tempo do presidente fazer as coisas. Com quatro é pouco tempo para concretizar obras. Por outro lado, oito, às vezes, cansa. Há um certo cansaço, que é recíproco. O povo enjoa de você, e você também enjoa, não do povo, mas enjoa da posição. Cansa. Acho que mexer na Constituição hoje é difícil. Mas, se fosse possível um mandato de cinco anos, seria mais razoável do que a reeleição. Em geral, os presidentes ficam muito orientados pela reeleição. Fazem tudo tendo em vista a reeleição. Pode ter alguma exceção, acho que não foi o caso do Lula e nem o meu.

Como o senhor vê o presidente Bolsonaro ainda em meio de mandato já pensando em um futuro mandato? O que isso pode ajudar ou atrapalhar no governo? Se isso está acontecendo, ele está errado. Às vezes os jornalistas interpretam a ação do presidente, e ela não corresponde às motivações reais. Eu vou com calma. Se ele estiver motivado pela reeleição desde já, ele vai cometer vários erros. E acaba arriscando a própria reeleição.

O avanço de Guilherme Boulos (PSOL) ao segundo turno após a vitória expressiva em 2016 de João Doria (PSDB) contra o PT é um sintoma do enfraquecimento do partido na capital paulista? O que o resultado das eleições neste domingo, 29, irá significar ao cenário político de São Paulo e nacional? Apesar do que eu disse, que eleição municipal não permite prever eleição presidencial, obviamente que se você ganhar São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, ajuda. É claro que o empenho do governador de São Paulo, se ele for candidato, será na direção que ganhe o PSDB aqui. É cedo para saber quem vai ganhar. É preciso ver no dia da eleição. Se ganhar Covas, provavelmente não vai ser uma vitória esmagadora.

O governador Doria virou o principal antagonista ao presidente Bolsonaro. O senhor acha que essa sucessão de polêmicas contribui para o lançamento do nome do governador na disputa pela Presidência em 2022? E mais, o Doria é o candidato natural do PSDB? Geralmente, os candidatos vêm de posições já ocupadas por eles no decorrer da vida pública. Ser governador de São Paulo, do Rio, do Rio Grande do Sul, de Minas, são posições de prestígio. É claro que o Doria se coloca entre esses, e também o governador do Rio Grande do Sul se coloca em uma posição de destaque nesse palanque e também é do PSDB. [Doria] vai ser mesmo o candidato do PSDB? Ele tem várias possibilidades, pode ser candidato ao governo de São Paulo de novo, pode não querer ser candidato. Depende muito das circunstâncias, é cedo para avaliar o que vai acontecer. O sistema partidário brasileiro virou uma espécie de colcha de retalhos. Tem muitos partidos. Se sobressaem sempre líderes, não partidos. Não é o partido quem tem a vitória, é a pessoa. É uma constatação do que tem ocorrido. E são eleitos os que são capazes de transitar bem no Brasil todo. Não é fácil. Também não é fácil para quem é de São Paulo. Você tem que demonstrar ao país que tem uma visão brasileira, não uma visão paulista.

Bolsonaro é o reflexo dessa mudança no sistema partidário? Eu não votei no Bolsonaro. Todo mundo sabe disso – se não sabe, é bom que saiba. Mas ele ganhou legitimamente, e é importante manter essa ideia de legitimidade através do voto, para não estragar as instituições democráticas. Ele conseguiu convencer muita gente, muito mais por temor ao PT do que por outra razão. Depois disseram que ele era liberal, mas agora ele toma decisões que não são propriamente de um liberal. Ele é mais corporativista. Aliás, sempre foi. A vida inteira fez campanhas, quando estava na Câmara, à favor dos militares. Mas quando chega à Presidência, não se pode ser à favor de uma categoria. Tem que ser à favor do povo brasileiro. Por causa do momento que vivemos, com a pandemia e suas consequências econômicas, vamos precisamos de alguém que seja capaz de inspirar com força um Brasil melhor. Quem for capaz disso, de um modo sensível e que as pessoas percebam, terá mais chance de ganhar, independentemente de partido.

Alguém possui esse perfil de liderança hoje em dia? Para ser sincero, não vejo. Os candidatos mais prováveis do PSDB são pessoas que vão precisar ainda caminhar muito para poder chegar e dizer que despertam entusiasmo no Brasil todo. Para quem conhece o Brasil, sabe que é difícil isso. O Doria, por exemplo, os pais dele são baianos. Então ele pode reivindicar com mais naturalidade que outros a condição de ser nordestino também. Tem que demonstrar na campanha que você tem algo em comum com esse povo, e isso requer uma certa habilidade da pessoa. O Bolsonaro, por exemplo, nasceu em São Paulo, mas não tem uma ligação com o estado, e teve capacidade de mostrar que era um suburbano carioca. Tem que mostrar.

O nome de Luciano Huck voltou como aposta para 2022, ao lado de Sérgio Moro, Luiz Henrique Mandetta, entre outros. O que esse movimento significa? É importante que haja alternativas e gerações novas. Você tem que saudar a existência de alguém que se disponha a ser candidato. Se o Luciano se dispuser mesmo, ele vai assumir uma posição de líder? Tomara que sim, porque é bom para o Brasil ter uma geração nova. Mencionei o governador do Rio Grande do Sul, porque ele também é de uma geração mais nova. Sempre procuro me entusiasmar com a geração mais jovem para avançar. O Luciano faz parte dessa geração, e vejo com bons olhos que ele queira ser – e espero que queira mesmo.

O que o senhor acha da polarização no combate a Covid-19? O que ainda falta para os governos fazerem? Eu não sei se vão chegar a um senso comum. Provavelmente, haverá mais de uma vacina, e é bom. Tem que pensar a pandemia não em termos de política, partidário ou de Estado. Todo mundo está com medo. Na situação que estamos, como se diz na linguagem comum, estamos num mato sem cachorro. Não tem como se defender de algo que você não vê, como o vírus. Ainda mais que ele tem uma certa preferência maligna pelo velho. Estamos todos pregando o fique em casa, mas e quem não tem casa? Quem tem que trabalhar? Não tem como. Então a vacina é a saída da emergência brasileira. Não pode se desprezar a ciência, a vacina, os meios técnicos que permitem evitar a tragédia e a morte. Os que não tem a mão esses instrumentos, ao menos não atrapalhem. Não digam coisas erradas.

A economia brasileira caminha para o maior endividamento em relação ao PIB da história, é esperada a disparada do desemprego e o avanço da inflação. Como equilibrar as contas públicas? A situação fiscal é ruim, o governo tem pouca margem de manobra e a única coisa a fazer é apertar o cinto. Se possível, de quem tem cinto para ser apertado. Eu não sou pessimista quanto a possibilidade de recuperação. O Brasil tem muita força, temos muitas possibilidades de recuperação. O governo tem que fazer a sua parte, e a parte que cabe ao governo agora não é agradável. O governante que imaginar que vai chegar lá para benesses está errado. Eu acredito que o Brasil sai dessa. Mas não acho que a recuperação vai ser um “V”. Faz parte do jogo no mundo capitalista um certo ziguezague. Tem momentos de crise, momentos de recuperação, mudanças, crise de novo. Agora estamos no fim de uma crise. Dá para ter esperança e tem que desenhar esse futuro. A coisa mais importante é recobrar a confiança e acreditar que vai. Ninguém se joga em piscina vazia. Tem que dizer que a piscina está meio cheia, mas ela tem água suficiente para você nadar.

O ministro Paulo Guedes pode ser essa pessoa? Ele pode entender muito de estatística, mas não acho que tenha capacidade de permitir o entusiasmo, nem acho que seja função dele. É mais do presidente da República. Se o presidente abrir espaço, sim. Mas aqui temos um presidente que não é bobo, ele mesmo quer demonstrar isso. Política é o verbo. Se você não for capaz de expressar um sentimento que coincida com a realidade das pessoas, está perdido.

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