Com medo da Covid-19, paulistanos trocam o transporte público por trajeto a pé
Para especialista, superlotação e falta de higienização dos veículos preocupa; segundo levantamento, três em cada cinco moradores de São Paulo tem o hábito de fazer seu caminho, ou parte dele, andando
Em um ano, a porcentagem de pessoas que se deslocam a pé cresceu 16 pontos na cidade de São Paulo. Em 2020, cerca de 41% dos paulistanos andavam a pé todos os dias, segundo pesquisa realizada pelo “Nossa São Paulo”. Em 2021, esse número saltou para 57%. Com isso, o levantamento concluiu que o hábito de deslocar-se a pé em todo ou parte do trajeto é atualmente praticado por três em cada cinco moradores de São Paulo. Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Alexandre Delijaicov, esse aumento é uma consequência da pandemia do coronavírus, que fez com as pessoas temessem usar o transporte público por causa da superlotação e da falta de higienização dos veículos. O docente lembra também que a alta no número de pessoas que fazem o trajeto a pé pode ser consequência do maior número delas circulando na capital. “A pesquisa certamente está revelando que boa parte da população já voltou a circular e está se arriscando, seja no transporte público ou no trajeto a pé”.
O coordenador de Mobilidade Urbana do Programa Cidades do WRI Brasil, Guillermo Petzhold, vai na mesma linha. Para ele, com o aumento de pessoas circulando, cresce também o uso de diferentes formas de transporte. “A gente precisa reconhecer que o momento em que o Brasil se encontrava há um ano atrás é muito diferente do momento em que a gente se encontra hoje. Em setembro do ano passado ainda havia maiores restrições em termos do funcionamento de serviços e do comércio. A maior parte dos escritórios não cogitavam uma retomada ao formato presencial ou híbrido e não havia sido iniciada a vacinação. Uma série de aspectos que mudaram ao longo desse ano e que podem ter levado a esse aumento do deslocamento a pé”, avalia Petzhold. O levantamento também aponta que, apesar do aumento no número de pessoas que se deslocam a pé, a maioria dos paulistanos se sente pouco ou nada segura como pedestre nas diferentes situações do cotidiano na cidade. Entre as inseguranças estão passar por baixo de pontes e viadutos; andar nas ciclovias e ciclofaixas; atravessar pontes, viadutos e passarelas; atravessar a rua na faixa de pedestres e andar pelas calçadas.
“É super importante a gente estar atento ao pedestre e possibilitar as melhores condições para que esse deslocamento ocorra. Em termos de ações, devemos pensar no conceito de ruas completas, que é pensar justamente em qual é o melhor uso daquela via para determinadas condições onde ela está inserida. Por exemplo, aumentar as faixas de travessia e implantar medidas de moderação de tráfego que incentivem a redução de velocidade”, sugere o coordenador do Programa Cidades. O professor da FAU-USP Alexandre Delijaicov acrescenta a necessidade de se planejar melhor as pontes e calçadas. “Do ponto de vista de estrutura física, as pontes têm que ser projetadas com calçadas largas, acessíveis. As calçadas nos bairros, também. Não pode ter poste no meio da calçada, por exemplo, ela tem que ser acessível”, argumenta. “Eu costumo dizer que as calçadas, cruzamentos e semáforos deveriam ter uma referência de projeto uma tataravó de 95 anos andando de mãos dadas com uma tataraneta de cinco”, completa.
Pandemia também é citada como principal motivo dos usuários terem aumentado a frequência de uso de carros
O levantamento mostra um crescimento considerável das citações do preço do combustível como razão para diminuição do uso de carro no último ano. Entre aqueles que aumentaram a frequência de uso do veículo, a pandemia de Covid-19 segue como o principal motivo. Além da crise sanitária, as dificuldades enfrentadas no transporte público estão entre os motivos que fazem com que os paulistanos optem pelo uso de carro. “Cansei de pegar transporte público lotado”, “no automóvel tenho mais conforto”, “o custo do transporte público ficou parecido com o custo do automóvel” e “faltas de linhas” foram algumas das justificativas. Cerca de 2/3 dos entrevistados que utilizam carro afirmam que deixariam de utilizá-lo caso houvesse uma boa alternativa de transporte público.
Alexandre Delijaicov defende que maior eficiência na pontualidade, diminuição do tempo de espera e uma menor lotação seriam pontos de atração para quem não utiliza transporte público. “A pessoa vai medir: ‘Se eu demoro com o meu carro particular 1h30 até o trabalho e com ônibus eu faço em 1 hora, eu opto pelo ônibus’.” Apesar das problemáticas enfrentadas pelo transporte público, o ônibus municipal segue como o meio mais utilizado pelos paulistanos. Em relação ao futuro do transporte coletivo, Guillermo Petzhold acredita que o foco dos governos municipais e estaduais deve ser a modernização das frotas. “Primeiramente, as cidades lutaram muito para implementar ações pela sobrevivência do transporte coletivo com subsídios e otimização das linhas. Agora a gente entende que as cidades passam pelo momento de pensar o futuro desse transporte coletivo, porque afinal ele é essencial pra cidade. Ele é o vetor que possibilita o acesso a oportunidades de milhares de pessoas a seus empregos, estudos e saúde. É preciso pensar em como ele vai ser renovado”, finaliza.
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