Empresas não conseguem preencher vagas por falta de qualificação dos candidatos

  • Por Jovem Pan
  • 02/06/2019 15h41 - Atualizado em 02/06/2019 16h19
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Werther Santana/Estadão Conteúdo A recolocação tende a ser mais difícil para quem tem até o ensino fundamental, menos de 20 e mais de 45 anos e está há mais de um ano fora do mercado

Nos últimos dois anos, 60% das 11,8 mil vagas ofertadas nos mutirões de emprego que reuniram grandes empresas não foram preenchidas devido à falta de qualificação dos candidatos. No início deste ano, por exemplo, a empresa de telemarketing Atento ofereceu 1,2 mil vagas no Mutirão do Emprego, promovido pelo Sindicato dos Comerciários de São Paulo. Com 600 interessados, só conseguiu contratar sete operadores – menos de 1% do que precisava.

O Grupo Pão de Açúcar, por sua vez, ofereceu 2 mil postos e aprovou 700 candidatos, mas, até agora, apenas 32 estão trabalhando, segundo os organizadores. No último mutirão, também foram abertas cerca de 2 mil vagas para caixa de supermercado, com salário perto de R$ 1.100, e metade ficou em aberto por falta de qualificação.

Dentre os problemas estão a dificuldade de se expressar, de fazer contas, falta de conhecimentos básicos em informática e inglês e poucos anos de estudo.

Segundo empresas de recrutamento, a recolocação tende a ser mais difícil para quem tem até o ensino fundamental, menos de 20 e mais de 45 anos e está há mais de um ano fora do mercado. Entre os 13,4 milhões de desempregados no primeiro trimestre deste ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), 635 mil são considerados de difícil recolocação pelos recrutadores, nas contas do economista Cosmo Donato, da LCA. É o dobro do registrado no mesmo período de 2014, antes da recessão.

Economia

O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes, afirma que o abismo entre a qualidade da mão de obra desempregada e o que as empresas procuram não deve se resolver nem mesmo com a retomada da economia. Ele estima que dois, em cada dez desocupados, devem ficar fora do mercado na próxima década por falta de qualificação. Isso significa que a massa de trabalhadores sem chances de se recolocar pode saltar dos atuais 635 mil para 1,4 milhão, em dez anos.

“Não vai ter (crescimento do) PIB suficiente para incorporar essa massa de desempregados com baixa qualificação”, ressalta.

Para Hélio Zylberstajn, professor sênior da FEA/USP e coordenador do projeto Salariômetro da Fipe, os trabalhadores sem preparo podem ter destino diferente, dependendo de qual área leve adiante a retomada da economia. “Essa proporção de dois em cada dez poderá ser menor se o modelo for puxado pelo investimento em infraestrutura, que incorpora trabalhadores na construção civil de baixa qualificação”, diz.

Treinamento

A conhecida baixa produtividade do trabalhador brasileiro só vai ser resolvida, segundo Bentes, da CNC, com treinamento, o que depende de investimentos. No setor público, diante da pressão por cortes e contingenciamento de gastos, será difícil que o orçamento cresça nos próximos anos na velocidade necessária para suprir essa necessidade de qualificação dos trabalhadores. Por iniciativa própria, só uma parcela muito pequena deles consegue bancar os estudos. “A maioria vende o almoço para comprar o jantar.”

Segundo o economista, a iniciativa privada é a ponte principal para melhorar a produtividade. Ele adverte, no entanto, que existe um risco de o trabalhador desqualificado ser substituído por uma máquina. “Quando a economia voltar a crescer e o investimento retornar, o empresário vai se perguntar se faz sentido contratar, por exemplo, um caixa de supermercado com baixa produtividade ou se é mais barato comprar uma caixa registradora automática que faça esse serviço a um custo menor e sem encargos trabalhistas”, frisou.

Exigências

Outro ponto observado é que a exigência é grande para a remuneração. “O operador de caixa tem de ter 2.º grau e conhecimentos básicos de informática. A exigência é grande para uma remuneração na faixa de R$ 1,1 mil”, diz o presidente do Sindicato dos Comerciários e da União Geral dos Trabalhadores, Ricardo Patah.

De fato, com a grande oferta de mão de obra e a evolução tecnológica, as exigências das empresas na hora de contratar têm aumentado. Nos últimos 12 meses até março, 12% dos contratados para a função de vendedor de loja estavam cursando faculdade ou tinha já concluído o curso superior e 76% tinham ensino médio completo, aponta levantamento feito com base nas informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados pelo professor sênior da FEA-USP Hélio Zylberstajn. O quadro se repete para balconista de farmácia, outra ocupação que, teoricamente, não exigiria tanta qualificação, já que o salário médio é de R$ 1,3 mil.

Nesse caso, 83,2% dos admitidos nos últimos 12 meses até março têm ensino médio completo e quase 10% estão cursando ou concluíram a universidade.

Deslocamento

“Quem tem pouca escolaridade neste momento está tendo muita dificuldade de encontrar emprego porque parte das vagas que poderia ocupar está sendo preenchida por pessoas que têm formação maior do que a necessária”, afirma Zylberstajn. Ele diz que esse movimento de deslocamento da mão de obra ocorre em períodos de recessão prolongada.

Para Lucila Sciotti, superintendente de operações do Serviço Nacional do Comércio (Senac) São Paulo, é preciso haver esforço maior, por parte do poder público, de aproximar a capacitação que é oferecida aos estudantes das necessidades das empresas. “Muitas vezes, a formação dos profissionais é deficitária. Alguns alunos chegam até nós sem saber fazer contas simples ou têm dificuldade em interpretar textos”, diz. “É preciso direcionar as políticas públicas para resolver esses gargalos.”

Diante da falta de qualificação barrando as contrações, Patah diz que no último Mutirão do Emprego promovido pelo sindicato foram ofertados também cursos gratuitos de qualificação em parceria com Senai, Senac e Centro Paula Souza. Ao todo foram cerca de 1, 3 mil vagas. Das mil vagas oferecidas pelo Centro Paula Souza, 450 pessoas se matricularam nos cursos de estoquista, assistente administrativo, confeiteiro, cuidador de idosos, maquiagem, recepção e atendimento e vitrinista. “Pela primeira vez fizemos mutirão com capacitação: mais do que aumento salarial, o importante hoje é qualificar o trabalhador”, afirma.

No próximo evento programado para julho, Patah diz que devem ser oferecidas, no mínimo, 10 mil vagas. A intenção é atender também aos trabalhadores em situação vulnerável, com vagas para ocupações que exigem menos qualificação, como na área de limpeza, por exemplo.

* Com informações do Estadão Conteúdo

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