Entenda como se forma a nuvem de gafanhotos e a destruição que pode causar

Insetos são capazes de eliminar plantações inteiras, consumindo o mesmo que 2.000 vacas; bando está a 98 km do município gaúcho de Barra do Quaraí

  • Por Carolina Fortes
  • 24/07/2020 07h00 - Atualizado em 24/07/2020 16h48
Senasa Nuvem percorre até 150 km por dia e é formada por até 40 milhões de gafanhotos por km²

A nuvem de gafanhotos que está na região de Corrientes, na Argentina, se aproximou cerca de 10 quilômetros da fronteira com o Brasil nos últimos dias. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), os insetos estavam, nesta quinta-feira, 23, há 98 quilômetros do município gaúcho de Barra do Quaraí. Até o momento, são três nuvens localizadas na América do Sul, sendo duas na Argentina e uma no Paraguai. A mais próxima do Brasil é a primeira, localizada em maio deste ano. Os estragos causados pelos gafanhotos podem ser enormes, principalmente para os pequenos agricultores gaúchos, segundo especialistas consultados pela Jovem Pan. Apesar de ser difícil prever se a nuvem vai continuar se movimentando em direção ao país, já que isso depende de fatores climáticos, órgãos responsáveis estão monitorando diariamente a situação, e preparando uma operação de guerra para lidar com os insetos.

Caso a nuvem chegue ao Rio Grande do Sul, o Ministério da Agricultura vai liberar R$ 600 mil, que poderá ser utilizado na aquisição de produtos para tratamento fitossanitário e contratação de serviços de aplicação de inseticidas. Segundo o chefe da Divisão de Defesa Sanitária Vegetal da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), Ricardo Felicetti, “não há evidências que a nuvem ingressará em solo gaúcho nos próximos dias”. No entanto, há manutenção do estado de alerta devido à proximidade com o Brasil. Para o pesquisador e entomologista da Embrapa, Dori Edson Nava, se as temperaturas permanecerem baixas, dificilmente os gafanhotos irão se locomover, já que a nuvem é favorecida pelo vento, velocidade e, principalmente, temperatura. “Com a temperatura próxima de 30ºC, eles alçam voo e formam a nuvem”, explica.

Confira a seguir as principais dúvidas sobre a nuvem de gafanhotos

1) Há possibilidade que alguma das nuvens de gafanhotos chegue ao Brasil?

Atualmente, há três nuvens de gafanhotos na América do Sul. A primeira foi localizada em maio, no Paraguai, se locomovendo para a Argentina, e chamou a atenção de produtores brasileiros a partir da segunda quinzena de junho, quando passou a existir um risco real da entrada dos insetos no Brasil. Já a segunda foi localizada no Paraguai no dia 16 de julho, e se encontra hoje na região do Chaco, muito próxima da divisa com o território argentino. Já a terceira foi localizada pelo governo da Argentina nesta terça-feira, 21, e ainda há pouca informação sobre esta onda de insetos. A primeira é a mais próxima do Brasil, há 98 quilômetros do município gaúcho de Barra do Quaraí. Não é possível saber ao certo se alguma delas vai realmente entrar no país, já que isso depende de fatores climáticos, como vento e temperaturas altas.

2) O que vai acontecer se a nuvem entrar no Brasil? Quais estragos pode causar?

De acordo com o pesquisador e entomologista da Embrapa, Dori Edson Nava, se a onda de insetos entrar no Brasil, os danos podem ser ainda piores nos próximos meses. Isso porque a nuvem formada agora é de animais adultos, que ainda não acasalaram, o que deve acontecer na primavera. Com isso, a população pode crescer ainda mais. Atualmente, a nuvem tem aproximadamente 1 km² de extensão, o que significaria cerca de 40 milhões de insetos, que são capazes de consumir uma quantidade de pasto equivalente ao que podem fazer 2.000 vacas, ou 350 mil pessoas. Além disso, segundo Nava, o gafanhoto jovem traz um dano maior às lavouras do que o adulto. “Poucos vegetais suportam um ataque desses insetos. Eles praticamente eliminam as plantações“, afirma o entomologista. Já a bióloga e professora do curso de Ciências Biológicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Marta Fischer, explica que os gafanhotos são animais herbívoros e comem uma grande quantidade de alimentos. Além disso, não têm muitos competidores nas plantações. “A agricultura favorece estes animais, porque muitas vezes é a mesma espécie de planta. Talvez em uma floresta não conseguiriam causar um estrago tão grande, porque teriam várias espécies de plantas”, afirma.

3) Quais são os motivos para o reaparecimento dessas nuvens de gafanhotos na América do Sul?

Os especialistas afirmam que é uma combinação de fatores. Segunda Nava, uma das hipóteses é que essas nuvens ocorrem quando o inseto deixa de ter duas gerações no ano e passa a ter três, o que causa um crescimento populacional. Em 2015, 2016 e 2018, isso ocorreu pelo aumento da temperatura, e novamente agora em 2020. Atualmente, deveria estar muito frio na região Sul, mas está quente, um clima favorável para os insetos. Entretanto, de acordo com ele, a Argentina quase todos os anos enfrenta esse problema, mas as nuvens estavam mais próximas da Cordilheira dos Andes e do Pacífico. Este ano, foi ao contrário: entrou mais para o leste, e por isso há o risco de chegar ao Brasil. De acordo com o Ministério da Agricultura brasileiro, os insetos estão presente no país desde o século XIX, e causaram grandes perdas às lavouras de arroz na região Sul nas décadas de 1930 e 1940. Desde então, tem permanecido na sua fase “isolada” que não traz problemas às lavouras, pois não forma as chamadas nuvens.

4) Como se forma uma nuvem de gafanhotos?

A que está ocorrendo agora é formada por gafanhotos do gênero Schistocerca cancellata, mesma espécie da história da praga bíblica. Eles são considerados animais migratórios, que formam bandos, e acabam se organizando nessas nuvens para ir atrás de alimento e facilitar a reprodução. Essas formações surgem quando ocorre um aumento exagerado na quantidade de gafanhotos em uma região. Nesse caso, como não há alimento suficiente para sustentar todos, o grupo se desloca em busca de comida. Esses surtos de explosão populacional estão relacionados a alterações climáticas. Mudanças na temperatura, na umidade do ambiente ou no índice de chuvas podem fazer com que mais gafanhotos nasçam a partir dos ovos postos pelas fêmeas. A bióloga Marta Fischer afirma que os gafanhotos tem um movimento migratório específico: quando chegam em uma plantação comem até um determinado nível e migram para outra. Quando chegam no último lugar, a plantação no primeiro já cresceu. “Essa é a ideia dos animais migratórios, fazer esse ciclo.”

5) Como combater ou dissipar uma nuvem de gafanhotos?

Uma das principais formas de combate é através da aplicação de inseticidas. O Ministério da Agricultura estabeleceu uma portaria de emergência fitossanitária para lidar com a nuvem de gafanhotos, que autoriza os estados a formar um programa de exclusão dos insetos. O plano de combate pode contar, caso necessário, com uma frota de até 400 aviões para a aplicação de agrotóxicos: cerca de 70 aeronaves já estão posicionadas em locais estratégicos, prontas para o uso. A melhor maneira de contê-los é com a aplicação aérea quando a nuvem está pousada, durante a noite. Se não forem tomadas medidas, a população também tende a diminuir naturalmente, de acordo com o pesquisador da Embrapa. O tempo de vida de um gafanhoto é de cerca de três a quatro meses.

6) Do que os gafanhotos se alimentam e qual a importância deles para o equilíbrio ecológico?

Eles são herbívoros e se alimentam de qualquer tipo de vegetal que encontrarem pelo caminho. Na cadeia alimentar, a especie é responsável por transformar a matéria em energia, além de servir de alimento para vários outros animais. Quando consomem as plantas, tiram a energia delas, e devolvem ao solo em forma de adubo.

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