Entenda por que Serrana, cidade-teste da CoronaVac, vive alta de casos da Covid-19

Enquanto país acompanha a queda nos índices, o município que participou de projeto do Butantan vive novos avanços da doença; perda imunológica dos imunizantes em geral está entre as explicações

  • Por Caroline Hardt
  • 28/11/2021 08h00
Ulan/Pool / Latin America News Agency via Reuters Connect Homem de máscara recebendo vacina no braço Serrana participou do Projeto S, para testagem da eficácia da vacina CoronaVac, imunizando mais de 95% da população adulta

Embora os índices nacionais da Covid-19 mostrem resultados positivos para o Brasil, com queda de casos, internações e mortes pela doença, avanços pontuais em cidades do interior preocupam e acendem um alerta para um efeito rebote da pandemia. Um exemplo deste aumento repentino é o município de Serrana, localizado no interior do Estado de São Paulo, que viu o número de casos da Covid-19 triplicar na comparação entre setembro e outubro, passando de 179 infecções confirmadas para 563 registros no mês seguinte. Agora, em novembro, até o dia 21, foram 505 diagnósticos positivos para a doença, mantendo a tendência de aumento. Embora esse cenário não seja exclusivo de Serrana, o território paulista carrega um diferencial em comparação com outras cidades do país: ter participado do Projeto S, do Instituto Butantan, para a testagem da eficácia da vacina CoronaVac. Com isso, a população adulta foi imunizada de forma massiva no início do ano, característica que pode explicar a “nova onda” de infecções pelo coronavírus no município.

“É uma queda da resposta imunogênica à vacina e, às vezes, reflexo de uma perda dos cuidados, que também pode levar à proliferação. Quando você ainda tem transmissão comunitária do vírus sustentada e você tem a perda da potência da vacina, volta a ter novamente os casos, estamos vendo na Europa. Então é causado por uma queda na resposta vacinal da população perto dos cinco meses ou mais após a imunização”, explica Raquel Muarek, infectologista da Rede D’or e da Medicina Interna Personalizada (MIP). Ela afirma que a diminuição não é exclusiva da vacina produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a Sinovac, sendo observada em todos os imunizantes em aplicação no Brasil e no mundo, o que justifica a importância da terceira dose das vacinas. “Sabemos que é necessário ter a terceira dose. Essa indicação de revacinação não é específica de uma vacina, é como um todo. Houve uma perda imunológica vacinal, não só da CoronaVac.”

Com o aumento dos casos da Covid-19 em Serrana, a prefeitura e a secretaria de saúde do município intensificaram as campanhas do reforço vacinal, já disponível para os moradores que foram imunizados há mais de cinco meses. Também nesta semana, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, falou sobre o aumento dos casos e condicionou as altas à queda da proteção no sistema imune. “Houve um pequeno aumento no número de infecções, isso refletindo uma diminuição no nível de anticorpos. Apesar disso, o mais importante é que a imunidade para internações e óbitos se manteve, esse é o dado importante”, afirmou durante coletiva de imprensa. Em texto divulgado de forma online pelo Butantan, o investigador principal do Projeto S, Marcos Borges, diz que os números em Serrana mostram “que vacina funciona”. “O aumento de casos não tem a ver com o imunizante em si. Israel utilizou a vacina da Pfizer, Reino Unido utilizou a da AstraZeneca principalmente, e a gente utilizou CoronaVac. Tem a ver com a doença e com o tempo de imunidade”, disse o médico.

Raquel Muarek esclarece que a queda da imunidade realmente trará, em um primeiro momento, o aumento dos casos leves da Covid-19, sem registros de altas nas mortes e internações. No entanto, ela pontua que sem um controle imediato da situação e maior transmissão do coronavírus, parte dos infectados pode desenvolver formas graves da doença, levando também ao aumento das hospitalizações e das mortes. “A gente sabe que quando tem muita população doente, uma parte mais fragilizada vai ter uma resposta mais grave. Então, normalmente, com a vacina você diminui a mortalidade, mas em um cenário de grande transmissão esse número aumenta.”

Como mudar o cenário?

Essa situação de aumento dos contágios também é vista fora do Brasil. Assim como Raquel Muarek, o imunologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunização (SBim) cita como exemplo os países da Europa, como a Alemanha, que há semanas bate recordes de infecções – e mortes – pela doença. “A proteção da vacina não é longeva, tem uma perda que possibilita novas ondas da doença. Essa perda de proteção é maior quanto maior a idade. É um fenômeno que estamos vendo na Europa também. Serrana foi vacinada muito antes do que o restante do país. Agora, o Brasil vive esse momento de ‘lua de mel’ da Covid-19 porque temos uma vacinação recente, mas corremos o risco do país todo viver uma nova onda, que já acontece na Europa”.

Para mudar esse cenário e evitar uma nova onda da pandemia, o imunologista explica que três ações são fundamentais. “Incluir no programa de vacinação a maior parte da população. Por enquanto, estamos vacinando acima de 12 anos, mas quando liberarem de 5 a 11 anos, as crianças também serão parte. A segunda coisa é que as coberturas das vacinas [índices de imunizados] devem ser altas e o terceiro é a vacinação de reforço”, concluiu. Os infectologistas lembram ainda que enquanto há transmissão do coronavírus, a recomendação é manter parte dos protocolos sanitários e evitar aglomerações até que toda a população esteja com esquema vacinal completo.  A reportagem tentou contato com a secretaria de Saúde de Serrana, mas não recebeu retorno até a publicação do texto.

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