Expansão do PCC, cadeias lotadas no Paraguai e triângulo amoroso: O que está por trás da chacina na fronteira

Polícia suspeita que execuções foram motivadas por ciúme de traficante, mas não descarta participação de facção; segundo especialistas, rota de drogas e crise do sistema prisional criam ‘ambiente fértil para o crime organizado’

  • Por Victoria Bechara
  • 23/10/2021 08h00 - Atualizado em 23/10/2021 13h17
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Doralice Alcântara/Prefeitura de Ponta Porã/Divulgação Fronteira entre Brasil e Paraguai, com duas ruas dividas por um canteiro central, com a bandeira de cada país em sua respectiva via Violência tem sido a tônica na fronteira entre Ponta Porã, no Brasil, e Juan Pedro Caballero, no Paraguai,

Na pequena cidade de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, basta atravessar a rua para chegar a Pedro Juan Caballero, no Paraguai. A região da fronteira entre os dois municípios é uma das principais passagens do tráfico de drogas, principalmente maconha e cocaína. Foi lá, no lado paraguaio, onde ocorreu uma chacina que terminou com a morte de quatro pessoas no último dia 9, entre elas duas estudantes brasileiras e a filha de Ronald Acevedo, governador do departamento de Amambay, no Paraguai. A quarta vítima foi Osmar Vicente Álvarez Grande, conhecido como Bebeto. A polícia paraguaia trabalha com algumas linhas de investigação. Uma delas é a de que se trata de um crime passional. Bebeto seria ex-namorado de Mirna Keldryn Romero Lesme, que vinha se relacionando com o traficante Faustino Román Aguayo Cabañas, apontado como possível mandante. Ele está preso na penitenciária regional de Pedro Juan e foi flagrado em uma espécie de cela VIP durante uma operação policial na última semana, ao lado de Mirna. O espaço tinha televisão, cama box, celulares, uma mesa de bilhar, entre outros confortos. No entanto, não está descartado que a chacina no país vizinho tenha relação com o PCC e um acerto de contas do tráfico.

Algumas horas antes da chacina, o vereador de Ponta Porã Farid Afif (DEM) foi morto a tiros em frente a uma loja de veículos. À Jovem Pan, o delegado Lupérsio Degerone, chefe do departamento de Polícia do Interior do Mato Grosso do Sul, afirmou que a morte do político não tem relação com a das quatro pessoas em Pedro Juan Caballero. Também foi descartada pelas autoridades sul-mato-grossenses a possibilidade de que o caso de Afif esteja ligado ao crime organizado. “Na realidade, houve uma coincidência de ocorrer a morte dele e, na manhã seguinte, essas mortes no Paraguai — que não tem nada a ver com o Brasil. Houve uma coincidência em um curto espaço de tempo, que gerou essa repercussão”, assegura Degerone. No mínimo, porém, a execução do vereador expõe uma região tomada pelo medo e dominada pela criminalidade.

Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) e um dos autores do livro “A Guerra: A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil”, explica que a facção expandiu sua ação na região a partir de 2016, após o assassinato de Jorge Raafat, conhecido como “Rei da Fronteira”. Ele atuava como uma espécie de negociador entre os grupos criminosos que trabalham no local. “Houve uma desestabilização com a morte do Rafaat. É um cenário propenso a conflitos de grupos que trabalham com esse mercado lucrativo e armado, que muitas vezes acaba produzindo esses tipos de crimes vinculados ao comércio de drogas”, explica Manso. “O problema existe, claro, mas não aparenta ser algo tão diferente ou mais problemático do que já foi em outros momentos. Houve um caso chocante, que repercutiu, mas é um problema típico dessa região, um corredor de passagem do mercado atacadista de drogas, que gera muito lucro. Por isso, tem muita disputa”, ressalta. 

Para Priscila Villela, professora de Relações Internacionais na PUC-SP e pesquisadora do Núcleo de Estudos Transnacionais de Segurança (NETS) da universidade, a presença do PCC na fronteira aumentou a partir da morte de Rafaat, mas também da entrada da facção no mercado atacadista de drogas, em 2015, sob a liderança de Marcola. “Em função desse engajamento no atacado da droga, o PCC acabou se expandindo para as regiões fronteiriças. Existem indícios de que o grupo esteja atuando em presídios na Bolívia, com relações comerciais no Peru e também na Colômbia. Então, para além do Paraguai, existe um esforço de expansão para outras regiões da América do Sul”, afirma Villela. “Foi certamente nesse esforço de expansão do PCC para o atacado e para as regiões da fronteira que surgiu esse conflito de interesses que levou ao assassinato do Rafaat, gerando o crescimento da facção na região”, completa. 

Para os especialistas, os assassinatos na fronteira revelam muito sobre a dinâmica do tráfico na região. “Essa área de fronteira e essa região de venda atacadista de drogas é muito fluida, tem vários fornecedores que vendem há muitos anos. Um grupo só não consegue exercer o controle sobre esse comércio. O PCC é um ator importante nesse mercado, mas isso não impede que outros também façam seu negócio, inclusive essa parece ter sido uma das causas da morte do Rafaat. Ele tentou controlar mais do que dava esse mercado, que, de alguma forma, é muito horizontal”, diz Bruno Paes Manso

Expansão do PCC revela crise em prisões de outros países

O PCC nasceu na década de 90, na Casa de Custódia de Taubaté, interior de São Paulo, a partir da revolta dos detentos com a situação do sistema prisional. Inicialmente, o “partido do crime” tinha como objetivo combater a opressão nos presídios e reivindicar melhorias. Para Priscila Villela, a expansão da facção para países como Bolívia e Paraguai revela que a crise no sistema prisional não ocorre só no Brasil. “Quanto mais a gente tem um cenário comum com esses países, de prisões superlotadas, dificulta muito o controle dos agentes, gera muita violência e um ambiente muito fértil para organizações como essas prosperarem”, explica. 

Villela analisa ainda que a onda de violência na região da fronteira pode demonstrar uma possível instabilidade nas relações do PCC. “Foi um episódio que chamou muita atenção da imprensa, acabou fazendo com que as autoridades tenham que demonstrar força. Isso causa muito prejuízo para o tráfico de drogas. Essa atenção que está sendo direcionada é muito ruim para os negócios, então isso pode demonstrar alguma perda de controle, alguma instabilidade nas relações do PCC. Não acho que que seja de interesse da organização chamar esse tipo de atenção”, pontua. As soluções para controlar a expansão das facções criminosas na região, no entanto, são limitadas. “O crime se adapta com muita rapidez. Se o controle sobre a fronteira daquela região começar a dificultar esses fluxos, é certo que essas organizações vão se readequar geograficamente. A segunda solução, que é prender mais gente, de alguma maneira também alimenta as prisões, que são um terreno fértil para o crescimento do PCC”, conclui. 

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