Gripe e Covid-19 sobrecarregam telemedicina, e pacientes aguardam até 24 h por consultas de emergência
Segundo associação que representa o setor, número de consultas a distância dobra a cada 36 horas no Brasil; usuários relatam filas de mais de 5 mil pessoas e problemas para agendamentos
Nas últimas semanas, diversos Estados e cidades brasileiras vivem uma explosão dos casos de gripe e de Covid-19. Os avanços da cepa H3N2 da influenza e da variante Ômicron do coronavírus, assim como as aglomerações das festas de fim de ano, refletem agora em longas filas de espera nos hospitais, principalmente nos prontos-socorros. Na capital paulista, por exemplo, as Unidades Básicas de Saúde já registraram mais de 189 mil atendimentos de pessoas com sintomas respiratórios neste mês. Esse crescimento, no entanto, não se limita aos sistemas de saúde presenciais. Serviços de operadoras de saúde que oferecem consultas via telemedicina também registram alta expressiva na procura por consultas. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital, que representa o setor, do Réveillon até esse início de janeiro foram 50 mil atendimentos realizados a distância. E o número de consultas a distância dobra a cada 36 horas do Brasil. Com esse cenário, a situação beira o caos. Pacientes relatam sobrecarga nos sistemas, com filas de espera de seis, dez e até 18 horas, situação que desagrada – e frustra – os usuários.
Morador de Contagem, em Minas Gerais, o administrador Rodrigo Silva procurou agendar uma consulta online pelo Bradesco Saúde após sentir os primeiros sintomas respiratórios. Ao acessar o aplicativo da seguradora, ele teve a primeira surpresa: só existiam vagas para quatro dias depois. Com isso, Rodrigo resolveu enfrentar a fila online, com 807 pessoas na sua frente. “Isso era umas 18 horas da quarta-feira. Consegui ser atendido às 12 horas do dia seguinte. Achei que seria mais rápido, visto as filas enormes dos atendimentos presenciais. Escolhi [a telemedicina] pela comodidade de não ter que sair de casa, evitando contato com outras pessoas”, relata o administrador, que testou positivo para a Covid-19. A situação não é exceção. Em São Paulo, Anny Oliveira, também conveniada da Bradesco, relata dificuldades para conseguir ser atendida. Após aguardar seis horas para uma consulta presencial e ficar insatisfeita, ela decidiu entrar na fila da telemedicina no aplicativo Saúde Digital, onde aguardou por mais de cinco horas, mas teve a consulta interrompida. “Fiquei esperando e na hora do meu atendimento, umas três da manhã, a conexão do médico caiu, fiquei esperando mais de 20 minutos ele voltar, mas não voltou.”
A demora para os atendimentos online também é uma reclamação de usuários de outros planos de saúde. Em Belo Horizonte, o analista de marketing Rafael Orsini tentou uma consulta de emergência pela telemedicina da Amil, mas a fila desanimou. Segundo ele, 5,7 mil pessoas aguardavam atendimento, com previsão de mais de 10 horas de espera. Com a demora, ele optou por marcar um horário com um clínico geral, mas a consulta não aconteceu. “Consegui para o mesmo dia às 18 horas. Passou 10 minutos, 20 minutos, 40 minutos e não fui atendido. Mesmo com horário marcado não consegui o atendimento, não sei o que aconteceu. A partir desse tempo de espera, a Amil me deslogou o aplicativo”, relata o analista, que se diz frustrado. “Caso eu tenha algum problema referente a síndromes respiratórias, provavelmente ainda tentarei a telemedicina para diminuir a exposição, mas infelizmente será só em último caso”, completa. Em Governador Valadares, a demora também se repete. A historiadora Beatriz Miranda conta que precisou aguardar quase nove horas para conseguir uma teleconsulta pela Unimed. “Optei pela telemedicina pela comodidade de não ter que ir ao hospital e porque acho mais seguro, não sabia o que tinha. No fim das contas, era mais fácil eu ter ido em um posto de saúde e tentado pelo SUS, teria sido muito mais rápido”, afirmou a jovem, que testou positivo para a Covid-19.
As reclamações pela demora e até incapacidade de conseguir agendar uma consulta via telemedicina não se limitam a esses pacientes. Nas redes sociais, centenas de usuários também relatam experiências similares. No Twitter, uma conveniada da Amil expôs a longa fila para atendimento na quinta-feira, 13. “Sua posição na fila é 3943”, escreveu, completando a mensagem no dia seguinte. “13 horas depois, sou a posição 794. Telemedicina da Amil está quase uma fila do SUS”, acrescentou. Outra internauta relatou problemas com a SulAmérica. “Esse convênio é uma palhaçada. São 24 horas esperando uma mera consulta e respondendo para todos a mesma mensagem fria e automática. Vocês não têm o mínimo respeito pelos clientes. Parem de dizer que oferecem telemedicina, o serviço não funciona”, escreveu. A reportagem teve acesso ao aplicativo da SulAmérica. Ao tentar requisitar um atendimento, a plataforma informou que devido à alta procura, o tempo de espera dos serviços estava “maior que o usual”. A operadora de saúde também recomendou em mensagens que pacientes com falta de ar e cansaço extremo, assim como pertencentes aos grupos de risco, procurem um hospital imediatamente.
Sobrecarga dos profissionais
Além do aumento de casos da Covid-19 e da gripe e, consequentemente, da maior procura por atendimentos médicos, outro motivo que leva às longas filas de espera é o afastamento de profissionais em decorrência das infecções. Apenas no Estado de São Paulo, por exemplo, a estimativa é que quase dois mil trabalhadores da saúde estejam fora de seus postos de trabalho por síndromes respiratórias. Essa situação se estende na telemedicina e também afeta o quadro de profissionais, explica Lorena de Castro Diniz, coordenadora do Departamento Científico da Imunização da ASBAI, Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. “A maioria dos colegas que atendem na telemedicina também atendem no presencial e estamos com adoecimento dos colegas. Na telemedicina, alguns que estão assintomáticos continuam atuando, o que ainda ajuda”, pontua a médica, que indica a procura pelo atendimento presencial apenas em casos graves. “Estamos vendo o transbordamento de pessoas buscando atendimento. A telemedicina traz comodidade de não ir ao pronto socorro. Ficar esperando por duas, três ou quatro horas é muito ruim. Às vezes ele vai esperar esse tempo, mas pelo menos espera no conforto da sua casa.”
Em resposta encaminhada à Jovem Pan, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) esclareceu que o aumento na espera é “resultado da explosão de casos de Covid-19 nas últimas semanas, com alta taxa de transmissibilidade característica das novas variantes”. A nota informa que os planos de saúde têm adotado melhorias nas plataformas e reforços nas equipes. “Cenários pandêmicos naturalmente apresentam novas vertentes a todo momento, demandando adaptação em tempo recorde a eventos não previstos. Ainda assim, o sistema de saúde suplementar tem respondido, de forma consistente e contínua, a cada novo desafio”, completa o comunicado. A estimativa da entidade é que as operadoras associadas tenham realizado mais de 6,5 milhões de atendimentos remotos entre março de 2020 e novembro de 2021. Após ser questionada, a Bradesco Saúde reforçou a influência do aumento das infecções respiratórias na maior procura por atendimento. “A companhia reitera que segue trabalhando, junto aos seus parceiros de negócios, para atender a todos os seus beneficiários da forma mais eficiente.”
Também em nota, a Amil disse ter identificado o crescimento de 260% nas consultas por telessaúde no mês de dezembro. “Mesmo com o tempo de espera acima do normal, o atendimento virtual continua sendo o mais indicado, pois evita que o paciente se exponha a riscos adicionais inerentes ao ambiente hospitalar”, diz a mensagem. Por sua vez, a SulAmérica identificou nos últimos sete dias uma elevação de 600%, com expectativa de crescimento maior para os próximos dias. “A companhia já dobrou sua capacidade de atendimento e segue ampliando a contratação de profissionais médicos para a linha de frente”, disse na mensagem. À Jovem Pan, a Unimed citou sobrecarga nos sistemas de saúde pelas infecções respiratórias, mas disse que o sistema está “estruturado para atender aos seus mais de 18 milhões de
clientes e vem reforçando equipes e estruturas assistenciais, incluindo os serviços de
teleatendimento”. A operadora de saúde também reforçou as recomendações de monitoramento dos sintomas, a importância da vacinação e a prioridade para as consultas à distância.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.