Impeachment e agenda econômica: o que está em jogo nas eleições do Congresso

Futuros comandantes da Câmara dos Deputados e Senado terão poder para autorizar abertura do processo de afastamento de Bolsonaro e pautar medidas defendidas pelo governo

  • Por Gabriel Bosa
  • 01/02/2021 13h50 - Atualizado em 01/02/2021 17h09
Agência Brasil Vista noturna do Congresso Deputados e senadores votam presencialmente nesta segunda-feira, 1º

Mais do que o comando das pautas da Câmara e do Senado, as eleições para as mesas diretoras nesta segunda-feira, 1º, terão influência na governabilidade que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) terá pelos próximos dois anos. O sistema democrático brasileiro preconiza o poder exclusivo ao presidente da Câmara dos Deputados a autorização ou veto aos pedidos de impeachment do inquilino do Palácio da Alvorada. Até o momento, o então presidente Rodrigo Maia (DEM) rejeitou todos os pedidos para afastamento do presidente. A postura mudou neste domingo, 31, e ganhou força em Brasília a eventual abertura de processo no apagar das luzes do seu mandato como retaliação ao envolvimento do Executivo na definição na Câmara. A definição dos presidentes também impactará em medidas vistas como fundamentais pelos governistas para a recuperação do Brasil após a crise do novo coronavírus. Estão nas mãos do Congresso, por exemplo, os debates sobre a agenda de reformas e a definição do Orçamento para 2021. “Os presidentes do Congresso têm o condão para legislar e fiscalizar o poder Executivo, e essas duas funções passam diretamente pelos presidentes. Isso implica discussões desde a política pública em questão da pandemia, até abertura de comissões parlamentares de investigação e, no limite, um processo de impeachment”, afirma Leandro Consentino, professor do Insper.

Apesar de as duas casas terem sua importância na República, a disputa pela mesa diretora da Câmara dos Deputados tem ganhado muito mais destaque que as discussões no Senado Federal. A votação será presencial e secreta, com início previsto para 19h. Será eleito em primeiro turno o parlamentar que conseguir a maioria absoluta dos votos, ou seja, 257 dos 513 deputados. Caso isso não ocorra, os dois mais votados disputam o segundo turno para a presidência. Vence a disputa quem obtiver a maioria simples dos votos. São oito candidatos brigando pela cadeira de Maia, sendo o representante do centrão e aposta de Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), e Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado por Maia, mas que teve a candidatura esvaziada após o próprio DEM afirmar posição neutra na disputada, os principais candidatos. Por fora, correm Alexandre Frota (PSDB-SP), André Janones (Avante-MG), Fábio Ramalho (MDB-MG), General Peternelli (PSL-SP), Luiza Erundina (PSOL-SP) e Marcel Van Hatten (Novo-RS). A vitória de Lira é vista como fundamental por articuladores políticos para evitar a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro. Pela legislação, a Câmara deve dar o início ao rito, que somente após aprovado pelos deputados é encaminhado para apreciação dos senadores. Para Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o alívio pode durar pouco ante outros fatores que podem pressionar os congressistas. “Temos que ver o que vai acontecer ao longo do ano, como vamos sair da questão da pandemia, ausência de vacinação e o péssimo trabalho que tem sido feito até então. Tudo depende de variáveis que vão além da força do Congresso”, afirma.

Consentino, do Insper, também se mostra contrário à narrativa de “garantia” do presidente da República com a vitória de Lira. A falta de afinidade ideológica pode ser o grande ponto que explica como essa aproximação entre Bolsonaro e os congressistas do centro é baseada em terreno frágil e comparável a um casamento arranjado. “Não dá para esperar que o governo tenha controle do Legislativo. O Congresso é muito mais complexo do que isso. Lira é alguém do centrão, que tem os interesses próprios, e que nesse momento esses interesses confluem com os do governo. Não tem ideologia, tem o interesse do presidente fazer seguir a sua agenda e, principalmente, criar uma blindagem contra eventuais processos de impeachment”, diz.

Já no Senado a disputa está concentrada em Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Simone Tebet (MDB-MS), mas também conta com os nomes de Jorge Kajuru (Cidadania-GO), Lasier Martins (Podemos-RS) e Major Olimpio (PSL-SP). Pacheco é apoiado pelo atual presidente, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e também é o favorito de Bolsonaro. A disputa na casa está agendada para iniciar às 14h. Para ser eleito, o candidato precisará ter no mínimo a maioria absoluta dos votos, ou seja, pelo menos 41 dos 81 senadores. O voto também é secreto e presencial. A definição do comando do Congresso é constantemente apontado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para o avanço da agenda de reformas e outras pautas para a recuperação do país no pós-pandemia. Maluf, da FESPSP, vê prazo apertado para a conclusão de todas as matérias até as próximas eleições. “Estamos entrando no único ano viável para que as coisas mais profundas possam acontecer. Em 2022 serão disputadas eleições gerais e fica muito mais difícil de debater e aprovar pautas polêmicas”, afirma. Como as duas disputas são de forma secreta, analistas apontam a grande chance de traições e resultados inesperados, principalmente na disputa pela mesa diretora da Câmara. “Não se espera que quem que seja eleito queira desestabilizar o governo apenas por desestabilizar, mas não se pode imaginar alguém que nãi tenha total convicção com a Constituição, zelo pela democracia e independência entre os poderes”, afirma Maluf. Consentino também aponta o papel institucional do cargo e a sua importância para a manutenção dos valores democráticos. “A sociedade está mais atenta à agenda do Congresso. A presidência antes parecia algo mais distante da população, mas nesse momento de pandemia, vacinação e pressões político há maior atenção no que está sendo feito”, diz.

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