Marcelo Odebrecht fala em acerto do pai com Lula por financiamento em Angola

Em quase uma hora e meia de depoimento, o empresário detalhou a relação do ex-presidente com seu pai, Emílio, e afirmou que outros delatores entraram em contradição ao falar dos pagamentos

  • Por Jovem Pan
  • 07/10/2019 20h53 - Atualizado em 07/10/2019 20h58
Reprodução Presidente Lula arrumando a gravata e com uma feição brava Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

O empresário Marcelo Odebrecht confirmou nesta segunda-feira (7) o acerto de propinas ao PT em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, relacionados ao financiamento pelo BNDES de exportação de serviços do grupo em Angola, na África. Ouvido nesta segunda, como delator pelo juiz federal Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, ele disse que manteve o teor de suas delações e apontou contradições nos depoimentos do pai, Emílio Odebrecht.

O caso dos negócios da Odebrecht em Angola tem Lula como réu em dois processos penais abertos na Justiça Federal, em Brasília, resultado na Operação Janus – deflagrada em 2016 em desdobramento às descobertas da Lava Jato.

O principal, que trata do suposto acerto de US$ 40 milhões de propinas ao PT pela liberação dos recursos pelo BNDES, tem como alvos Lula e Paulo Bernardo, que foi ouvido na última sexta-feira sobre esse caso. O outro, é o que apura corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência contra o ex-presidente e Taiguara Rodrigues dos Santos, conhecido como “sobrinho de Lula”.

“Naquela época, eu tinha uma conta corrente que eu e Palocci administrávamos, e que pertencia ao PT, Lula e que, na verdade, era fruto de um combinado de Lula com meu pai. Quando havia pedidos de valores para ajudar o PT, saia dessa conta corrente”, afirmou. A conta corrente está registrada na “Planilha Italiano”, que a Lava Jato apreendeu, que era a contabilidade informal de um crédito de R$ 300 milhões que a família Odebrecht reservou para pagamentos ao PT.

Odebrecht afirma que na “Planilha Italiano” havia duas “contrapartidas” – que seriam os negócios onde houve cobrança condicional de propinas – o caso do chamado “rebate”, dos negócios em Angola e BNDES, e o Refis da Crise. “Esses dois foram de fato contrapartidas solicitadas, e que geraram créditos.”

No caso do financiamento de Angola, Odebrecht apontou o envolvimento do ex-ministro Paulo Bernardo. “A Planilha Italiano era a conta corrente onde havia créditos que eram colocados em função de pedidos, que eram feitos, principalmente através de Palocci. Basicamente por Palocci e, no caso do rebate, por Paulo Bernardo.”

Contradições

Em quase uma hora e meia de depoimento ao juiz da 10.ª Vara Federal, Marcelo Odebrecht confirmou o que sabia sobre o caso e acusou o pai e o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar de entrarem em “contradições” ao falarem à Justiça sobre a participação do ex-presidente e do acerto de valores.

“Como a relação de Lula pertencia ao meu pai, eu tinha que referendar esses valores com ele, buscar a autorização dele. Só que agora ele está dizendo em depoimento que nunca conversou com Lula sobre valores.”

Como delator, ele explicou que não teve participação direta nos supostos acertos com o ex-presidente, mas que tanto o pai, como Palocci e outros executivos relataram pedidos de Lula. Afirmou ainda que manteve o teor de sua colaboração premiada, homologada em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Após depoimento da última sexta, no processo principal, defesas dos réus viram “recuo” do empresário.

“Aquilo que eu sabia, era via Alexandrino e meu pai. E os dois têm várias contradições nos depoimentos deles em relação ao que me contaram à época”, afirmou Odebrecht.

“O grande ponto da questão é que tem alguns itens, que eu tinha obtido através de meu pai informação de que ou ele tinha falado com Lula, ou ia falar com Lula e eu autorizava. Mas que basicamente nesse momento, ou ele esqueceu, e está no direito dele, ou ele falava uma coisa comigo e falava com Lula outra. Então isso que precisava esclarecer.”

O delator ainda disse que nunca afirmou ter tratado diretamente com o petista sobre propinas e que isso confirma sua delação. “Sempre deixei bem claro, em todas minhas colaborações, em todos meus depoimentos, sempre, não só o da sexta passada na ação penal do rebate (de Angola), em todas as ações penais em que eu tive, em toda colaboração, eu sempre deixei bem claro que nunca tive relação nem responsabilidade pelas tratativas com presidente Lula.”

Presidente do grupo de 2009 até 2015, quando foi preso pela Lava Jato – cumpriu dois anos de prisão e agora está em regime domiciliar, monitorado por tornozeleira eletrônica -, Odebrecht disse que a “relação de Lula pertencia” ao pai, Emílio, mas que referendava valores com ele. “Só que agora ele está dizendo em depoimento que nunca conversou com Lula sobre valores”.

“Respondo pela minha colaboração e pelo o que eu falei. Se pessoas acertaram propinas e disseram que não acertaram, eles é que têm que responder. Posso responder pela minha colaboração”, afirmou.

Sobrinho

No processo em que Odebrecht foi ouvido nesta segunda, as acusações são relacionadas aos supostos pagamentos feitos para Lula e para o “sobrinho”, relacionados a negócios em Angola. O delator explicou que não teve envolvimento direto com o caso.

“Não tive nenhuma relação com esse assunto da contratação do sobrinho, e o que eu soube, soube depois. Como também não era responsável pela relação com o presidente Lula, nem constava nos meus anexos. Quando veio a denuncia (do MPF, em 2016) eu ainda não tinha fechado o acordo de colaboração, eu apenas citei em um dos meus anexos o que eu sabia dos fatos”, explicou Odebrecht, ao juiz.

O delator voltou a contar que o diretor da Odebrecht em Angola Ernesto Bayard o comunicou, após os acertos, que havia a solicitação de apoio. “O que eu soube foi que por volta de 2011, que o Ernesto Bayard me alertou, que houve pedido de Lula, não sei se a meu pai ou Alexandrino para que nós pudéssemos subcontratar o sobrinho dele em Angola.”

Odebrecht disse também que tempos depois Alexandrino também relatou novo pedido para ajuda ao “sobrinho”. “Não tinha falado nada, porque não tinha me envolvido.”

Marcelo foi questionado se confirmava a denúncia do MPF de 2016, inicial do processo, que vinculava o empresário à negociação com Lula para pagamento de R$ 20 milhões por meio da contratação da empresas Exergia, de Taiguara, em troca do financiamento do BNDES. O delator disse que é falso.

Odebrecht disse que a denúncia do caso, que o coloca como responsável direto pelos acertos e pagamentos a Lula e ao sobrinho, segundo o Ministério Público, gera uma situação “injusta”. “Ocorreu quando não tínhamos fechado a colaboração. Portanto, foi o que o Ministério Público conseguiu angariar sem a nossa colaboração.” Ele disse que tentou alertar a Procuradoria sobre o fato dele não estar envolvido.

“Não sei em relação a todos os fatos, mas o meu envolvimento não houve. E a gente, ao meu modo de ver, corroborou isso com vários depoimentos de outras pessoas. Mas o Ministério Público manteve a denúncia e meu envolvimento, o que criou uma situação ao meu modo de ver injusta.”

Defesa

O advogado de defesa de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse na última sexta que os depoimentos de Marcelo e de Emílio, somados, deixam claro que “o ex-presidente não praticou nenhum ato ilícito que foi imputado a ele nessa ação.”

“Não há como sustentar vínculo com o ex-presidente. Se ocorreu algum fato ilícito, não tem qualquer participação de Lula”, disse Zanin.

*Com informações do Estadão Conteúdo

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