Mercado imobiliário: Moradores de São Paulo deixam de priorizar vagas de garagem
Estacionamento é prioridade para apenas 15% das pessoas que estão em busca de moradias, mostram pesquisas; fator financeiro e acesso ao transporte público impulsionam novo comportamento
Antes indispensáveis no cotidiano do paulistano, as vagas de garagem não são mais uma prioridade para os que compram ou alugam imóveis na cidade. O valor das casas e apartamentos, a facilidade de acesso ao transporte público e a transformação do modo de vida em sociedade estão entre os principais motivos que justificam essa mudança, como apontam levantamentos realizados por startups especializadas no segmento imobiliário. Neste ano, apenas 16% dos inquilinos à procura de novos imóveis para alugar usaram o filtro de garagem em suas pesquisas ao buscar uma residência no Quinto Andar, a maior imobiliária digital do Brasil. Já no balcão de negócios Apê 11, mais de 85% dos compradores buscam por residências sem priorizar o estacionamento.
“Vemos a queda na demanda por vagas de garagem principalmente nas regiões centrais, onde há disponibilidade de transporte público. Nesses bairros, inclusive, muitos dos prédios não possuem estacionamento. Em compensação, as buscas dão um salto nos locais mais afastados”, explica Flávia Mussalem, diretora de marketing do QuintoAndar. De acordo com o estudo, 5% dos locatários selecionaram a garagem como item indispensável para a escolha do imóvel no Centro, por outro lado, em Moema, na Zona Sul de São Paulo, o índice subiu para 12%. Ainda segundo o levantamento, mesmo nos casos em que há procura por vagas, a quantidade é reduzida: 73% destas pessoas demandam por apenas um estacionamento; quando se trata de duas vagas, a quantidade cai para 17; e apenas 5% buscam três espaços. A queda no interesse por estacionamento não atinge apenas um determinado público de idades e faixas de renda definidas. Diz respeito, sobretudo, à fase da vida em que as pessoas estão. Segundo a diretora, a baixa demanda impacta desde os jovens, que utilizam aplicativos de carona e transporte público para se locomoverem, a famílias estruturadas que se mudam para bairros residenciais de fácil acesso comercial para realizarem as tarefas cotidianas a pé.
Já Leonardo Azevedo, diretor-executivo da Apê 11, afirma que a maioria dos usuários que não prioriza as vagas tem entre 25 e 34 anos de idade e está adquirindo o primeiro imóvel. O executivo ressalta ainda que o fator financeiro e a facilidade de acesso ao transporte público são pontos fundamentais que refletem a grande procura. “Imóveis com este perfil, compactos e sem vagas, possuem um preço menor por metro quadrado em relação aos tradicionais, apresentando uma boa opção para quem pretende adquirir a casa própria sem gastar muito.” Desta forma, segundo ele, a busca pelo imóvel próprio espelha a pirâmide social brasileira, já que as casas e apartamentos mais requisitados custam até R$ 300 mil, seguidos por aqueles que estão na faixa entre R$ 350 mil a R$ 400 mil. Para que o deslocamento se torne viável sem os automóveis, grande parte desses empreendimentos se concentra nas proximidades das estações de metrô. “Até 1 km de distância da estação de metrô, registramos que 25% dos empreendimentos oferecem imóveis sem garagem. Quando essa distância é de até 500 metros, a oferta salta para 35% dos empreendimentos. Além disso, antes do novo coronavírus, observamos uma tendência crescente do deslocamento através dos transportes públicos em todas as classes sociais”, explica Azevedo. De acordo com dados oficiais, em 2019, 8,3 milhões de passageiros eram transportados diariamente nas linhas disponíveis do Metrô e da CPTM. Os ônibus, por sua vez, conduziam cerca de 8,8 milhões de pessoas todos os dias. No entanto, em meio à quarentena, São Paulo registrou drástica redução do número de passageiros no transporte público, chegando a atingir queda de 20% em abril deste ano.
O caso do publicitário João Pedro Camargo exemplifica bem esse movimento. “Desde o momento em que busquei um apartamento em São Paulo, não considerei ter uma vaga de garagem porque, além de aumentar o meu custo, não me vejo tendo e dirigindo um carro na cidade grande. Acho um desperdício de tempo e dinheiro comprar um automóvel, porque temos muita facilidade com transporte. Não tenho vaga no meu apartamento e me desloco através dos aplicativos de carona ou metrô“, afirma o publicitário, que se mudou de Salto, município do interior de São Paulo, para um apartamento localizado na avenida Paulista, no coração da capital, com o intuito de estudar e trabalhar. “Para manter um carro, eu precisaria desembolsar mais do que gasto com estes transportes. Cada vez mais, as pessoas estão deixando de lado o sonho de ter o carro próprio”, completa.
Por consequência da pandemia, entre fevereiro e março, o QuintoAndar registrou leve aumento na busca por imóveis com estacionamento, mas, com a retoma das atividades, a alta não se manteve nos meses seguintes. Sendo assim, a situação de mais queda do que crescimento aponta que o interesse por vagas vem diminuindo de modo gradual e contínuo, sendo apenas relevante em momentos extraordinários. “No início da quarentena vimos um crescimento na procura por garagem, porque muitas pessoas, com medo, passaram a priorizar o transporte particular. Depois da adoção do regime home office por grande parte das empresas e a consequente baixa na necessidade de deslocamento, a demanda voltou a cair”, explica Flávia. A executiva afirma também que, o isolamento social e a maior quantidade de horas passadas dentro das residências, foram fundamentais para que as pessoas abrissem mão da garagem para investirem em maior conforto. “Neste período, o público buscou casas que possibilitassem o lazer. Por exemplo, enquanto a procura por estacionamento despencou, ganharam forças as pesquisas por varanda gourmet, apartamentos com muita iluminação solar, vista livre e coberturas.”
Além de indicar uma preferência do público, os dados das pesquisas alertam os setores imobiliário e da construção civil sobre novas dinâmicas de trabalho. Nesse sentido, o diretor executivo da Apê 11 afirma que a grande oferta de imóveis compactos e sem vagas de garagem, assim como a crescente demanda do público, têm orientado o mercado. “Vemos de maneira clara que as incorporadoras estão intensificando a oferta de imóveis sem garagem, até mesmo devido ao Plano Diretor de São Paulo. Mesmo assim, estes empreendimentos estão encontrando um vasto espaço no mercado, com muita demanda do público.”
O Plano Diretor Estratégico de São Paulo, sancionado em 2014 pelo então prefeito Fernando Haddad (PT), é uma lei municipal que orienta o desenvolvimento e o crescimento da cidade até 2030, determinando que algumas zonas da capital tenham apenas empreendimentos sem vagas de garagem ou exigindo que a quantidade delas seja reduzida. “Constatamos que as incorporadoras estão adotando uma estratégia de compactar os imóveis novos, de construir apartamentos e casas menores em locais com maior qualidade de estrutura pública relativa a serviços e transportes. Ou seja, estão dizendo aos compradores: ‘Vocês não precisam de um espaço maior porque estarão perto de tudo, será rápido chegar ao trabalho e fácil se deslocar pela cidade’. Assim, vale a pena morar em um lugar menor, pagar menos e ter mais acesso”, conclui Azevedo, da Apê 11.
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