Moradores da região da Cracolândia em São Paulo relatam rotina de medo: ‘Realidade deplorável’
Violência, mau cheiro e outros transtornos assustam e atrapalham rotina de quem vive na região central da capital paulista
“Medo.” Este é o termo mais utilizado por moradores que vivem na região da Cracolândia, no Centro de São Paulo. Um problema antigo e que parece estar longe de ter um ponto final. Na terça-feira, 15, um morador foi morto durante um assalto em frente ao prédio em que morava no Largo General Osório. Moradores denunciam que o crime foi cometido por um usuário de entorpecentes que vive na região. A Polícia Civil investiga o caso. É apenas um de vários episódios presenciados por quem mora no Centro da capital paulista. A situação afeta diretamente a rotina das pessoas que habitam a região. Os residentes dizem estar cansados e clamam por segurança. É o caso da gestora condominial Sonia Domingues, que faz um apelo: “Olhem por nós”, disse ela. “Aqui falta segurança, há sujeira, muito carro com vidro quebrado, assalto em farol”, relata.
Sonia mora na Alameda Dino Bueno há cinco anos. Ela lamenta o fato de que muitas pessoas não podem aproveitar da melhor maneira um cartão postal da maior cidade do país. Sua maior preocupação é com as crianças. “Elas acabam vendo tudo. É muito triste, pois não compreendem que aquilo é errado.” Apesar do cenário assustador, a moradora disse ter esperança de que um dia o cenário seja outro. “Não é uma coisa fácil de se resolver, mas tenho esperança. Você até pensa em ajudar. Muitas daquelas pessoas, se tivessem ajuda, sairiam das drogas mas, a partir do momento em que ela usa e entra na Cracolândia, a própria Cracolândia não deixa ela sair. Você só sabe o quanto ela é nociva quando mora próximo dela”, afirma.
Por outro lado, Iza Castelo não tem a mesma esperança. O simples fato de entrar e sair de casa se tornou uma tarefa desafiadora. Celular? Fica o tempo todo dentro de casa. Ela trabalha como gerente de uma pizzaria, o que obriga a moradora a chegar tarde em casa. Iza mora na Rua Guaianazes, bastante frequentada por usuários de drogas. “Caminho com medo. Sempre. Todos os dias, na ida e na volta. Fui roubada duas vezes. Estamos à mercê”, lamenta. O convívio diário com o medo faz com que ela pense em mudar de casa. “Não tenho esperança de que um dia isso mude”, afirma. Por conta do problema, sua filha chegou a perder um ano de escola. “É um atraso de vida para todos”. O cabelereiro Raimundo Gomes Feitosa vive com a família na Rua General Osório há 25 anos. É outra testemunha de que andar pelas ruas da região central de SP é perigoso. “Muito perigoso, principalmente no período noturno. Muito assalto, baderna e barulho. Se isso mudar um dia, será em futuro distante.”
Enquanto isso, a concentração de dependentes químicos segue mudando de local. O grupo se deslocou da Rua dos Gusmões para a Rua dos Protestantes, próxima à Rua Santa Ifigênia. Ao site da Jovem Pan, moradores reclamaram de mau cheiro, sujeira e muita insegurança no local. A proximidade de escolas na região os preocupa. Os comerciantes do Centro também são impactados pela Cracolândia. Na semana passada, lojistas da Rua Santa Ifigênia fecharam as portas e foram às ruas protestar contra a falta de segurança. Na ocasião, o diretor do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e coordenador da União Geral dos Trabalhadores da capital (UGT), Josimar Andrade, relatou que os lojistas tiveram um prejuízo de 50% no faturamento. Além disso, a estimativa da entidade é de que a região central de São Paulo perdeu, aproximadamente, 20 mil empregos no último ano. “Os comerciantes relataram dificuldades para trabalhar por conta dessa insegurança. Estão pedindo socorro e para que o poder público exerça seu papel. Não podemos deixar que o medo vença e faça com que os clientes não comprem aqui. Percebemos que, a cada dia que passa, crescem mais as placas de ‘aluga’ do que as de ‘contrata-se’. O papel está invertido”, afirmou.
Não é diferente com o empresário Charles Souza, que mora na Avenida Duque de Caxias. Ele afirma que 70% do seu negócio foi perdido devido à falta de segurança no Centro. Souza relata que é comum ouvir pessoas gritando por socorro. “No mínimo seis vezes por dia”, conta. “A violência é 24 horas. Não temos garantia de nada. O medo é constante. Além dos dependentes químicos, tem as gangues que furtam de bicicleta. É uma realidade deplorável. Estamos sendo massacrados”, desabafou. Para ele, existe uma falta de interesse na busca por uma solução. Junto com outros moradores, o empresário luta para mudar a realidade, mas admite que a batalha não é simples. “Vivemos com terror o tempo todo. As crianças estão traumatizadas. Elas presenciam violência, uso de drogas, tráfico. Como vamos explicar para elas que isso é errado, se elas veem diretamente na porta de casa? Estou lutando porque ainda tenho esperança, mas é difícil. É uma região comercial forte, não faz sentido o que estamos passando.”
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