Pesquisa da UFRJ conclui que vírus da zika pode infectar cérebros adultos

Recentes bloqueios das bolsas do CNPQ e da Capes devem interromper a continuidade da pesquisa

  • Por Jovem Pan
  • 05/09/2019 15h02
Reprodução/Flickr Aedes Aegypt Anti-inflamatório atualmente usado no tratamento da artrite reumatoide pode amenizar os problemas neurológicos causados pelo zika

Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) descobriu que o vírus da zika é capaz de também infectar o tecido cerebral de adultos, e não apenas de fetos, como se acreditava. Foram encontradas complicações neurológicas em pacientes durante o surto da doença em 2015 e alguns deles apresentaram confusão mental, perda de memória e até dificuldades motoras.

O trabalho foi publicado na manhã desta quinta-feira (5) na “Nature Communications”, uma das mais prestigiadas revistas de divulgação científica do mundo. A descoberta revela que a infecção pode ter sérios desdobramentos, ainda desconhecidos, no longo prazo. No entanto, os recentes bloqueios das bolsas do CNPQ e da Capes devem interromper a continuidade da pesquisa, segundo os cientistas do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho.

Como foi feita a pesquisa

Para fazer o estudo, eles infectaram com o vírus da zika amostras de tecido cerebral de adultos humanos e, para a sua surpresa, ele se mostrou capaz de infectar os neurônios e se multiplicar.

“Para tentar entender as implicações disso, passamos, então, a usar, camundongos”, explicou o professor Sérgio Teixeira Ferreira, um dos coordenadores da pesquisa. “Constatamos que a reação inflamatória disparada no cérebro dos animais permanece muito tempo depois de o vírus não estar mais presente. A inflamação provoca ainda a degeneração das sinapses (responsáveis pela ligação entre os neurônios), interrompendo a comunicação.”

Estudos feitos até hoje tinham comprovado que o vírus contraído por mulheres grávidas tinha causado má formação do cérebro dos fetos e gerado vários casos de microcefalia. “Achávamos que o vírus infectava apenas os chamados precursores neuronais e os neurônios imaturos dos embriões em desenvolvimento”, contou Ferreira. “Agora constatamos que ele afeta também os tecidos adultos.”

Para o pesquisador, é necessário que a pesquisa tenha continuidade, que os adultos que apresentaram sequelas neurológicas sejam acompanhados no longo prazo, para que se estabeleça o real impacto do vírus.

Outra descoberta importante do estudo foi que um medicamento anti-inflamatório atualmente usado no tratamento da artrite reumatoide pode amenizar os problemas neurológicos causados pelo zika. Os cientistas acreditam que as descobertas podem contribuir para o estabelecimento de políticas públicas de tratamento e também para o desenvolvimento de novas terapias.

“Os bebês que nasceram com microcefalia estão sendo acompanhados, mas não sabemos o que aconteceu com os adultos”, disse o cientista. “Seria muito importante acompanhar também os adultos, investigar as consequências neurológicas.”

Cientistas temem pela continuidade das pesquisas

A neurocientista Cláudia Pinto Figueiredo, da Faculdade de Farmácia da UFRJ, que também coordenou a pesquisa, teme pelo futuro do estudo diante dos bloqueios das bolsas do CNPq e da Capes.

“Com o corte dessas bolsas, ocorre uma paralisação de toda a ciência e tecnologia do País”, afirmou. “Não temos força de trabalho visto que, nas universidades brasileiras, não existem postos de pesquisadores, só de professores. Quem ocupa os postos de pesquisador são os alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado.”

A pesquisadora Fernanda Aragão, aluna do doutorado, que participou do estudo, já sabe que não conseguirá renovar a bolsa “Eu tenho bolsa de doutorado até fevereiro, quando me formo”, explicou. “Mas não há previsão de novas indicações pra bolsistas nas principais agências de fomento do Brasil. Então, eu não tenho perspectiva de conseguir uma bolsa de pós-doutorado. Eu apliquei para editais que foram suspensos. Ou seja, não poderei continuar pesquisando.”

“Além da questão das bolsas”, ressalta Ferreira, “há uma redução dramática do financiamento às pesquisas; recursos para projetos já aprovados não vêm sendo pagos”.

Para o cientista, a situação é gravíssima. “Esse estudo foi iniciado em 2016, mas, posso dizer que, se estivesse sendo iniciado hoje, não teríamos condições de concluir o trabalho.”

* Com informações do Estadão Conteúdo

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