Professores relatam medo e insegurança com volta às aulas 100% presencial em São Paulo

Críticas são em relação ao fim do distanciamento entre alunos e ao fato da imunização dos adolescentes estar incompleta; profissionais de saúde apontam que cenário epidemiológico é adequado para a volta

  • Por Pedro Jordão
  • 17/10/2021 08h00
Foto: ANDRÉ LUIS FERREIRA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO Professor em sala de aula Alunos do Ensino Médio receberão benefício em dinheiro caso cumpram com as determinações do programa

Na última quarta-feira, 13, o governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou a retomada obrigatória das aulas presenciais nas redes estadual, municipal e privada de ensino em todo o Estado a partir da próxima segunda-feira, 18 de outubro. Segundo a secretaria de Educação, a medida foi tomada com base na evolução da situação do ensino durante a pandemia da Covid-19 e a partir de dados, como a imunização completa de 97% dos profissionais da área. Apesar desse primeiro número, 90% dos adolescentes de 12 a 17 estão com o esquema vacinal incompleto, com apenas a primeira dose. De acordo com o governador, a retomada será feita de maneira segura, seguindo, até o final de outubro, os protocolos sanitários de distanciamento de um metro entre as pessoas, uso obrigatório de máscara, álcool em gel, revezamento de presença em sala. A partir do dia 3 de novembro, o distanciamento não será mais mantido e 100% dos alunos deverão retornar ao ensino presencial. Diante da situação, professores relatam insegurança e medo da nova situação.

“O que a gente conversa nas reuniões de professores é que é essencial [o retorno às aulas presenciais], mas é equivocado querer voltar todo o mundo para a sala de aula sem antes ter vacinado toda a população, sem vacinar os adolescentes. Na volta que tivemos no primeiro semestre, morreram professores que poderiam estar vivos, hoje, se tivéssemos esperado a vacinação. Agora, será um risco desnecessário novamente. O pensamento é que ‘morrem poucas crianças’, mas uma pode ser o seu filho, ‘morreram poucos professores’, mas pode ser eu. A gente deveria esperar terminar a campanha de vacinação, vacinar a juventude toda e retornar somente no ano que vem, com segurança”, opina Alessandro Moura, que é professor de história do ensino fundamental em uma escola da rede estadual no Brás, no centro da capital paulista.

Ele ressalta que as escolas têm oferecido estrutura, como álcool em gel e a possibilidade de manter janelas e portas abertas, mas alerta para a impossibilidade de manter um ambiente seguro sem que haja distanciamento e revezamento de presença, ainda mais diante das dificuldades financeiras dos estudantes. “Vejo o aluno com máscara larga, caindo no rosto, porque está usando a mesma há dias. E quanto mais pobres, mais difícil. A questão é que, com a volta de todo mundo, se cria um foco desnecessário”, afirma o professor.

Em nota, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeosesp) criticou a medida do governo Doria, classificando-a como “negacionista e irresponsável”. “Se o distanciamento de apenas um metro dentro das escolas já era um total absurdo, eliminar totalmente qualquer distanciamento, em salas superlotadas e sem ventilação, como é a realidade das escolas públicas estaduais, é o auge da irresponsabilidade e está em desacordo com os protocolos sanitários”, critica o texto, que aponta ainda outros problemas como a não realização de reformas para adaptação das escolas à nova realidade. A nota do sindicato é finalizada responsabilizando o governador João Doria e o secretário de Educação, Rossieli Soares, pelas possíveis consequências que a nova medida possa ter.

Apesar das críticas e do medo dos professores, o consultor em políticas públicas educacionais Thomaz Veloso destaca que esta é a oportunidade ideal para o retorno ao presencial. “É perfeitamente compreensível qualquer tipo de refugo neste momento. O Brasil não soube lidar com a pandemia e isso causou algumas sequelas na relação governo-classe docente. Temos uma lacuna de aprendizagem importante a ser considerada. É importante olhar não apenas o ponto de vista do docente. Cabe no debate o olhar dúbio, pelo menos, para entendermos o sistema de educação como um todo, não apenas parte dele. Dado que os níveis de contágio e internações vêm diminuindo e a vacinação vem aumentando, surge a possibilidade de um retorno seguro”, afirma.

Para Veloso, além das medidas sanitárias, o monitoramento pelo Estado deverá ser a chave da questão. “No momento em que houver uma contaminação, por exemplo, isso precisa ser contido. A política precisa vir para oportunizar a aprendizagem dos alunos, mas também para assegurar que todos retornem de forma segura. O Estado tem que monitorar o público que está nas escolas. Seria uma irresponsabilidade dizer aos professores que voltem sem um mecanismo de controle, de contenção, para algo que pode vir a acontecer, que é o caso de uma contaminação pelo novo coronavírus”, diz o consultor educacional

O infectologista e professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Eduardo Medeiros também concorda que o momento é propício para o retorno, mas considera que é importante ser transparente na comunicação com todos os envolvidos, profissionais de educação, estudantes, familiares, deixando claro os riscos ainda existentes e orientando bem a todos, para que a segurança possa ser mantida com a melhor qualidade possível. “É um desafio, realmente, mas estamos em um cenário epidemiológico favorável. Claro que sempre há riscos, que tem preocupação, mas a gente tem que retomar essas atividades assim que o momento epidemiológico permitir. E estamos num momento adequado. Claro, tem de haver regras estabelecidas: manter as salas de aula bem ventiladas, janelas e preferencialmente portas abertas; o uso de máscaras; organização de horários para evitar aglomeração. Sobre as crianças pequenas em creches, que não podem usar máscaras, principalmente os adultos devem manter a proteção. É preciso que a gente seja muito transparente. As mães precisam trabalhar e estão deixando as crianças em situações de maior risco. Numa creche credenciada da prefeitura ou do Estado essa criança vai estar mais segura”, afirma Medeiros.

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