Projeto que trata de licitações legaliza prejuízo aos cofres públicos, diz TCU

  • Por Estadão Conteúdo
  • 12/06/2018 12h51
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Wikimedia Commons Wikimedia Commons O texto que havia sido aprovado pelo Senado admitia a responsabilização de agentes em casos de "erro grosseiro"

Sob críticas do Tribunal de Contas da União (TCU), a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto da nova Lei de Licitações votará nesta terça-feira, 12, o substitutivo apresentado pelo relator, deputado João Arruda (MDB-PR).

O consultor jurídico do TCU, Odilon Cavallari, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que o projeto de lei poderá levar à legalização do prejuízo aos cofres públicos e à impunidade de gestores negligentes, imprudentes ou imperitos, na medida em que passa a exigir a comprovação de dolo (intenção) para aplicar punições por superfaturamento e sobrepreço em licitações e para que haja responsabilização de pessoal. “O projeto de lei legaliza o prejuízo ao Erário”, disse.

O projeto estabelece normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais nas três esferas. A sessão com previsão de votação está marcada para as 14h, mas haverá antes uma reunião, ocorrerá na comissão com representantes da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU) e da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC).

O texto que havia sido aprovado pelo Senado admitia a responsabilização de agentes em casos de “erro grosseiro” – trecho excluído na Câmara. A necessidade de dolo, por sua vez, surgiu da discussão entre deputados. Segundo a reportagem apurou, houve pressão na comissão para essas modificações.

De acordo com Lucieni Pereira, presidente da AUD-TCU, o projeto afronta à Autonomia do TCU e demais Tribunais de Contas, além de reduzir direito a contraditório e ampla defesa.

Odilon Cavallari aponta como exemplo de impossibilidade de responsabilização, caso essa regra proposta no projeto já estivesse valendo, o processo em que o Tribunal de Contas da União apontou superfaturamento em obras no Aeroporto de Vitória e, por isso, condenou empresas e gestores públicos em março deste ano ao pagamento de R$ 30 milhões, além de multas individuais.

Nesse caso, não foi apontado dolo, mas apenas culpa, o que está de acordo com o entendimento do TCU sobre o tema. “É suficiente a quantificação do dano, a identificação da conduta do responsável que caracterize sua culpa, seja por imprudência, imperícia ou negligência, e a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta culposa e a irregularidade que ocasionou o dano ao erário”, disse, em seu voto, o ministro-relator do processo do Aeroporto de Vitória, Benjamin Zymler.

A exigência de dolo para a punição de autoridades e servidores públicos é problemática, na visão do consultor jurídico do TCU, porque livraria de punição agentes negligente. “Para dar um exemplo, no caso da ciclovia que caiu no Rio de Janeiro, essa lei já estivesse em vigor, e, caso não se prove dolo, mas apenas imperícia ou negligência por parte de quem fez o projeto ou de quem o executou ou do fiscal do contrato, ninguém responderia pela queda da ciclovia”, disse o consultor.

O consultor também afirma que é “inversão de valores” o tribunal de contas ter de pedir opinião de um gestor sobre as propostas de encaminhamento de processos feitas pelos auditores que constataram problemas em processos. Além disso, afirma que é fora da realidade o estabelecimento de prazo de 30 dias renovável por mais 30 para a conclusão de processos sobre licitações que o tribunal tenha suspendido por liminar. “A Constituição fala em ‘razoável duração do processo’. Não diz o prazo. E a razão é porque o prazo depende da complexidade do assunto, desde que não extrapole a razoabilidade”, disse Cavallari.

O ministro Bruno Dantas, do TCU, mostrou preocupação com trechos do projeto e disse que ligou para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), logo após ter lido o relatório de João Arruda.

“De modo geral, entendo que a proposta é boa, moderniza a legislação e nos aproxima do padrão internacional, mas há alguns poucos pontos que precisam de aperfeiçoamento, como a exigência de comprovação de dolo para caracterizar superfaturamento e sobrepreço. Além disso, não é adequada a regulação proposta para as medidas cautelares adotadas pelo TCU. Historicamente temos excelente interlocução com os deputados e estou seguro de que mais uma vez o diálogo, a racionalidade e o bom senso prevalecerão”, disse o ministro.

O relator João Arruda afirma que o texto encaminhado à votação aumentou a pena possível para fraude em licitação, atendendo a pedidos do Ministério Público Federal. Ele afirma que vê como naturais as críticas do TCU sobre como deve ser feita a fiscalização, mas afirma que é preciso proteger os gestores.

“Eu acho que o TCU cumpre um papel muito importante e deve fiscalizar, agora, se o projeto aumenta a demanda do tribunal de contas, é no sentido de dar mais segurança para o gestor e os servidores”, disse.

O deputado diz que o exemplo da ciclovia do Rio de Janeiro está “equivocado”. “Se não existe o cuidado necessário dos detalhes do anteprojeto em algo como aquela ciclovia, é claro que tem como comprovar (o dolo)”, diz ele.

“Acho, sim, que (a crítica vinda do TCU) tem razão no sentido de que é mais difícil comprovar, mas é importante olhar pelo outro lado, da proteção e da preservação do servidor público que pode ser condenado por um erro formal, por um vício formal, por uma vírgula, por uma palavra. Então nem lá nem cá, temos que buscar um meio termo”, disse o relator.

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