Brasil completa um mês de vacinação contra Covid-19; confira o ranking dos estados
Amazonas, Roraima e Mato Grosso do Sul são os três estados com maior percentual da população vacinada, mas número de aplicações ainda está muito aquém do ideal
Em meio à falta de imunizantes, guerra das vacinas e o descobrimento de novas cepas, mais transmissíveis, do coronavírus, o Brasil completa o primeiro mês de vacinação nesta quarta-feira, 17. São Paulo foi o estado responsável por iniciar a imunização dos profissionais da saúde no país. A cerimônia no Hospital das Clínicas aconteceu minutos após a aprovação do uso emergencial da CoronaVac e da vacina de Oxford pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na ocasião, ao lado do governador do estado, João Doria, a enfermeira Mônica Calazans foi a primeira vacinada do país. Com lágrimas nos olhos, ela falou sobre a emoção e a gratidão por representar tantos colegas que atuam na linha de frente do combate à Covid-19. “Estou muito orgulhosa de tudo isso. Meu nome está aí no mundo inteiro. Mônica Calazans, 54 anos, negra e participante de pesquisa. Tenho muito orgulho disso e falo, como brasileira: vamos nos vacinar. Não tenham medo. É isso que nós estávamos esperando.”
Além de Calazans, outros 111 profissionais da saúde também foram imunizados em 17 de janeiro. A vacinação em São Paulo antecipou o cronograma do Plano Nacional de Imunização (PNI), acirrando a disputa já existente entre o Ministério da Saúde e o governo paulista. Horas após a primeira aplicação, o ministro da saúde, Eduardo Pazuello criticou o governador João Doria e disse que a antecipação seria analisada pela Justiça, o que nunca ocorreu. “Todas as vacinas produzidas pelo Butantan estão contratadas de forma integral e de forma exclusiva para o Ministério da Saúde, para o PNI. Todas, inclusive essa que foi aplicada agora. Isso é uma questão jurídica que não vou responder agora porque é a Justiça que tem que deferir”, disse o ministro. Entre rixas e disputas, a vacinação paulista foi o pontapé para a imunização no país, o que levou outros estados a cobrar uma resposta mais rápida do chefe da Saúde. Como resposta, em 18 de janeiro, ainda na parte da manhã, Pazuello já estava em São Paulo para distribuir as doses e, atendendo um pedidos governadores, iniciar a vacinação em todo o território brasileiro de forma imediata. De fato, 15 estados conseguiram começar a imunizar os grupos prioritários ainda no dia 18, embora os atos tenham sido mais simbólicos. No Rio de Janeiro, por exemplo, a vacinação dos primeiros profissionais da saúde aconteceu aos pés do Cristo Redentor. No Amazonas, começou pela técnica de enfermagem Vanda Ortega, indígena do povo Witoto. Após atrasos e erros na distribuição, outros dez estados e o Distrito Federal começaram a imunização no dia 19 de janeiro.
Desde então, a vacinação continua sendo palco de disputas, debates e investigações. Fura-filas, falsas aplicações e doses perdidas são alguns dos escândalos que marcam este primeiro mês do funcionamento do Plano Nacional de Imunização. Incertezas para novas aquisições e a interrupção das aplicações por ausência de imunizantes também se fazem presentes. Nesse caminho, mais de 5,2 milhões de brasileiros tomaram pelo menos a primeira dose dos compostos, o que representa menos de 3% da população do país. Seguindo esse ritmo, a estimativa, considerando as duas doses necessárias para imunidade completa, é de que será preciso quatro anos para a vacinação total da população brasileira, o que coloca em risco o fim da pandemia no país a curto prazo. “Demos o primeiro passo de uma maratona. Para ter algum impacto em termos de redução de leitos, ocupação de UTIs de transmissão, teríamos que ter, no mínimo, muito humildemente, 50% de vacinados. O ideal seria de 70% a 90%. Estamos muito atrasados quando comparados com aquilo que poderíamos ter. O Brasil tinha muitas realidades para fazer isso funcionar, tinha dinheiro, tinha a capilaridade do SUS. Agora, infelizmente, é correr contra o prejuízo. Estamos mendigando doses no mundo porque não foi feito o planejamento na época em que deveria ter sido feito”, avalia Alexandre Naime Barbosa, chefe de infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Ranking
Seja pela vacinação antecipada, pela pressão da gestão estadual ou pela maior contingente populacional, São Paulo é, disparado, o território com mais imunizados no Brasil. Ao todo, segundo dados do vacinômetro estadual, atualizado até às 21h desta terça-feira, 1.463.768 pessoas já receberam a primeira dose e 217.549 mil a segunda aplicação. No entanto, em percentual de vacinação, o estado ocupa a quinta posição no ranking de imunização. O território campeão de imunização proporcional ao número de habitantes é o Amazonas. A evidente diferença na vacinação amazonense se justifica pelo fato de o estado ter recebido, após consenso entre governadores e o Ministério da Saúde, doses extras para impulsionar a imunidade na região, que enfrenta colapso no sistema de saúde desde o início do ano. Além do Amazonas, Tocantins, Rondônia e Amapá também receberam doses extras para aplicação. Confira abaixo os cinco estados mais avanços na vacinação até esta quarta-feira, considerando a proporção entre o número de habitantes e as doses ministradas, e os cinco territórios mais atrasados na corrida das vacinas:
Estados mais avançados na 1ª dose da vacinação
- Amazonas (4,82%)
- Roraima (3,69%)
- Mato Grosso do Sul (3,47%)
- Distrito Federal (3,63%)
- São Paulo (3,16%)
Estados mais atrasados na 1ª dose da vacinação
- Pará (1,43%)
- Acre (1,44%)
- Goiás (1,69%)
- Sergipe (1,73%)
- Maranhão (1,75%)
Reflexos do atraso
A nível mundial, é inegável: o Brasil está atrasado na vacinação contra a Covid-19. Embora esteja à frente de outros países da América Latina, como a Bolívia, Argentina e Peru, a avaliação do chefe de infectologia da Unesp, Alexandre Naime Barbosa, é que, pela capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil poderia estar com percentual de vacinados muito superior ao atual. Para o especialista, que também é consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, o país está com poucos vacinados devido a um “mal planejamento do governo federal”. Segundo Naime, a falta de resposta da gestão da Saúde em meados do ano passado, quando as empresas iniciaram as reservas de vacinas, reflete na atual escassez de imunizantes. “O governo federal não tinha estratégia de vacinação até o começo de dezembro. Quando percebeu que o Estado de São Paulo tinha uma vacina, começou a correr atrás. Por esse motivo, temos uma quantidade de vacinas pequena e não estamos conseguindo vacinar na velocidade que gostaríamos.”
Atualmente, de acordo com o chefe de infectologia da Unesp, o único entrave para que o país imunize 1 milhão de pessoas por dia — ou próximo a isso — é a falta de vacinas. Realidade que não deve ser mudada a curto prazo. “Não adianta ter uma rede, seringas, agulhas, pessoas para vacinar, se não tem o principal, que é vacina. Temos uma capilaridade, uma extrema facilidade de passar as vacinas do governo federal para os estados e municípios até chegar aos pontos de vacinação. O SUS tem uma rede gigante, então é possível, desde que tenham vacinas.” A falta de doses, além de dificultar a vacinação em massa, coloca em risco a manutenção da campanha de imunização até para os atuais grupos prioritários. O Rio de Janeiro e Salvador anunciaram paralisação da vacinação a partir desta terça-feira, 16, por falta de vacinas, medida que também pode ser adotada por Curitiba, capital do Paraná, a partir desta sexta-feira, 19. No momento, não há previsão para a chegada de novos imunizantes nos municípios, o que preocupa, especialmente nesse contexto de expansão na nova cepa do coronavírus pelo Brasil e levanta dúvidas sobre o fim da pandemia no país. “Está se fazendo a vacinação a conta-gotas porque não se tem o produto final, as vacinas. Isso é péssimo, horrível, porque desse jeito as variantes conseguem se estabelecer. Se a gente não tiver uma vacinação rápida e massiva, alguma cepa mutante poderá prevalecer às vacinas. Se eu vou fazer uma vacinação lenta, essas cepas mutantes acabam encontrando espaço para disseminar para outras pessoas que não foram vacinadas.”
Alexandre Naime Barbosa explica ainda que ter, após um mês de vacinação, menos de 3% da população imunizada significa o fim da pandemia mais distante. Nesse contexto, considerando o aumento de casos da Covid-19 entre jovens e alta de mortes pela doença no país, a projeção é um ano ainda mais difícil que o anterior. “O ano de 2021 com certeza vai ser um ano em que não vamos conseguir controlar a pandemia. As vacinas ainda têm uma eficácia aquém do que seria o ideal. Temos o desafio de entender o que significam as variantes, fora que uma grande parte da população não está sendo vacinada. Então, 2021 e 2022 vão continuar sendo anos de enfrentamento, anos difíceis como foi 2020. A única forma de diminuir a transmissibilidade, diminuir o número de internações, é a vacinação em massa. Temos que fazer um esforço para recuperar o erro do passado, o governo federal e os governos estaduais têm que se unir para tentar comprar mais vacinas e vacinar as pessoas. O problema não é a capilaridade do SUS. A gente tem condições de vacinar muitas pessoas, mas precisamos de vacinas.”
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