Violência doméstica aumenta 42% em SP, e PM intensifica combate: ‘É uma denúncia atrás da outra’

Estado treina policiais militares para ‘Patrulha Maria da Penha’, projeto que visa acompanhar periodicamente mulheres que têm medidas restritivas contra agressores

  • Por Lorena Barros
  • 08/05/2021 10h00 - Atualizado em 08/05/2021 10h04
Pixabay/Nino Carè mulher se defendendo de agressão PM viu um crescimento de 42% nos atendimentos de violência doméstica por meio do telefone 190

Há mais de um ano enfrentando uma série de medidas restritivas para controlar o novo coronavírus, o Brasil vê um crescimento exorbitante da violência contra a mulher na pandemia. Dados divulgados pelo Disque 100 em março mostraram que o país registrou mais de 105 mil denúncias do tipo só no ano de 2020. No Estado de São Paulo, comparando os números de 2020 em relação ao ano de 2019, a tenente-coronel Eunice Godinho, primeira mulher a ocupar o comando do 14º Batalhão de Osasco, viu um crescimento de 42% nos atendimentos de violência doméstica por meio do telefone 190. Segundo ela, o aumento dessas denúncias de urgência não foi refletido na catalogação de boletins de ocorrência junto à Polícia Civil, mas pode ser sentido diariamente nas escutas de rádio do batalhão da PM. “É uma atrás da outra. São vários flagrantes de prisão de agressores, então o ambiente doméstico realmente está um pouco mais aquecido, um pouco mais movimentado e a mulher fica como vítima. Não só a vítima de um agressor companheiro, ex-marido, mas também há mães sendo agredidas por filhos, avós por netos, então são todas vítimas passíveis de medidas protetivas de urgência expedidas pelo poder judiciário”, explica.

Ainda no fim de abril, tendo em vista o aumento da violência contra a mulher e a aprovação da Lei 17.260/20, que prevê a criação do programa Patrulha Maria da Penha, policiais militares de todo o Estado passaram a receber treinamento especializado para dar às vítimas um atendimento além do habitual nos casos de violência doméstica. Além de receberem orientações sobre as mudanças na lei, os agentes de segurança deverão ter capacidade de instruir vítimas sobre programas de apoio a nível municipal, federal e estadual fornecidos a elas. Agora, além das denúncias feitas à PM pelo 190, as vítimas com medidas protetivas contra agressores receberão visitas periódicas agendadas e serão orientadas a baixar o aplicativo SOS Mulher, que fornece um botão para acionamento imediato das patrulhas caso o agressor se aproxime. A ideia é de que em todo o Estado haja viaturas disponíveis 24 horas por dia para ir até o endereço das vítimas.

A policial lembra que é necessário um estudo aprofundado para demonstrar o porquê do crescimento de casos de violência no período da pandemia, mas consegue apontar algumas razões pelas quais a Patrulha Maria da Penha se tornou indispensável. “São pessoas que vivem no mesmo ambiente, em um ambiente que muitas vezes vem de um histórico de conflitos constantes, e a possibilidade dessas pessoas ficarem mais retraídas dentro do imóvel, dentro do lar, por conta da pandemia já assinava um futuro de possível aumento, porque se as pessoas ficam mais dentro de casa a tendência é de que haja mais conflitos”, afirma. Há 29 anos na PM, Eunice Godinho fez o mestrado e doutorado profissional na área de violência doméstica e crimes sexuais, e é uma das responsáveis por fornecer treinamento aos policiais.

‘Violência nunca deixou de existir, mas sempre foi subnotificada’, diz promotora

A promotora do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), Celeste dos Santos, lembra que o projeto Patrulha Maria da Penha já tinha funcionado como um case de sucesso na cidade de Sorocaba, no interior de SP, e vê como positiva a capacitação contínua dos policiais militares em todo o Estado. Para ela, a violência doméstica nunca deixou de existir, mas sempre foi subnotificada. Segundo a promotora, o aumento de casos na pandemia pode estar ligado também à diminuição do que classifica como “cifras ocultas” e à maior consciência das mulheres sobre os seus seus direitos. “Isso significa que as mulheres estão mais conscientes se elas estão ou não em um relacionamento agressivo, se aquilo constitui ou não uma violação à sua dignidade e seus direitos fundamentais e isso permite que se antecipe a interrupção do ciclo da violência, que normalmente vai numa escalada”, afirma.

Celeste foi uma das criadoras do Projeto Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos (Avarc), que tem uma série de atuações no Estado, entre elas um canal de denúncia para vítimas de violência que buscam um espaço acolhedor. Hoje, um Projeto de Lei tramita na Assembleia Legislativa do Estado para instituir o programa em todas as esferas da unidade federativa, englobando o poder judiciário, a polícia civil e militar e também todo o sistema de saúde, o que seria um adicional no processo de acolhimento a vítimas, inclusive de violência doméstica. “Muitas vezes a porta de entrada da vítima sob uma agressão não é uma instância formal de controle. A vítima não procura a delegacia, a PM, não procura o Ministério Público nem o poder judiciário. Muitas vezes ela vai ao hospital, por exemplo. Então é muito importante que tenha essa capacitação de todos aqueles que possam ter contatos diretos com vítimas de violência”, explica a promotora. Casos de violência podem ser denunciados pelo número 180, pelo número 190, pelo 0800 da Defensoria Pública (08007734340) e nas Delegacias de Defesa da Mulher do Estado.

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