Drama repleto de enigmas marca sequestro de japoneses pela Coreia do Norte
Andrés Sánchez Braun.
Tóquio, 29 out (EFE).- Megumi Yokota viu seu chão ruir em uma tarde de novembro de 1977 quando voltava do colégio na cidade de Niigata, na costa oeste do Japão. Sua história resume o drama e o enigma que envolve os sequestros de cidadãos japoneses por parte do regime norte-coreano.
Décadas de frustração vêm abalando as famílias desses sequestrados pelo país mais isolado do mundo, a cuja capital, Pyongyang, uma missão do governo japonês viajou nesta semana para questionar autoridades locais sobre o assunto pela primeira vez em 10 anos.
Dentre todos os casos, o de Megumi sempre foi considerado o mais simbólico, tanto por sua crueldade (ela tinha apenas 13 anos quando foi aprisionada e levada de barco até a Coreia do Norte) como pela incansável luta que seus pais, Sakie e Shigeru Yokota, já octogenários, continuam liderando para trazê-la de volta para casa.
O governo japonês dá como certo que, entre 1977 e 1983, 17 japoneses foram sequestrados pelo regime Juche para dar aulas de cultura e idioma em programas de formação de espiões.
Um desses agentes era Kim Kyon-hui, que em 1987 detonou um Boeing 707 sul-coreano com 115 pessoas a bordo e que, após ser detida, deu o primeiro indício sólido sobre os sequestros.
Até aquele momento, os casos não eram tratados mais do que como especulações pela imprensa japonesa, e a maioria da opinião pública os classificava como invenções paranoicas.
Novas provas foram sendo reveladas até que, em 2002, e de maneira surpreendente, a Coreia do Norte admitiu 13 destes sequestros. No entanto, o país vizinho argumentou que, além de cinco cidadãos que acabou devolvendo ao Japão, os outros oito faleceram, e quatro deles nunca pisaram em solo norte-coreano.
Tóquio sempre desconfiou dessa versão e suspeita que o regime dos Kim poderia estar na realidade por trás de centenas de sequestros de seus cidadãos.
Entre a lista de falecidos divulgada estava Megumi (Pyongyang diz que ela se suicidou em 1994), mas as cinzas posteriormente enviadas ao Japão deram negativo nos exames de DNA.
Seus pais e seus dois irmãos gêmeos seguem convictos de que ela está viva e receberam com ânsia ao longo dos anos as poucas informações sobre Megumi e os ainda mais raros testemunhos de pessoas que encontraram com ela na fechada Coreia do Norte.
Entre elas estão Hitomi Soga (sequestrada em 1978 e que voltou ao Japão em 2002), que viveu com ela durante cinco meses enquanto ambas aprendiam coreano, e a própria Kim Hyon-hui, que coincidiu com ela nos anos 80 na academia militar de Keumsung.
Sabe-se que ela se casou com um sul-coreano também sequestrado por Pyongyang, Kim Young-nam, e que ambos tiveram uma filha, Kim Eun-gyong, com quem os Yokota puderam se encontrar na Mongólia pela primeira vez em março deste ano.
No entanto, não perguntaram a ela sobre sua mãe durante o encontro.
“Não queríamos que nosso primeiro contato com ela se transformasse em algo que envolvesse temas políticos. Além disso, ela cresceu nesse país. Não sabemos em que medida pode nos dizer ou não a verdade”, comentou a avó de Kim Eun-gyong após a reunião.
A família também teve receio da viagem que a delegação japonesa fez à Coreia do Norte, já que veem poucas probabilidades de Pyongyang ceder informações novas e úteis.
Em maio, o regime de Kim Jong-un concordou em estabelecer um comitê de investigação para resolver o assunto, e em troca o Japão decidiu suspender parte das sanções que havia aplicado contra o país.
Porém, as autoridades norte-coreanas não apresentaram no primeiro semestre um relatório que tinham se comprometido a elaborar argumentando que o inquérito caminha mais lento do que o previsto, e exigiram que uma delegação japonesa visitasse Pyongyang para ver em primeira mão o estado atual da investigação.
Os Yokota acreditam que a Coreia do Norte simplesmente pode estar ganhando tempo com essa manobra, o que os afasta de seu objetivo de voltar a ver o mais rápido possível sua filha, que caso esteja viva, teria acabado de completar 50 anos, sendo 37 longe deles, vivendo em um dos países mais repressivos e fechados do planeta. EFE
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