Com ritmo de atraso, INSS deve pagar salário mínimo extra para segurados

Alta da inflação impacta no custo de vida e reflete na correção monetária dos benefícios atrasados; economista projeta que espera para receber possa chegar a dois anos

  • Por Caroline Hardt
  • 21/08/2021 10h00
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Hélvio Romero/Estadão Conteúdo Julgamento da chamada ‘revisão da vida toda’ pode mudar regra para cálculo do benefício Até o fim do ano passado, o INSS somava cerca de 1,7 milhão de pedidos de benefício represados

O atraso na concessão de benefícios por parte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pode fazer com que segurados, que aguardam aprovação dos pedidos, recebam mais de um salário mínimo como pagamento extra. Isso acontece porque, desde 1991, o órgão é obrigado a fazer a correção monetária dos valores caso o período entre a solicitação e a concessão ultrapasse 45 dias, compensando, assim, os beneficiários pela inflação incidente sobre o período. Para o cálculo do reajuste é usado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), divulgado mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Considerada a taxa que mede o aumento do custo de vida no Brasil, o índice acumula alta de 9,85% nos últimos 12 meses, puxada pelo avanço da inflação. O advogado Yoshiaki Yamamoto Kiyama, que integra o time da plataforma Presidencialista, voltada para cálculos previdenciários, explica que esse aumento do INPC ao longo dos meses vai refletir significativamente na correção dos segurados, que vão receber um pagamento acima do inicialmente esperado.

Como exemplo desse cenário, Kiyama cita o caso de um cidadão que tenha entrado com pedido de aposentadoria por idade em março de 2020, quando iniciou a pandemia de Covid-19 no Brasil. Caso esse benefício só venha a ter a aprovação do INSS no mês de agosto deste ano, 17 meses após a solicitação, o pagamento extra pode chegar a R$ 1.298,53, considerando a correção das parcelas da aposentadoria e do 13º. Já o total retroativo atualizado fica em torno de R$ 20.961,04. Veja abaixo uma projeção dos valores corrigidos de acordo com período da solicitação, levando em conta o pagamento mensal de um salário mínimo (R$ 1.045 em 2020 e R$ 1.100 em 2021) e o 13º proporcional:

Tabela com valores atualizados com base no INPS

Sobre os números, o advogado lembra que a correção monetária dos pagamentos acontece apenas se a variação for positiva, excluindo casos de flutuação negativa, como os meses de abril e maio de 2020, quando o INPC ficou em -0,23 e -0,25, respectivamente. “Em regra, o INPC mensal não é algo muito alto, menos de 1% ao mês, por isso que as pessoas acabam, em um curto prazo, não enxergando a diferença nos atrasados. No entanto, se as parcelas estão acumuladas, vai aumentando o valor. O pagamento de março [de 2020] vai receber a maior correção, porque vai ser calculado para ter a correção de março até agosto [de 2021]. Cada parcela vai ter um cálculo diferente.”

Correção monetária x ganho nominal 

Embora à primeira vista a correção monetária de benefícios em atraso pareça trazer um ganho extra aos segurados no INSS, o economista Igor Macedo Lucena explica que o pagamento trata-se apenas de um “ganho nominal”. Isso significa que, em valores, o cidadão vai receber um montante maior, mas não terá um maior poder de compra, já que a atualização apenas compensa o beneficiário pela inflação do período. “Isso a gente chama de ilusão do consumidor, porque no final, apesar de nominalmente ter recebido um valor maior, os preços na economia toda se reajustaram na média, então ela vai ter o mesmo poder de compra. É uma compensação, é meramente para recompor o poder de compra que ela deixou de ter porque não recebeu os benefícios”, afirma. O especialista pontua que se fosse para efetivamente compensar o segurado pelo tempo de espera, além de fazer a correção monetária com base no INPC, o INSS deveria acrescentar o pagamento de juros de 0,5% ao mês, por exemplo, o que traria ganhos reais aos beneficiários.

Reflexos da pandemia

Os atrasos para aprovação de benefícios por parte do INSS não são causados pela pandemia. No geral, a situação já é bastante conhecida pelos segurados. Segundo especialistas, o principal motivo para a “bola de neve” na concessão previdenciária e assistencial é, principalmente, a sobrecarga de trabalho em contraste com a falta de funcionários. Para se ter uma ideia, em março de 2020, antes da Covid-19, 1,3 milhão de pessoas aguardavam na fila para análise dos requerimentos. Se esse número já era alto, foi ainda mais impulsionado, chegando a 1,7 milhão de pedidos represados até o fim no ano passado. A avaliação é que a chegada da crise sanitária ao Brasil elevou a busca por benefícios e solicitações ao INSS, como requerimentos de pensão por morte, aposentadoria e auxílio doença, por exemplo. Ao mesmo tempo, o isolamento social levou ao fechamento das agências e a demanda de trabalho ficou represada.

Com esse ritmo de atraso, a tendência é que os segurados aguardem longos períodos para a concessão dos valores, podendo chegar até a dois anos de espera, estima o economista Igor Lucena. “Se pensarmos no interior do Nordeste e do Norte, regiões onde o atendimento já é precário, onde os segurados têm que se deslocar até as capitais, com certeza vamos ter um estoque de pessoas que ficaram ao relento, ao léu, sem nenhum tipo de noção de quando receberiam os benefícios”, pontua. Em nota encaminhada à Jovem Pan, o INSS informou que o tempo médio para resposta de um requerimento “depende de cada benefício”. “Garantimos que estamos com nossa força de trabalho, mesmo os que trabalham remotamente, por serem do grupo de risco, no atendimento para analisar e agilizar os processos”, disse. Até julho deste ano, mais de 1,8 milhão de segurados aguardavam avaliação, sendo que 25% da fila dependia da apresentação de documentos para a conclusão dos processos.

Em junho deste ano, após acordo do Instituto Nacional do Seguro Social com o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foram estendidos os prazos para análise dos benefícios solicitados. No entanto, a mudança não impacta na correção monetária, que segue aplicada após 45 dias da formalização do pedido. Veja abaixo os prazos atualizados para cada solicitação:

  • Aposentadorias (exceto por invalidez) – 90 dias
  • Benefício assistencial (BPC/LOAS) – 90 dias
  • Auxílio acidente – 60 dias
  • Pensão por morte – 60 dias
  • Auxílio reclusão – 60 dias
  • Auxílio doença – 45 dias
  • Aposentadoria por invalidez – 45 dias
  • Salário maternidade – 30 dias
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