Crise na Argentina é entrave para recuperação econômica brasileira

País é o quarto maior importador do Brasil; comércio internacional e investimentos devem ser impactados com o agravamento da recessão

  • Por Gabriel Bosa
  • 23/07/2020 07h00
Foto: Divulgação/APPA Fabio Scremin/ APPA Exportações brasileiras ao país vizinho recuaram 34% em 2019

O acirramento das crises fiscal e financeira na Argentina diminuem as oportunidades para a retomada das atividades econômicas brasileiras no pós-crise. O vizinho sul-americano é o quarto maior destino das exportações nacionais, e lidera a compra de produtos manufaturados, principalmente do setor automotivo. A já fragilizada situação econômica argentina ficou ainda mais delicada com os impactos da Covid-19 no país. A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que o PIB do país recue 9,9% neste ano. O governo do presidente Alberto Fernández tem até o dia 4 de agosto para negociar uma dívida de US$ 65 bilhões (cerca de R$ 332 bilhões) e evitar um novo calote em credores internacionais. O número, porém, é apenas uma fração dos US$ 323 bilhões que a Argentina deve para investidores estrangeiros e órgãos internacionais.

A queda nas importações brasileiras e o recuo em investimentos no país devem ser os primeiros reflexos da recessão argentina na economia do Brasil, aponta João Ricardo Costa Filho, professor de economia da Escola de Relações Internacionais da FGV de São Paulo. A situação, porém, já era delicada antes do início da crise causada pelo novo coronavírus: no ano passado, as exportações ao país vizinho recuaram 34% na comparação com o ano anterior. “Entre janeiro e março do ano passado, a Argentina investiu US$ 100 milhões no Brasil. No mesmo período desse ano, o investimento foi de US$ 2 milhões”, afirma.

A nova recessão também fez os índices do comércio internacional recuarem. As vendas brasileiras devem ter queda de 13,9% neste ano, impactadas principalmente pela retração de 27,3% de manufaturados — em especial os automóveis —, justamente o setor que os argentinos mais importavam, segundo dados da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “Estamos numa lenta tentativa de recuperação. Se temos um dos principais parceiros indo mal e não comprando os nossos produtos, também dificulta o nosso processo de recuperação”, afirma Costa Filho. Além do quadro econômico, um possível calote do governo argentino pode tornar os investidores internacionais receosos em investir nos mercados emergentes, como o brasileiro.

A falta de um acordo entre o governo argentino e os credores internacionais irá impactar ainda mais as relações comercias brasileiras, segundo o professor de economia internacional da Fundação Dom Cabral, Carlos Braga. “A importação de bens e serviços deve ter queda de 12%, enquanto o consumo interno pode recuar 9%”, afirma, também apontando que a situação já vinha se deteriorando antes da pandemia. “Para piorar, ainda tem a situação política. Aqui temos um governo de centro-direita, com orientação liberal, enquanto lá é centro-esquerda, com viés mais protecionista.”

Além dos prejuízos na balança comercial e nos investimentos no país, Cristian Minguens, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios, afirma que há possibilidade que uma crise humanitária causada pelo colapso econômico argentino também incida no Brasil como ocorreu com a onda de imigração venezuelana. “O Brasil não pode contar com a Argentina nesse momento. O importante seria tentar fazer pequenos negócios para deixar uma base de oportunidades pronta para quando a economia melhorar.”

Pior crise desde o início dos anos 2000

O atual impasse econômico argentino é a soma de uma série de investimentos mal planejados ao longo da última década, descontrole das contas públicas e disparada da inflação. “Gastaram muito para aquecer a economia, mas ela não respondeu. Fizeram corte de juros para impulsionar o índices econômicos, mas isso gerou inflação e não apareceu o crescimento esperado”, explica Costa Filho, da FGV. O resultado é a pior crise no país desde a histórica recessão no início dos anos 2000. “Hoje, o principal foco é no descontrole fiscal, que acabou gerando enorme dificuldade do Banco Central em baixar a inflação”, afirma. A inflação acumulada no país é de 42,2% nos últimos 12 meses.

O ex-presidente Maurício Macri foi eleito em cima de uma reforma de austeridade fiscal e controle de gastos. A agenda liberal, porém, não se mostrou eficaz diante do cenário. Tanto em um cenário econômico, quanto em um político e social, os ajustes enfrentaram uma série de barreiras. Braga, da Fundação Dom Cabral, também afirma que a troca de um governo pró-liberal para uma gestão mais protecionista abalou a situação do país aos olhos dos investidores. “A eleição de Fernández criou tensões no mercado internacional pelo histórico do partido peronista em negociar dívidas”, afirma.

Caso a Argentina não honre os pagamentos, a situação ficará ainda pior. “O país vai ter dificuldade em acessar os mercados internacionais, e isso vai ser uma barreira a mais ao seu crescimento”, afirma Costa Filho. “Será feito um acordo. Mas, caso contrário, o país vai enfrentar os mesmos problemas de 2001, como a falta de investimentos externos e a perda de credibilidade com os mercados internacionais”, diz Braga.

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