Falta de dinheiro e incertezas freiam vendas online de eletrônicos na nova onda da pandemia no Brasil

Um dos setores responsáveis pela disparada do e-commerce em 2020, esses aparelhos enfrentam momento de desafio em meio ao prolongamento da crise sanitária

  • Por Gabriel Bosa
  • 24/04/2021 10h00
Alizée Baudez/Unsplash Mudança de hábitos de consumidores de diferentes classes sociais pressiona vendas online de eletroeletrônicos em 2021 Mudança de hábitos de consumidores de diferentes classes sociais pressiona vendas online de eletroeletrônicos em 2021

Se a primeira onda da pandemia do novo coronavírus em 2020 revolucionou o comércio eletrônico com as mudanças impostas pelo novo regime de isolamento social, o mesmo não deve se repetir na atual fase da crise sanitária. Os consumidores estão mais pobres, estão menos confiantes com a retomada da economia e estão de olho na reabertura total de serviços até o fim do ano. Esses fatores devem frear o clima de otimismo no e-commerce brasileiro neste ano. Levantamento da GfK, consultoria global especializada em pesquisas de mercado, aponta que o segmento de eletroeletrônico, um dos líderes das vendas digitais no ano passado, deve passar por um momento de desafio enquanto os consumidores de diferentes perfis se adequam à realidade exigida pelo prolongamento da pandemia por um período maior do que o esperado. “Temos um cenário mais difícil em relação ao poder de compra dos consumidores de menor renda e com a classe média mais seletiva nas escolhas de produtos”, afirma Fernando Baialuna, diretor da GfK Brasil. “Estamos trabalhando com um prognóstico conservador e sem muitas apostas.”

O interesse dos brasileiros por produtos eletrônicos disparou 69% entre janeiro e março deste ano, na comparação com o mesmo período de 2020 – quando ainda a pandemia estava longe da realidade no Brasil – , em meio ao processo de adequação ao trabalho remoto e à nova rotina dentro de casa. O salto de 105% nas vendas de tablets — geralmente usados como segunda tela durante o trabalho ou para entreter crianças com vídeos e jogos —, é um dos reflexos dessa mudança. Os dados da consultoria também mostram que a compra de fritadeiras elétricas (conhecidas como airfryer), mais práticas e vistas como saudáveis por não usarem óleo na preparação dos alimentos, subiu 112%, enquanto a busca por aparelhos de som cresceu 161% no mesmo período. A aquisição de mais artigos de tecnologia não foi a única mudança das pessoas. Os itens de construção e reforma foram uns dos responsáveis pela disparada da inflação no ano passado diante do grande interesse das pessoas em deixar seus lares mais adequados para o isolamento social.

As bases que possibilitaram esse consumo maior em 2020, no entanto, não fazem mais parte da realidade deste ano. O auxílio emergencial, apontado como um dos grandes responsáveis pelo consumo das classes mais pobres, foi renovado apenas em abril, com valor e abrangência muito menores do que os do ano passado. Ao mesmo tempo, as expectativas de recuperação da economia logo no início de 2021 foram frustradas com a piora da pandemia e a demora na vacinação em massa da população. A inflação, que corrói o poder de compra dos brasileiros, se mostra mais persistente do que o previsto e chegou a 6,1% nos 12 meses encerrados em marçocom projeção de subir até 8% em maio. Segundo Baialuna, aqueles que conseguirem economizar algum dinheiro em meio a esse processo de recessão deverão segurar os gastos até o fim do ano, quando está prevista a imunização da maioria das pessoas e a normalização de serviços, como hotéis e viagens. “O consumidor que tiver uma renda no último trimestre, que será uma parcela muito menor do que no ano passado, deverá ter mudanças de prioridades, passando a gastar mais com serviços e experiências fora do lar”, afirma. Para o especialista, a mudança de comportamento se assemelha a um pêndulo. “Em 2020, tivemos um cenário onde as pessoas estavam em isolamento e investiram para melhorar suas casas para viver o lockdown. Já o cenário de 2021 será o de focar os gastos na retomada social.”

Apesar das dificuldades no setor de eletroeletrônicos esperadas para este ano, o boom nas vendas online impulsionado pela pandemia é visto como irreversível. As vendas por plataformas digitais, que já registravam crescimento constante nos últimos anos, aumentaram 73%, segundo dados compilados pela Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. Parte deste crescimento vem de pessoas que nunca haviam feito compras pela internet, mas com as lojas e shoppings fechados por causa da pandemia, foram obrigadas se adequar. “A digitalização é um processo irreversível que foi acelerado pela pandemia”, afirma o diretor da GfK Brasil. O varejo costuma classificar as vendas por físicas, quando o cliente vai na loja e adquire o produto, ou digital, ou seja, o processo todo é feito online. Nos últimos anos, no entanto, surgiu o conceito “figital”, unindo parte das duas jornadas. “O cliente acompanha as avaliações de produtos online, mas também vai na loja física para pesquisar antes de fechar a compra pela internet”, afirma. Pesquisa da GfK aponta que esse modelo já é responsável por 55% das compras de produtos eletroeletrônicos pela web. “Caberá ao varejo entender essa mudança e oferecer experiências melhores para o consumidor, seja no ambiente físico ou no virtual”, diz Baialuna.

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