Inflação sobe e fecha 2020 a 4,5%, o maior índice desde 2016; alimentos ficam 14% mais caros

Impulsionado pela disparada do óleo de soja e do arroz, IPCA encerra o último ano acima da meta de 4% perseguida pelo Banco Central; aumento está acima do esperado pelo mercado financeiro

  • Por Jovem Pan
  • 12/01/2021 09h05 - Atualizado em 12/01/2021 09h24
Tânia Rêgo/Agência Brasil Área de frutas em supermercado Valor aumentou em 16 das 17 capitais pesquisadas pelo Dieese

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação brasileira, fechou 2020 com alta de 4,52%, pressionado principalmente pelo encarecimento dos alimentos diante da disparada do dólar e o aumento das demandas doméstica e internacional. Este é o maior valor para a inflação nacional desde 2016, quando o IPCA encerrou com alta de 6,29%, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta terça-feira, 12. Em 2019, a variação de preços foi de 4,31%. O índice ficou acima da meta de 4% perseguida pelo Banco Central — com margem para variar entre 2,5% e 5,5%. Para 2021, o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu o centro da inflação em 3,75%, com limites de 2,25% e 5,25%. O índice veio acima do esperado pelo mercado. Economistas e entidades consultados pelo BC estimavam que o IPCA encerrasse 2020 com alta de 4,37%, segundo números do Boletim Focus publicados nesta segunda, 11. Em dezembro, a inflação avançou para 1,35%, após alta de 0,89% em novembro. Esta foi a variação mais intensa desde fevereiro de 2003 e a maior para um mês de dezembro desde 2002.

A disparada do valor dos alimentos foi o principal vilão para a inflação no ano passado. A alta de 14,09% foi puxada principalmente pelo encarecimento de 103,79% do óleo de soja e 76,01% do arroz. Outros itens importantes na cesta das famílias também tiveram altas expressivas, como o leite longa vida (26,93%), as frutas (25,40%), as carnes (17,97%), a batata-inglesa (67,27%) e o tomate (52,76%). A alta no grupo foi a maior desde 2002, quando fechou com avanço de 19,47%. A pressão inflacionária é resultado de uma “tempestade perfeita” causada pela pandemia do novo coronavírus na economia do mundo inteiro. Com as restrições impostas pelas medidas de isolamento social, os brasileiros passaram a consumir mais alimentos em casa, aumentando a demanda sobre esses produtos. Ao mesmo tempo, a recuperação antecipada de outros países, principalmente da China, fez crescer a procura por alimentos, em especial a carne, o arroz e a soja (que é usada como ração para criação de animais), entre outras commodities. Além de não ter opção de comer fora, o auxílio emergencial distribuído pelo governo federal aumentou o poder de consumo de milhões de brasileiro e impulsionou as vendas de diversos setores, como o de materiais de construção e eletrônicos, além do próprio grupo de alimentos e bebidas. O governo federal tentou conter a disparada do valor do arroz com a isenção de tarifas para a importação do produto a partir de setembro, mas a medida não surgiu efeito na queda dos preços. Em paralelo essa mudança de comportamento dentro do país, a crise econômica fez o real desvalorizar muito ante o dólar. Essa queda do câmbio favoreceu as exportações, fazendo com que os produtores dessem preferência para as vendas internacionais, prejudicando ainda mais o mercado doméstico. Por outro lado, o fortalecimento da divisa norte-americana aumentou os custos para a importação, e produtos que tem em sua base insumos ou matérias-primas de outros países acabaram encarecendo nas prateleiras.

Os dados divulgados pelo IBGE também apontam a alta de 5,25% no preço da habitação, puxada principalmente pelo encarecimento de 9,14% da energia elétrica. O disparada do dólar também pressionou o encarecimento de 6% nos artigos de residência, principalmente os eletrodomésticos, equipamentos e artigos de TV, som e informática. Somados, os grupos de alimentação e bebidas, habitação e artigos de residência corresponderam por cerca de 84% da inflação no ano passado. Já os transportes, segundo maior peso na composição do indicador, fecharam o ano com alta de 1,03%. “Tivemos quedas fortes, em abril e maio, por conta do preço da gasolina, que fechou o ano em queda (-0,19%), apesar das seis altas consecutivas de junho e dezembro. As passagens aéreas tiveram uma queda de 17,15% no acumulado ano, ajudando a puxar o resultado para baixo”, afirma Pedro Kislanov, gerente da pesquisa do IPCA. O vestuário foi o único grupo pesquisado pelo IBGE que registrou variação negativa, fechando o ano com queda de 1,13%. “Por conta do isolamento social, as pessoas ficaram mais em casa, o que pode ter diminuído a demanda por roupas. Tivemos quedas em roupas femininas (-4,09%) e masculinas (-0,25%) e infantis (-0,13%), calçados e acessórios (-2,14%). A única exceção foram joias e bijuterias (15,48%), por causa da alta do ouro”, afirma Kislanov.

Dados divulgados pelo IBGE durante todo o ano apontam a mudança da curva inflacionária a partir de setembro, quando o IPCA disparou para alta de 0,64% ante agosto. Desde então, o índice galopou para níveis cada vez maiores, alcançando 0,86% em outubro e 0,89% em novembro. Meses antes, o efeito da pandemia fez justamente o caminho inverso, causando deflação — ou seja, a inflação negativa —, de 0,31% em abril e 0,38% em maio. “Essa alta reflete a série de pressões sofrida pelos alimentos, principalmente no segundo semestre do ano passado. O primeiro fator foi a valorização das commodities no mercado internacional, com foco no arroz, soja, minério de ferro e carne. O segundo fator é o dólar mais caro, e a desvalorização do real diante da moeda norte-americana”, afirma Mauro Rochlin, economista e professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Rio). A Selic é o principal instrumento do Banco Central para controlar a inflação. Na última reunião de 2020, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa básica de juros a 2% ao ano, o menor nível histórico, mas sinalizou que deve reverter a tendência de baixa nos próximos encontros. Segundo o Boletim Focus, os economistas e analistas consultados pelo BC esperam que a Selic encerre 2021 a 3,25% ao ano. Na edição anterior, a expectativa era que a elevação da taxa de juros chegasse a 3%. O colegiado voltará a se reunir nos dias 19 e 20 deste mês para debater a manutenção ou mudança da taxa. Os dados estimados pelo mercado financeiro estão de acordo com a opinião de Rochlin, que enxerga espaço para crescimento da Selic para até 3,5% neste ano, mas não de imediato. “A mudança deve vir na reunião seguinte, com o início de um novo ciclo de alta na taxa básica de juros”, afirma.

INPC fica abaixo do IPCA

O IBGE também divulgou que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), considerado a inflação dos mais pobres, encerrou 2020 com alta de 5,45%, acima dos 4,48% de 2019. Em dezembro, o INPC acelerou para 1,46%, frente a alta de 0,95% registrada em novembro. Foi o maior resultado para o mês de dezembro desde 2002, quando o índice ficou em 2,70%. Em dezembro de 2019, a taxa foi de 1,22%. Pedro Kislanov observa que INPC ficou acima do IPCA, tanto no acumulado do ano quanto na comparação mensal. “Isso é explicado, em grande medida, pelo peso de alimentação e bebidas na cesta de produtos e serviços das famílias, que é maior no INPC do que no IPCA. Habitação também tem peso maior, especialmente por causa da energia elétrica”. O INPC é calculado com base em famílias com rendimento de um a cinco salários mínimos, sendo o chefe assalariado, em dez regiões metropolitanas do país, além dos municípios de Goiânia, Campo Grande, Rio Branco, São Luís, Aracaju e de Brasília. Já o IPCA abrange famílias que ganham até 40 salários mínimos, qualquer que seja a fonte.

 

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