‘Inflação vai cair mais rapidamente do que se previa no segundo semestre’, diz Maílson da Nóbrega

Em entrevista à Jovem Pan, ex-ministro da Fazenda também critica a PEC das Bondades, classificada como ‘desastre fiscal’, e avalia como o cenário de recessão global pode impactar os rumos do Brasil

  • Por Luis Filipe Santos
  • 17/07/2022 07h00
Denise Andrade/Estadão Conteúdo mailson da nobrega sorrindo, de terno e gravata Maílson da Nóbrega foi ministro da Fazenda durante o governo de José Sarney

A inflação deve cair no segundo semestre de 2022 devido à aprovação do projeto de lei que instituiu um teto no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte público. É o que prevê o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega em entrevista à Jovem Pan. Hoje sócio da Consultoria Tendências, o economista estima que a baixa seja de 1,5% a 2% no aumento de preços que seria verificado sem a medida aprovada pelo Congresso Nacional. No entanto, Nóbrega faz a ressalva: a lei viola o pacto federativo por mexer em um imposto de competência estadual e será questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) por governadores – enquanto não há uma decisão da Corte, o limite de 18% na alíquota segue em vigor.

O economista também não poupa críticas à PEC das Bondades, texto promulgado no Congresso na quinta-feira, 14, que cria e turbina benefícios sociais a menos de três meses da eleição: aumenta o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 por família e zera a fila de espera para o programa assistencial; cria um auxílio para caminhoneiros no valor de R$ 1.000 mensais e outro para taxistas, ainda sem valor definido; dobra o Vale-Gás, que passará a conceder o valor um botijão de 13kg a famílias pobres a cada dois meses, e ainda ajuda os municípios a terem gratuidade para idosos no transporte público. 

Para Maílson, a PEC cria problemas por driblar o teto de gastos, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a lei eleitoral. O teto estabelece que as despesas do governo federal devem ser limitadas à inflação do ano anterior, mas os R$ 41,25 bilhões da PEC não estarão sujeitos a ele. A LRF determina que aumentos de despesa têm que ser compensados por elevações correspondente de receitas ou por anulações de gastos equivalentes, o que Nóbrega considera que não será feito. Por fim, a lei eleitoral estipula que o governo não pode criar novos benefícios em anos de eleições, para evitar que a máquina pública seja usada em favor dos que já foram eleitos e buscam novas vitórias nas urnas. Para evitar essa lei, a PEC prevê que seja declarado estado de emergência, o que permitiria a criação dos programas, atitude da qual o economista discorda. Para ele, o governo poderia ter buscado formas de ajudar os mais pobres anteriormente, mais perto do início da guerra na Ucrânia, que causou crescimento da inflação em escala global. Confira os principais trechos da entrevista:

Qual a opinião do senhor sobre a PEC das Bondades? Tem mais benefícios ou malefícios? Essa PEC é um desastre do ponto de vista fiscal, porque cria novos furos no teto de gastos e burla as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal. O ministro da Economia [Paulo Guedes] diz que ela é nula em seus efeitos fiscais, certamente ele está considerando que vai dar como contrapartida os efeitos da privatização da Eletrobras, dos royalties de petróleo e do aumento de arrecadação gerado pela inflação, mas isso não faz o menor sentido. Em um país em crise fiscal, receitas extraordinárias servem para minimizar o risco de insustentabilidade e não para assegurar novas despesas. Além disso, a forma como a emenda foi aprovada representa uma avacalhação institucional. Constituições são as leis maiores de um país, elas contém regras permanentes, principalmente aquelas que protegem a sociedade contra o arbítrio e a irresponsabilidade, por isso, emendas constitucionais devem obedecer a um rito mais complexo que as leis comuns, e, portanto, mais demorado. É preciso muita reflexão para fazer mudanças na Constituição. Nos Estados Unidos, uma emenda constitucional precisa ser aprovada pelo Congresso e por mais de três quartos das assembleias legislativas estaduais, normalmente são necessários mais de dois anos para se aprová-las. Aqui no Brasil, os regimentos das duas casas do Congresso estabelecem regras mais complexas e de cumprimento mais demorado. Tem que obedecer um número de sessões, um número de sessões no dia entre o primeiro e o segundo turno, tem que passar por duas comissões em cada casa, o que leva, normalmente, seis meses ou mais. A PEC foi aprovada praticamente sem debate no Senado, sequer passou pelas comissões, e o intervalo entre as votações foi de apenas uma hora. O mesmo atropelo aconteceu na Câmara. Ou seja, uma análise adequada pode ser de que o Brasil está se tornando uma República de bananas, em que as regras básicas e permanentes do jogo fiscal e democrático podem ser alteradas à matroca, da noite para o dia. Pode nos custar caro no futuro, porque mina a confiança da sociedade, dos empresários e dos investidores nas regras do jogo.

O senhor teria agido de outra maneira na questão da PEC? É difícil dizer, uma coisa é estar fora falando, outra é estar dentro. Mas o governo poderia ter agido muito antes, sem precisar recorrer a uma PEC para driblar as regras eleitorais. É um atentado à democracia, porque essas regras são feitas para evitar que os governos da hora usem seu poder para influenciar votos. O governo poderia ter feito muito antes. A Guerra na Ucrânia começou há quase cinco meses. Se o governo tivesse agido antes, não precisaria quebrar a regra eleitoral. O governo sabe do problema há cinco meses. Podia ter feito um decreto-lei com essas medidas, mas aí precisaria observar o teto de gastos, e precisaria adiar despesas. Eu sei que é difícil fazer, mas quem está no governo, é para fazer coisas difíceis também.

Ainda na política, qual o reflexo dessa escalada da polarização entre Bolsonaro e Lula na economia brasileira e nos mercados financeiros? No momento, nenhum, porque essa polarização já existe há praticamente um ano e o que tem que produzir, já produziu. A percepção geral é de que não há espaço para uma terceira via a não ser que algo de extraordinário aconteça, sob efeito do Sobrenatural de Almeida, como diria Nelson Rodrigues. Então, a escolha vai ser mesmo entre Bolsonaro e Lula, tudo indica.

O que podemos esperar para o segundo semestre de 2022, em termos de inflação e juros? A inflação vai cair, mais rapidamente do que se previa, porque o governo, antes da PEC, violou o pacto federativo e conseguiu aprovar uma lei inconstitucional interferindo no ICMS dos Estados. Os governadores vão cumprir, mas muitos vão recorrer no Supremo, com a alegação da inconstitucionalidade dessa lei. Enquanto o Supremo não se pronuncia, tem que cumprir a lei, e isso vai ter impacto baixista na inflação, dependendo do cálculo que se faça, de 1,5 % a 2%. Já quanto aos juros, a tendência é continuarem nas alturas. A Selic vai continuar subindo. Nós, na Tendências, já prevemos mais duas altas, uma agora em julho e outra em setembro, e a Selic vai terminar esse ciclo provavelmente em 14%. Além disso, a irresponsabilidade fiscal do governo e do Congresso estão impactando negativamente as expectativas. A curva de juros futuros continua crescendo, e é a que importa para o crédito. O crédito vai ficar mais caro, o que afeta a atividade econômica.

A taxa de desemprego tem caído nos últimos meses. Podemos esperar que o movimento continue? Tudo indica que vai ficar nesse nível, em torno de 10%. Acho difícil que volte a cair até o fim do ano. No segundo semestre a gente pode observar uma desaceleração na taxa de crescimento da economia. A gente tem o efeito da Selic, que deve ser mais forte agora, porque a taxa de juros do Banco Central gera efeitos na economia entre três e cinco trimestres depois de sua adoção. Nós estamos completando nove meses agora, do início desse ciclo. A partir de agora, a Selic vai ficar mais restritiva, até que atinja o auge daqui a seis meses em sua influência na virada econômica. Em segundo lugar, a economia mundial está dando sinais de desaceleração, ou de recessão, agora ou em 2023, e isso está influenciado o dólar nos mercados mundiais, que está se valorizando. Isso acarreta em desvalorização do real, que é potencializada pelas incertezas decorrentes do populismo eleitoral e da irresponsabilidade fiscal do governo.

Ao mesmo tempo em que o desemprego tem caído, a renda total dos trabalhadores não cresce, segundo o IBGE. O que causa isso? É um efeito natural da situação do país. A recuperação da economia está acontecendo mais acentuadamente no setor de serviços, particularmente os que exigem contato pessoal. São serviços de menor produtividade e muito associados à informalidade, o que significa que o emprego está aumentando em segmentos de salários mais baixos. Além disso, diante da situação econômica, de alto desemprego, os trabalhadores não têm maior capacidade de barganha para reivindicar salários mais altos, e muitos que estavam desempregados aceitam menor remuneração.

O Banco Central indicou na última reunião do Comitê de Política Monetária que deve aumentar mais a taxa de juros. Na opinião do senhor, esse movimento é correto? A meu ver, é. O Banco Central está aumentando a taxa de juros não é para baixar a inflação de 2022, ele não tem como fazer isso, por causa da defasagem que mencionei entre a ação e o efeito. O Banco Central está mirando 2023 e 2024, para evitar que a inflação presente contamine a inflação futura. Se contaminar, pode levar a um custo mais alto para desinflar a economia no futuro. A PEC tem seus efeitos, porque impactou negativamente as taxas de câmbio, com efeitos inflacionários. Esse é o principal efeito que contribuiu para a mudança das previsões. Por outro lado, uma recuperação mais forte no mercado de trabalho é bem vinda mas também pode ter efeitos inflacionários.

Caso a recessão global se concretize, como o Brasil seria impactado? O Brasil será afetado de duas formas. Primeiro, na redução da atividade econômica, porque vamos ter uma perda de comércio com o resto do mundo, já que uma recessão significa uma menor demanda de nossos produtos exportáveis, e também menores preços. O segundo é que tem o lado financeiro dessa recessão resultante do aumento das incertezas. Isso pode significar queda de investimentos estrangeiros nas empresas e no mercado financeiro, o que impacta no câmbio e na inflação. Uma recessão global vai produzir uma queda no preço das commodities, tanto no petróleo quanto nos minerais e as de origem rural. O Brasil deve ter uma queda do superávit comercial. Mesmo com uma possível queda no preço do petróleo que reduza os preços dos combustíveis, a tendência é o Brasil perder mais do que ganhar, porque nosso volume total de exportações é maior do que o de importações.

Com o cenário global de continuidade da guerra na Ucrânia e possibilidade de lockdown na China, como o Brasil pode agir? O Brasil não tem nenhuma força para se contrapor a movimentos como esses. Aliás, nenhum país tem. O que se pode fazer, e o Brasil está fazendo, é minimizar os efeitos desse processo para as camadas menos favorecidas da população, com o auxílio emergencial, o aumento no Auxílio Brasil, programas de crédito para preservar o emprego. Mas as causas estão fora do nosso alcance. O Brasil só não fez o que os americanos fizeram, de gastar trilhões em infraestrutura, porque não tem capacidade fiscal para tal.

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