PEC sugere alterar regra do teto de gastos e liberar mais de R$ 80 bilhões no Orçamento de 2022

Valor deve ser usado para elevar o Auxílio Brasil, o programa social idealizado pelo governo Bolsonaro para substituir o Bolsa Família; projeto prevê o atendimento a 17 milhões de famílias

  • Por Jovem Pan
  • 21/10/2021 16h26 - Atualizado em 21/10/2021 19h25
Marcos Santos/USP Imagens cédulas de dinheiro Relatório prevê o limite de R$ 40 bilhões para o pagamento anual dos precatórios, com base no valor cobrado em 2016

O novo relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, apresentado na sessão especial da Câmara nesta quinta-feira, 21, sugere alterar o prazo de correção do teto de gastos, com potencial de abrir mais de R$ 80 bilhões no Orçamento de 2022, ano que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deve tentar a reeleição. O novo parecer do relator Hugo Motta (Republicanos-PB) prevê mudar o período acumulado do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de janeiro a dezembro. Desde 2017, quando a regra fiscal entrou em vigor, o valor leva em consideração o acumulado nos 12 meses encerrados em junho. De acordo com o relator, a mudança resultaria em um ganho de R$ 39 bilhões nas contas públicas. Somado ao acumulado de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões previsto com o adiamento do pagamento dos precatórios, a PEC traria espaço estimado de R$ 83 bilhões. Os parlamentares ainda estão debatendo a medida.

Na prática, a PEC antecipa a reanálise do teto de gastos, prevista apenas para 2026. Segundo o relator, as mudanças mantêm o compromisso do governo com a responsabilidade fiscal. “Estamos trazendo a correção do teto de gastos de janeiro a dezembro para que possamos encontrar saída no espaço fiscal para cuidarmos de quem mais precisa”, disse Motta. O valor deve ser usado para elevar o Auxílio Brasil, o programa social para substituir o Bolsa Família, para R$ 400 até dezembro de 2022. O orçamento prevê atender 17 milhões de famílias. A mudança na regra fiscal já havia sido adiantada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, nesta quarta-feira, 20. O chefe da equipe econômica também havia citado que o governo estudava deixar R$ 30 bilhões fora do teto de forma temporária, uma espécie de “licença”, para pagar o benefício. O mercado financeiro reagiu de forma negativa às propostas de alterar as regras da principal âncora fiscal do governo federal. O dólar operou com forte alta e chegou encostar em R$ 5,70, o maior valor em seis meses, enquanto o Ibovespa, referência da Bolsa de Valores, despencou mais de 3%.

O relator negou que a mudança altera o arcabouço fiscal do governo e disse que o movimento visa atender os reflexos gerados pela crise do novo coronavírus nas contas públicas. “Quando se fez a lei do teto de gastos, não estava previsto que o Brasil e o mundo enfrentariam uma pandemia. Tivemos que nos adequar a essa nova realidade, o parlamento decidiu que para enfrentarmos a pandemia, precisávamos gastar um pouco mais do que o previsto.” Motta também afirmou que o valor que sobrar com a aprovação da medida será usado para outros fins. Segundo o relator, R$ 24 bilhões serão empregados para reajustar as despesas gerais da União pela inflação. Outro montante será gasto para que o pagamento do Auxílio Brasil seja 20% maior do que o do Bolsa Família, chegando a aproximadamente R$ 240. Mais uma parte será usada para inflar esse valor para R$ 400 a partir de dezembro, com duração de 12 meses. “Esse auxílio que estamos colocando é temporário. Não estamos criando despesas fixas, estamos reajustando o valor do auxílio e equilibrando em R$ 400 porque entendemos que esse é um valor justo para ajudar na manutenção dessas famílias.” O relator ainda disse que parte do valor da PEC será usado para a compra de vacinas no ano que vem.

A votação estava originalmente prevista para a semana passada, mas foi suspensa após pedido de vista coletivo para que os parlamentares pudessem estudar o texto. A sessão também foi adiada por duas vezes nessa semana para ajustes. O relator apresentou parecer favorável ao projeto que visa alterar as regras de pagamento das dívidas da União que não possuem mais recursos na Justiça. O relatório prevê o limite de R$ 40 bilhões para o pagamento anual dos precatórios, com base no valor cobrado em 2016, ano de criação do teto de gastos, corrigido pela inflação. Caso seja aprovado pela comissão, o texto segue para votação no plenário da Câmara, onde precisa passar por duas votações e alcançar o apoio de ao menos 308 parlamentares em cada turno. Após esse processo, a PEC é encaminhada para votação no Senado. A conta com precatórios em 2022 foi a R$ 89,1 bilhões, bastante acima dos R$ 54,7 bilhões previstos no Orçamento de 2021. O relatório determina que os valores menores terão prioridade no pagamento, e os que excederem o limite estarão entre os primeiros a serem quitados no ano seguinte. O relator retirou do texto a sugestão do governo federal em parcelar em até 10 anos o pagamento das dívidas, mas incluiu a possibilidade de divisão dos débitos de precatórios dos municípios em até 240 meses.

A mudança do prazo do IPCA para calcular o teto foi acrescentada na PEC dos Precatórios como solução encontrada para financiar o Auxílio Brasil após a trava da reforma do Imposto de Renda no Senado. A equipe econômica sempre se posicionou contra mudanças na regra fiscal para bancar o programa social, mas foi vencida pela pressão exercida pela ala política do Planalto. Segundo Guedes, a estratégia da Economia era custear o Auxílio Brasil com a PEC dos Precatórios para abrir espaço no Orçamento, com verbas carimbadas pela reforma do Imposto de Renda, que está parada no Senado. A última parte encontra forte resistência e o relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que vai mudar a proposta encaminhada pelo governo e aprovada pela Câmara. De acordo com Guedes, o governo busca ser reformista e popular, e não populista. “Continuaremos lutando por reformas. Quem dá o timming das reformas é a política. Se a política quisesse, ela faria a reforma do Imposto de Renda e nos daria um programa permanente. Como a política não entregou no Senado a reforma do Imposto de Renda, nós temos que fazer o mesmo olhar de solidariedade aos mais frágeis, só que não conseguimos o mesmo nível permanente, tem que ter um componente transitório”, disse.

O governo federal confirmou nesta quarta que o Auxílio Brasil vai ser pago a partir de novembro, com acréscimo de 20% sobre o valor Bolsa Família e mensalidade mínima de R$ 400. A previsão é que o novo benefício atenda 16,9 milhões de cadastros, ante as 14,7 milhões famílias integradas atualmente. O ministro da Cidadania, João Roma, afirmou que a alta será linear para todos os integrantes do programa. “Existem famílias que estão recebendo menos de R$ 100, e outras que recebem até mais de R$ 500”, disse. “Portanto, os 20% não é em cima de um valor unitário, mas sobre a execução de todo o programa Auxílio Brasil.” O valor médio pago pelo Bolsa Família é de R$ 189. Com o acréscimo, a mensalidade subiria para R$ 226. De acordo com o ministro, o aumento deve fazer parte das despesas permanentes do Orçamento. “Não estamos aventando que o pagamento desses benefícios se dê através de crédito extraordinário. Estamos buscando dentro do governo todas as possibilidades para que o atendimento desses brasileiros necessitados siga de mãos dadas com a responsabilidade fiscal.”

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