Reforma tributária afasta especuladores da Bolsa e beneficia quem investe no longo prazo
Taxação de 20% sobre dividendos tira a atratividade de quem busca ganhar em cima da distribuição dos lucros, mas impulsiona valorização de empresas que precisam de capital para expandir as operações
O relatório preliminar da reforma tributária, caso aprovado como está, vai impactar no comportamento dos investidores brasileiros e afastar, ao menos nos primeiros meses, especuladores do mercado de ações. Ao mesmo tempo, as mudanças tendem a aumentar a aplicação interna de capital das empresas listadas na Bolsa de Valores brasileira, a B3. No médio e longo prazos, esses investimentos refletirão na valorização das empresas — e em mais dinheiro para quem tiver suas ações em mãos. A taxação de 20% dos dividendos proposta pelo Ministério da Economia e mantida pelo relator do texto na Câmara, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), é o ponto central desta mudança no fluxo do mercado. O tributo deve fortalecer outros tipos de investimentos, como os fundos imobiliários — que tiveram a taxação derrubada pelo relator —, e a renda fixa — que volta a se tornar atrativa com o movimento de alta dos juros pelo Banco Central. Outros investimentos isentos de taxação para o setor imobiliário e o agronegócio, distribuídos pela sopa de letras LCA, LCI, CRA e CRI, também se tornaram mais atraentes.
Desde 1976, as empresas listadas na Bolsa de Valores brasileira devem distribuir ao menos 25% do seu lucro anual — também chamado de dividendo — aos acionistas, mas algumas optam por índices maiores, chegando a até 90%. Para analistas financeiros e especialistas em direito tributário, a nova carga de impostos vai levar as companhias a reduzir este percentual para o mínimo e desestimular os investidores que buscam ganhar em cima desta comunhão dos lucros. “O sentimento no curto prazo é negativo e deve levar à queda da Bolsa com muitos investidores vendendo as suas posições”, afirma Joni Vargas, sócio da Zahl Investimentos. “Esse movimento combinado da tributação de dividendos e o aumento da Selic faz com que os investidores busquem um porto seguro para os seus recursos, como a renda fixa, até eles entenderem essa nova realidade.” O aumento dos dividendos deve ter impacto maior no pequeno investidor que enxerga na Bolsa de Valores uma forma de acumular poupança em cima desses dividendos, e que agora vai ter que passar a abrir mão de 20% do total como forma de imposto. “Dói no bolso e também no ouvido. Há todo um aspecto psicológico por trás dessa porcentagem de tributação”, diz Alexandre Motonaga, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Para quem mira no longo prazo, porém, a taxação dos dividendos deve se reverter em lucro. O valor que as empresas deixarão de distribuir será incubado nas suas operações — que pode se transformar no aumento de contratações, na aquisição de maquinários ou na ampliação de unidades de produção. Essas melhorias levam ao aumento da produtividade e, consequentemente, ao valor no mercado financeiro. “O investidor que busca o crescimento através da valorização do patrimônio terá um impacto menor com a tributação”, diz Fernando Scofano, consultor de valores mobiliários da K1 Capital Humano. O movimento vai favorecer especialmente empresas de segmentos que necessitam de grande capital de investimentos para se expandir ou manter as operações. Companhias de tecnologia, que tradicionalmente levam anos para reverter a suas operações em lucros — vide a Tesla —, tendem a ser bastante beneficiadas. As vantagens também vem a calhar ao processo de expansão das gigantes do varejo e os massivos investimentos tecnológicos despendidos pelas instituições financeiras. Na outra ponta, as ações de empresas que são boas geradoras de dividendos e são maduras o suficiente para não necessitarem de grandes investimentos, como as companhias elétricas, não sofrerão os reflexos dessa mudança do fluxo do dinheiro.
As mudanças mantidas pelo relator também podem influenciar os adeptos do day trade, técnica de negociação de ações em um curto intervalo de tempo. Apesar de grande parte dos especialistas do mercado financeiro não recomendarem, a prática ganhou fama nos últimos anos com a popularização de influenciadores financeiros nas redes sociais. Sabino deixou no relatório a proposta da equipe econômica de taxação de 15% sobre negociações na renda fixa e variável. O relatório, no entanto, retira a tributação dos come-cotas — como é chamada a antecipação da tributação do Imposto de Renda de fundos de investimentos — dos fundos imobiliários e de do agronegócio. Para Frederico Bastos, professor de direito tributário do Insper, a versão do relator atende a grande parte das reivindicações do mercado e ainda traz uma redação mais clara do que o documento original desenhado pelo Ministério da Economia. “A primeira proposta tinha mais de 20 temas para serem alterados, enquanto a nova foca em cinco assuntos, o que gera um otimismo maior dos investidores”, afirma.
Entenda os principais pontos da reforma tributária
Ainda não há previsão para a aprovação da reforma no Congresso Nacional. O texto está com o relator, que ainda pode fazer mudanças antes de apresentar uma versão final. O projeto tem de ser votado ainda neste ano para ter validade a partir de 2022. O relatório da segunda etapa da reforma tributária foi apresentada na terça-feira, 13, aos líderes do Congresso. O texto foi concebido em cima do documento original entregue pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no fim de junho. Desde 1996, os dividendos são isentos de tributação no país. A proposta de Sabino define a taxação de 20% para micro e pequenas empresas que distribuem mais de R$ 20 mil por mês. Na última semana, porém, o parlamentar afirmou que estuda rebaixar o limite para R$ 2.500. As mudanças não devem gerar efeito nos investimentos, já que miram em companhias menores.
Entre as principais alterações, o texto de Sabino propôs o corte de 12,5 pontos percentuais no Imposto de Renda para Pessoas Jurídicas (IRPJ). A medida prevê a redução da atual cobrança de 15% para 5% em 2022 e 2,5% a partir de 2023. No projeto original, a equipe econômica propôs dois cortes seguidos de 2,5 pontos percentuais em 2022 e 2023. O texto mantém a cobrança adicional de 10% para empresas que ganham mais de R$ 20 mil por mês e não altera a taxação adicional de 9% sobre Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). No sistema atual, a tributação acumulada chega a 34% para grandes empresas. Com a mudança, a tributação cairia para 12,5% de Imposto de Renda, mais 9% da CSLL, totalizando 21,5%. Para empresas com menos de R$ 20 mil de renda mensal, a medida reduzirá a taxação de 24% para 11,5% em 2023. O parlamentar classificou o texto como “ousado, mas também coerente e prudente”. “O cerne do projeto é exatamente mudar o espectro da tributação no nosso país. Estamos desonerando, reduzindo a carga de quem produz e empreende no Brasil e compensando isso com a tributação dos lucros e dividendos, uma modalidade de tributação aplicada no mundo todo”, afirmou Sabino.
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