Segundo semestre começa com reforma ministerial no radar e expectativa por queda da inflação e dos juros

No Judiciário, há a expectativa pela discussão da descriminalização das drogas e do Marco Temporal das Terras Indígenas, além da aposentadoria de Weber e da posse de Cristiano Zanin

  • Por Caroline Hardt e Tatyane Mendes
  • 29/07/2023 20h00
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Freepik Finanças Dinheiro Política Jurídicio Juiz Reforma tributária e taxa de juros devem ser os focos da economia no próximo semestre 

O primeiro semestre de 2023 foi marcado por diversos movimentos de transformação na política e economia do Brasil. O ano começou com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência do país, prometendo uma série de mudanças em relação ao seu antecessor. Em seis meses, a gestão petista articulou projetos importantes no Congresso Nacional, como o novo arcabouço fiscal, a reforma tributária, o projeto de decreto legislativo (PDL) que sustou a decisão de Lula sobre o saneamento, o PL do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), e o Marco Temporal de ocupação das terras indígenas, além de medidas provisórias, como a MP dos Ministérios. Lula também apostou na agenda internacional e na tomada de relação com autoridades em outros países, principalmente para tratar sobre temas ambientais.

Na economia, o governo Lula conseguiu surpreender com um resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre acima do esperado, com alta de 1,9%. O Ministério da Fazenda também ganhou destaque com medidas como o Desenrola Brasil, isenção da taxação de compras internacionais até US$ 50 e articulações políticas. Os programas de incentivo para carros mais baratos e isenção de imposto em eletrodomésticos também foram destaques. A taxa de desemprego caiu para 8% no segundo trimestre de 2023, e chegou ao menor patamar em 9 anos. Em junho, o governo conseguiu chegar à inflação negativa, com queda de 0,08%. Este foi o primeiro IPCA negativo desde setembro de 2022. Para o segundo semestre, a expectativa de analistas ouvidos pela Jovem Pan é de queda da inflação, da taxa de juros e aquecimento da economia. Já na política, aprovação da reforma tributária, sanção do arcabouço fiscal, definição do Marco Temporal das Terras indígenas e conclusão de comissões parlamentares estão no radar do Congresso, enquanto o governo se prepara para a minirreforma ministerial e próximos compromissos internacionais. No Judiciário, aposentadoria de Rosa Weber e posse do advogado Cristiano Zanin marcam o sequestre.

Previsões para a economia

André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online, afirma que a expectativa para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é de que ele encerre o ano bem próximo ao limite superior da banda de meta de inflação, em 4,9%. “Vamos ter uma inflação baixa em julho e relativamente baixa em agosto, mas os indicadores semanais e as prévias mostram que aquele movimento de deflação incipiente já se acomodou. Ela já volta a rodar perto da estabilidade. A porta está aberta para o cumprimento da meta da inflação deste ano”, considera. A defasagem de preços de combustível no mercado doméstico é um ponto preocupante para o economista, contudo a visão otimista para a deflação é predominante. Em relação ao PIB, os resultados têm sido ambíguos com volatilidade na produção industrial. O varejo e o setor de serviços seguem o mesmo padrão de variação, apesar de apresentarem resultados mais satisfatórios, de acordo com André Galhardo. O aumento da confiança do mercado sustenta a visão do grupo de que o PIB brasileiro deve crescer cerca de 3% em 2023. “É uma análise bastante otimista e em grande medida influenciada pelo resultado do primeiro trimestre do ano, que cresceu 1,9%. O segundo trimestre deve avançar 0,4%; 0,3% no terceiro e 0,4% no quarto”, esclarece.

Mestre em finanças e professor de mercado financeiro da Universidade de Brasília (UnB), Cesar Bergo observa que o mercado de trabalho tem melhorado gradativamente, com queda das taxas de desemprego. Ele acredita que essa melhora deve continuar, mas perder força no médio e no longo prazo. Em relação ao PIB, César estima que o crescimento deve ficar entre 2% e 2,5% em 2023. “O consumo talvez seja a maior incógnita porque temos aspectos relacionados ao nosso crédito, que não cresce. A renda do trabalhador não dá sinais de grandes melhoras, em função dos juros altos. O ambiente político não promove esse apaziguamento tão necessário. Alguma coisa tem que acontecer para melhorar o perfil e o cenário de crédito porque acaba prejudicando decisivamente o consumo. Essa perda de dinamismo da economia, sobretudo da indústria, acaba afetando o crescimento para 2024”, analisa. O especialista prevê um aumento do consumo das famílias em 2% em 2023 e um superávit de cerca de US$ 65 bilhões na balança comercial brasileira. O câmbio deve se manter estável, com valorização do real, o que pode levar a um maior crescimento econômico.

Professor da Strong Business School e Doutor em Desenvolvimento Econômico, Euzébio Jorge Silveira de Sousa, complementa que o indicador de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que inclui investimentos em máquinas, equipamentos e construção civil, registrou um crescimento de 2,4% em maio de 2023 e um trimestre móvel com aumento de 3,0% na comparação dessazonalizada. “Esses números apontam para a expansão da capacidade produtiva e o aumento dos níveis de emprego, tanto nos setores de máquinas, equipamentos e construção civil, quanto em outros setores que identifiquem a necessidade de ampliar a produção. O agronegócio é responsável por grande parte das divisas internacionais que ingressam no país, permitindo a expansão econômica em outros setores estratégicos. Apesar da valorização do real poder estimular as importações e desestimular as exportações, o dólar abaixo de R$ 4,75, o menor patamar dos últimos 12 meses, pode favorecer as exportações do agronegócio, especialmente com o fim do acordo de grãos entre Rússia e Ucrânia, o que tende a impulsionar as exportações brasileiras. Dessa forma, a expectativa é de crescimento das exportações e superávit na balança comercial”, avalia. 

O economista Francisco Rodrigues pondera que a taxa de desemprego deve cair ainda mais ao longo do segundo semestre. Ele cita uma redução de 16,5% na população desocupada na comparação entre julho de 2022 e junho de 2023. O especialista também cita o aumento do consumo das famílias ao longo do primeiro semestre, ressaltando que a população brasileira aguarda melhores condições para voltar a consumir mais. “A confiança do empresário subiu 3 pontos em junho. Isso mostra que o pior momento está passando e o mercado está entrando no sentido da normalidade e entrará em sustentação no final de 2023 ou início de 2024. Isso está acontecendo porque houve uma definição do novo regime fiscal, o que dá uma sinalização positiva ao mercado, além da criação do programa Desenrola e Renegocia. Com isso, as pessoas poderão comprar mais e haverá injeção de dinheiro na economia”, indica. 

De acordo com João Piccioni, analista da Empiricus Research, sob a ótica macroeconômica deve ocorrer a continuidade no processo desinflacionário global, que permitirá a acomodação da política monetária praticada pelos principais bancos centrais do mundo. “O pêndulo do mercado se tornou mais favorável à tomada de risco após a solidificação do processo deflacionário. Lá fora, em especial, a impressão é de que os investidores estão mais dispostos a deixar de lado a segurança das taxas de juros de curto prazo em prol do mercado de ações, commodities, criptomoedas, etc. A dinâmica das bolsas se descolou em parte da economia real que ainda enfrenta desafios, ligados principalmente à indústria e a possibilidade de um cenário recessivo”, avalia.

Gabriel Mota, operador de renda variável da Manchester Investimentos, indica que deve haver uma mudança na dinâmica dos juros, que deverá sair do patamar de 13,75% visto nos últimos meses. Ele acredita que, até o final do ano, a Selic deve ficar em 12%, iniciando com o corte de 0,25 p.p. já na reunião de agosto do Copom. “A perspectiva é bem positiva para o mercado e, dependendo da recuperação de alguns setores que ficaram para trás, como siderurgia e metalurgia, podemos ver o Ibovespa romper e sustentar patamares acima de 120 mil pontos”, analisa. Por fim, o economista Rica Mello observa que uma série de medidas econômicas devem ser aprovadas no segundo semestre. “Há também o aumento da expectativa de crescimento do PIB e a economia sendo ajustada. Na política, o PT acabou ganhando o apoio de todo o centro e até de um pedaço da direita, com os cargos e os ministérios entregues. Esse ainda deve ser o tom do segundo semestre”, avalia.

Segundo semestre na política

Na Câmara dos Deputados, as atividades do segundo semestre legislativa devem ser marcadas, sobretudo, pelas comissões temporárias em andamento, com destaque para a CPI do MST e a CPI das Apostas Esportivas e a CPMI do 8 de Janeiro, com previsão para serem concluídas nos próximos meses. No plenário, o destaque fica para a análise do texto final do arcabouço fiscal – seguido pela sanção por Lula, e pela promessa de avanço do PL das Fake News. A Medida Provisória das Apostas, que regulamenta os jogos no Brasil, também deve ser analisada. Como o site da Jovem Pan antecipou, deputados de oposição também ainda prometem intensificar as movimentações pela derrubada dos decretos do presidente Lula sobre as armas. Inclusive, um grupo de 53 parlamentares da Casa Baixa já apresentaram um projeto de decreto legislativo (PDL) para sustar os efeitos da medida. No texto, os congressistas argumentam que a medida do governo petista viola a Lei 10.826/03 e exorbita a função e os limites de um decreto administrativo, que é de apenas regular uma lei já existente. “Temos um governo que tenta de tudo para desarmar a população de bem, enquanto os bandidos continuam armados e soltos. Uma decisão flagrantemente revanchista, tomada de preconceitos e baseada em achismos”, afirma o deputado Sanderson (PL-RS), coautor da matéria.

Já no Senado Federal, além das ações contra os decretos de armas, os parlamentares da oposição defendem como prioridade o processo de impeachment contra o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), após fala do magistrado sobre ter “derrotado o bolsonarismo”. O impeachment de Barro é uma necessidade. Não podemos seguir coniventes com tamanha politização judicial. O Parlamento tem o dever de apreciar o caso em plenário, o ato do Barroso extrapolou a lei”, defendeu o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), em conversa com o site da Jovem Pan. No radar da Casa Alta, a reforma tributária deve ser discutida em até três meses, enquanto temas como Marco Temporal das Terras Indígenas e a definição sobre projeto de decreto legislativo que derrubou decisões de Lula sobre o saneamento também aguardam definição. A partir do mês de outubro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa pode sabatinar o próximo indicado do presidente Lula para uma vaga no Supremo. Para chegar à Corte, o escolhido precisará ter seu nome aprovado pela comissão e pelo plenário, com no mínimo 41 votos.

Do ponto de vista do governo, a minirreforma na Esplanada dos Ministérios, com a entrada de representantes de partidos de centro, está prevista para acontecer ainda em agosto, após o fim do recesso parlamentar. Em transmissão nas redes sociais, o chefe do Executivo afirmou que deve ser reunir com os caciques do chamado Centrão no “momento adequado” e lembrou: “Não é o partido que pede ministério. É a República que oferece”. Contudo, na prática, legendas como Progressistas, Republicanos e o União Brasil reivindicam cargos em ministérios de destaque para dar tranquilidade às futuras votações do governo no Parlamento, especialmente na Câmara. Ainda no segundo semestre, o presidente Lula fará uma  cirurgia de artoplastia de quadril e já descartou adiar as compromissos internacionais em razão das dores crônicas. Nos próximos meses, a previsão é que o mandatário vá à França e à África do Sul.

No Judiciário, a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal e o Marco Temporal das Terras Indígenas estão entre os destaques, assim como o possível julgamento dos 250 envolvidos que permanecem presos em 8 de Janeiro. Com a aposentadoria compulsória da ministra Rosa Weber, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em outubro, o atual vice-presidente da Corte, ministro Luis Roberto Barroso, vai assumir a presidência da instituição até o fim do atual biênio, em 2024. O calendário da Corte em 2023 reserva ainda, na próxima quinta-feira, 3, a cerimônia de posse do advogado Cristiano Zanin na vaga do agora ex-ministro Ricardo Lewandowski. Com duração de 15 minutos, o evento deve reunir cerca de 350 pessoas, incluindo ministros em exercício e aposentados, autoridades, políticos e demais convidados, sendo a primeira celebração completa após a pandemia da Covid-19.

 

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