“Efeito psicológico” da alta do feijão pode pressionar ainda mais a inflação

  • Por Estadão Conteúdo
  • 10/07/2016 10h20
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Wikimedia Commons feijão carioquinha - Wikimedia

Há duas preocupações legítimas por trás dos altos preços do feijão nas prateleiras dos supermercados, afirma o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP), André Chagas. A alta conjuntural do preço do grão, eleito símbolo da inflação atual, decorrente da quebra de safra por motivos climáticos, e a inflação estrutural que a escalada do preço do produto aciona na esteira da reação defensiva dos consumidores ao seu poder de compra. Essa reação indexa ainda mais a economia.

É para a inflação estrutural que as ações e comunicações do Banco Central (BC) estão voltadas quando seus dirigentes mantêm juros e vêm a público reforçar o discurso de que o Comitê de Política Monetária (Copom) tomará todas as medidas necessárias para convergir a inflação ao centro da meta (4,5%) em 2017, afirma Chagas. “O impacto do aumento do preço do feijão (ou qualquer outro produto da cesta diária do consumidor) é mais psicológico do que qualquer outra coisa”, diz o coordenador do IPC-Fipe.

O pedreiro que vai ao supermercado e constata aumento de 90% a 100% no preço do feijão, segundo o coordenador do IPC-Fipe, não espera muito para reajustar o preço da sua mão de obra pelo porcentual do aumento do feijão, do arroz, da carne, etc. O mesmo faz a cabeleira, o eletricista, e tantos outros profissionais prestadores de serviços. E as altas se difundem pela economia, estabelecendo o que os economistas chamam de efeito de segunda ordem, contra o que o BC procura lutar.

“Nesse sentido, o que os dirigentes do BC querem em primeiro lugar não é levar a inflação à convergência, mas levar a expectativas convergirem em direção ao centro da meta”, explica Chagas.

Para mostrar que há uma celeuma exagerada em torno do preço do feijão e seu respectivo impacto sobre a inflação, a Fipe montou com a ajuda de uma nutricionista um prato para cada dia da semana com os pesos de cada ingrediente no custo prato. Na composição do “Contrafilé com fritas”, por exemplo, o feijão exerce um peso de 7% na comparação com os demais insumos. “Se imaginarmos que um contrafilé com fritas é vendido a R$ 15, o peso do feijão passa a ser de 3%”, calcula Chagas.

Em valores, considerando a quantidade de produtos que compõem o prato, o feijão é o terceiro item mais caro neste cardápio. O contrafilé, na proporção de 150 gramas, em junho, custava R$ 4,15, seguido pela batata, na quantia de 75 gramas a R$ 0,46. Então vem o feijão (45 gramas), a R$ 0,42.

Agência Brasil

O coordenador ressalta que os pratos foram compostos dentro dos parâmetros domésticos, excluindo custos com conta de luz, água, aluguel, despesas com funcionários e impostos, entre outros encargos. O custo total para se preparar um filé com fritas em casa no mês passado era de R$ 5,81.

No caso filé de frango à parmegiana, o feijão nem aparece na lista de ingredientes. Neste prato, as 35 gramas de mussarela a R$ 1,21 pesam mais que o filé de frango de 150 gramas a um preço de R$ 0,84. O molho de tomate, na quantidade de 55 gramas, entra no cardápio por R$ 0,58. Em junho, o custo para a elaboração deste prato, de acordo com os cálculos da Fipe, era de R$ 4,14.

Até mesmo na feijoada – neste caso a base é o feijão preto, que custa um terço do carioquinha – o feijão não exerce o maior peso A porção de 45 gramas custa R$ 0,42, o quinto na lista, atrás da costelinha suína R$ 0,93 por 43 gramas, couve (80 gramas) a R$ 0,74, carne seca (23 gramas) a R$ 0,72 e paio (23 gramas) a R$ 0,53. O custo total para a composição de um prato de feijoada em casa em junho ficou em R$ 5,65.

Outro prato no cardápio da Fipe que não leva feijão e mesmo assim seu custo de preparação não se diferencia muito do arroz com feijão, contrafilé e fritas é a macarronada. Essa aparece no cardápio das famílias pelo menos duas vezes na semana: nas quintas-feiras e domingos. Os maiores custos na composição do prato não são o macarrão espaguete, cuja porção de 100 gramas custa R$ 0,60. É o molho de tomate (170 gramas) a R$ 1,80. Em seguida vem o queijo ralado (15 gramas) a R$ 1,58, seguido pela carne moída acém (50 gramas) a R$ 0,82.

No filé de pescada branca com purê e legumes, o maior peso fica para a pescada (135 gramas) a R$ 2,46 em valor de junho. O queijo ralado (6,6 gramas) custava R$ 0,70 e a batata (95 gramas) a R$ 0,58. É outro prato que não leva feijão e cujo custo de preparação em casa fica em R$ 5,02.

O feijão aparece no topo da lista dos itens mais caros só na sopa de feijão. Neste prato, são usadas 100 gramas do grão a um custo de R$ 0,94 por prato. O segundo maior peso vem do alho (10 gramas), a R$ 0,44, e o terceiro vem das 10 gramas de bacon que vão na sopa, a R$ 0,24.

“O risco da alta de preços não é o conjuntural e sim o estrutural”, afirma Chagas. Ele acredita que pode se repetir agora o que ocorreu em 2008, quando o preço do feijão saiu de R$ 2 o quilo para R$ 9 e quando caiu foi para R$ 6 o quilo. E agora, de acordo com o coordenador da Fipe, há ainda a pressão da perda de área de plantio do feijão para a soja.

Mas de modo geral, segundo Chagas, o susto com o preço de alguns produtos em determinados momentos tem mais a ver com a percepção da inflação pelo consumidor, por conta de uma variação muito grande de um item com muito peso, mesmo que a inflação agregada não esteja tão elevada.

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