Em crise, Santa Casa suspende cirurgia não emergencial e tem falta de remédios

  • 27/07/2016 08h35
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Por falta de recursos, a Santa Casa de São Paulo suspendeu, na semana passada, todas as cirurgias não emergenciais feitas no complexo hospitalar. De acordo com a direção da unidade, a medida foi necessária para garantir o atendimento aos pacientes do pronto-socorro e aos doentes já internados – com verba escassa, se continuasse a fazer todas as cirurgias, os atendimentos emergenciais em geral ficariam em risco.

A Santa Casa de São Paulo é o maior hospital filantrópico da América Latina. A decisão de suspender as operações não urgentes foi tomada pelo superintendente, José Carlos Villela, diante da baixa nos estoques de medicamentos e materiais básicos necessários para os atendimentos mais urgentes.

“A gente acompanha frequentemente o fluxo de caixa e a capacidade do estoque. Quando os estoques de produtos críticos começam a ficar muito baixos, acendemos nosso alerta vermelho. Não podemos colocar em risco os pacientes emergenciais. Por isso me reuni com os diretores médicos e decidimos adiar as cirurgias eletivas, que também são importantes, mas menos urgentes”, disse à reportagem. A entidade não detalhou quantos pacientes foram prejudicados, mas informou que pelo menos 900 cirurgias eletivas são feitas por mês.

A suspensão foi definida no último dia 15 e colocada em prática dois dias depois. Segundo Villela, as cirurgias não emergenciais ficarão suspensas pelo menos até o fim desta semana, quando a direção espera receber respostas de órgãos governamentais quanto a auxílios financeiros e à renegociação da dívida da instituição.

O superintendente diz ter conversado com os secretários da Saúde da Prefeitura e do Estado em busca de ajuda. A Casa tenta ainda, no BNDES e na Caixa, renegociar a dívida herdada da gestão anterior no valor de R$ 800 milhões. “A estratégia, nesse momento de crise aguda, é priorizar o atendimento no pronto-socorro e colocar para frente o que pode ser adiado. Mas, sem a reestruturação, por meio da renegociação da dívida, a Santa Casa não sobrevive a longo prazo”, diz Villela.

Enquanto a situação não se resolve, cirurgias eletivas agendadas estão sendo canceladas e pacientes com encaminhamento para esse tipo de procedimento são informados de que o agendamento está suspenso.

A situação surpreendeu o encarregado de pintura Cícero de Araújo, de 70 anos, que passou, na última terça-feira, 26, pelo oftalmologista em busca de um encaminhamento para a cirurgia de catarata. “O médico me deu a guia dos exames pré-operatórios, mas disse que a cirurgia não ia acontecer antes de seis meses porque o centro cirúrgico está fechado. Não estão marcando”, conta ele. “Já não estou conseguindo trabalhar por causa desse problema e, se demorar muito, fico com medo de a catarata piorar”.

Mesmo antes da suspensão, a Santa Casa já havia optado por reduzir as cirurgias eletivas e priorizar as urgentes. No mês passado, 62% das operações feitas no complexo foram eletivas. No mesmo período do ano passado, esse índice foi de 74%. “Reduzimos em 20% as eletivas, mas aumentamos em 10% as emergenciais”, diz Villela.

Penúria

Funcionários e pacientes ouvidos pela reportagem disseram que, nas últimas duas semanas, materiais e medicamentos básicos como gaze, luvas e dipirona estiveram em falta. O pronto-socorro suspendeu a realização de exames de urina por falta de kit de coleta.

A família do aposentado V.L., de 60 anos, internado na Santa Casa após passar por cirurgia no coração, teve de comprar, na semana passada, um remédio para insuficiência cardíaca. “Não posso ficar sem esse remédio e aqui estava em falta. Então compramos uma caixa por nossa conta mesmo. Depois de três dias, voltou a ter no hospital”, conta o paciente.

A Santa Casa diz ter solicitado um aporte financeiro extraordinário ao governo do Estado. Questionada sobre o possível auxílio, a Secretaria Estadual da Saúde informou que, até o final do ano, deverá repassar R$ 70 milhões para a instituição como recurso extra ao oriundo do Ministério da Saúde A pasta declarou que a Santa Casa “é uma vítima do subfinanciamento federal causado, entre outros fatores, pela defasagem na tabela de pagamentos do ministério, congelada há anos”. O ministério disse reconhecer a defasagem, mas acrescentou que os recursos comprometidos com o Estado estão sendo repassados regularmente.

Justiça bloqueia 969 mil em ação de improbidade 

Em meio à crise, a Santa Casa enfrenta outro revés financeiro: o bloqueio de R$ 969 mil em bens pela Justiça Federal por causa de uma acusação de improbidade administrativa contra o ex-provedor da instituição Kalil Rocha Abdalla. Como a reportagem revelou no sábado, 23, o ex-provedor é alvo de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Advocacia-Geral da União (AGU) por irregularidades em contrato firmado em 2010 para que a Santa Casa administrasse a Feira da Madrugada. Segundo a investigação, Abdalla repassou a gestão para outras empresas, levando à perda de receitas da União, dona do terreno da feira.

A Justiça determinou o bloqueio dos bens de Abdalla e do valor recebido pela Santa Casa durante a vigência do contrato. Como o contrato teria sido assinado de forma unilateral pelo ex-provedor, sem consulta aos órgãos administrativos, a instituição tenta reverter na Justiça o bloqueio dos bens. 

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