Adesão dos homens à revolução de mulheres no Irã mostra importância do movimento pelo fim da opressão
Centenas de pessoas protestam pela morte de jovem levada pela polícia da moral por ‘trajes inadequados’; especialista aponta que apesar das transformações não serem rápidas, é uma ‘luz no fim do túnel’
A onda de protestos no Irã tem ganhado espaço no cenário mundial e apoio de homens e nomes importantes, como Reza Palevi, filho do último xá do país, que foi derrubado pela Revolução Islâmica em 1979, ano em que a região passou a ser dominada por conservadores, e mulheres e outros grupos perderam seus direitos. As manifestações começaram em 16 de setembro, um dia depois do anúncio da morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos levada pela polícia da moral porque usava ‘trajes inadequados’. Ela ficou em coma após sua prisão e morreu três dias depois de ser hospitalizada. Segundo as autoridades iranianas, Amini morreu por causas naturais, mas, segundo Erfan Salih Mortezaee, primo da jovem que mora no Curdistão iraquiano, a polícia da moral a agrediu com um bastão, e quando bateram na cabeça dela, Amini perdeu a consciência. Os médicos informaram que a causa da morte estava associada à pancada. O caso gerou revolta no Irã e fez com que as pessoas saíssem às ruas para cobrar respostas e darem um basta ao regime de opressão. “São realmente os tempos modernos, na minha opinião. A primeira revolução de mulheres, para mulheres, com o apoio de maridos, filhos, irmãos e pais”, disse Palevi em entrevista à agência de notícias AFP. “Chegamos a esse ponto, como dizem os espanhóis: basta!”, acrescentou o iraniano que vive exilado em Washington, nos EUA.
Paulo Velasco, doutor em ciência política pelo IESP-UERJ, diz que a morte de Amini é o “estopim para manifestações mais contundentes que reverberam uma insatisfação de muito tempo”. Ele lembra que há quatro décadas o regime de opressão domina a região e os protestos agravam “um sentimento quase que generalizado de contestação a um regime que não aceita vozes dissonantes, pluralidade social e que impõe um rigor conservador no quesito de costume”. No Irã, as mulheres devem cobrir o cabelo e o corpo até abaixo dos joelhos, mas a maioria das mulheres se permite certas liberdades, como um véu um pouco solto ou que cobre parcialmente o cabelo. Em protesto pela morte de Amini, algumas manifestantes desafiaram as autoridades, tiraram seus hijabs e os queimaram ou cortaram em meio à multidão, segundo imagens de vídeos que viralizaram nas redes sociais. “Não ao véu, não ao turbante, sim à liberdade e à igualdade!”, gritaram os manifestantes em Teerã.
“Acho que a maioria das mulheres iranianas, quando olham para as liberdades das mulheres em outras partes do mundo, exigem os mesmos direitos para si mesmas”, diz Palevi. Seu avô, Reza Shah, proibiu o uso do véu em 1936 em um movimento de ocidentalização inspirado na vizinha Turquia. Seu pai, o último xá do Irã, Mohamed Reza Pahevi, deixou às mulheres a opção de usá-lo ou não, algo que a República Islâmica pôs fim quando chegou ao poder. Para Velasco, o fato dos protestos estarem sendo adotados por homens é um ato muito significativo, “porque não se trata apenas de uma questão de gênero. O que temos é um clamor popular por mudanças, por uma sociedade que pretende ser mais plural e deseja ter um conjunto mais amplo de direitos”. Ele acrescenta que “ter homens nas manifestações defendendo os direitos das mulheres, mostra a representatividade e responsabilidade, porque se tivesse só mulheres era mais fácil de silenciá-las”. Apesar da morte de Amini ter sido o estopim, o cientista político fala que tem tido alguns movimentos, inclusive dentro de grupos religiosos do Irã, sobre a necessidade do governo dialogar com a sociedade, mas adianta que “ouvir as demandas e clamores de uma sociedade que busca uma transformação rápida, não vai significar o fim da revolução iraniana e uma transição ágil em termos de direitos muito ampliados para os grupos segregados”. Contudo, ele diz que esse diálogo pode trazer mudanças e que é uma “luz no fim do túnel”.
Reza Palevi, figura respeitada entre os iranianos no exílio, diz que não quer o restabelecimento de uma monarquia no Irã, uma ideia com pouco apoio no país. Em vez disso, e como outros grupos de oposição no exterior, ele se declara a favor da criação de uma assembleia constituinte para redigir uma nova Carta Magna. “Não há como ter uma verdadeira democracia sem uma clara definição e separação entre Igreja e Estado”, assegura. Ele saudou a condenação da comunidade internacional à repressão aos protestos no Irã – em particular na Alemanha e no Canadá – e pediu uma pressão crescente sobre Teerã, expulsando, por exemplo, diplomatas e congelando seus bens. “É importante dar mais do que apoio moral. Seriam medidas que teriam impacto”, explicou. As manifestações do Ocidente sobre os protestos do Irã irritaram as autoridades e aumentaram a tensão entre as regiões que há anos já estão balançadas. “Os protestos pioram o quadro porque o governo iraniano assumiu um pensamento que o que estamos vendo é um complô armado pelo ocidente” e “existe um esforço para tentar convencer a opinião pública global de que não são eventos espontâneos, eles são financiados e instigados pelo Ocidente”.
Velasco fala que essas manifestações são uma forma de fazer com que o “governo flexibilize essa agenda conservadora e abra espaço para outros grupos sociais terem vozes ativas no país”. Entretanto, nos últimos dias, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, pediu às forças de segurança que atuem com “firmeza contra os que atentam contra a segurança do país e do povo”. O ministro da Justiça, Gholamhossein Mohseni Ejei, descartou qualquer tipo de “clemência” contra os instigadores dos “distúrbios”. O líder iraniano também falou que considera “inaceitável o caos” provocado pela onda de manifestações gerada pela morte da jovem Mahsa Amini. “A segurança das pessoas é a linha vermelha e ninguém está autorizado a infringir a lei e a semear o caos”, disse o líder à TV pública. O presidente prometeu transparência no caso da jovem morta e disse que será divulgado em breve um relatório sobre as causas do ocorrido. Segundo o último balanço divulgado pela ONG Iran Human Rights (IHR), com sede em Oslo, pelo menos 83 pessoas já morreram nos protestos e 1.200 foram detidas. Como forma de tentar limitar os protestos, as autoridades bloquearam o acesso ao Instagram e ao Whatsapp no país, que também enfrenta problemas na conexão com a internet. Essas são as manifestações mais importantes desde 2019.
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