Brasileiras viajam para dar à luz nos EUA e garantir nacionalidade estrangeira ao recém-nascido
Não são só as celebridades como Simone, Claudia Leitte e Karina Bacchi que aderem ao ‘turismo de nascimento’; entenda como funcionam os trâmites legais da prática
A maior parte dos países não concede nacionalidade aos filhos de estrangeiros que nascem em seu território. Os Estados Unidos, no entanto, estão entre as poucas exceções em que a mãe pode garantir a dupla cidadania do filho ao dar à luz no país mesmo que nem ela nem o pai da criança sejam norte-americanos. Esse direito está garantido pela 14ª emenda da legislação, que estabelece cidadania automática e vitalícia por nascimento nos Estados Unidos. Essa possibilidade deu origem ao chamado “turismo de nascimento”, em que gestantes viajam com o principal intuito de entrarem em trabalho de parto no exterior. Apesar de não ter tornado a atividade ilegal, o ex-presidente Donald Trump lançou impeditivos para tentar dificultar a prática.
Desde janeiro de 2020, a determinação é que as gestantes que estão solicitando visto de entrada nos Estados Unidos devem comprovar o motivo pelo qual farão a viagem. Se eventualmente forem receber cuidados médicos, elas também deverão demonstrar que têm condições financeiras de pagar pelo tratamento. No entanto, os agentes consulares continuam não possuindo o direito legal de perguntar a uma mulher se ela está grávida ou se pretende engravidar enquanto estiver no país, tampouco exigir que ela realize um teste de gravidez antes da emissão do documento. Vale lembrar ainda que os vistos de turismo para os Estados Unidos têm validade de até dez anos e, consequentemente, podem ter sido tirados muito antes da mulher sequer engravidar.
Uma grávida em viagem aos Estados Unidos também não tem impedimentos por parte das companhias aéreas dependendo do período da sua gestação. Procurada pela Jovem Pan, a Gol informou que, caso o voo aconteça a partir da 28ª semana de gestação, a passageira deverá apresentar um atestado médico. Da 36ª semana em diante, também é preciso assinar uma declaração de responsabilidade. Passada a 38ª semana, o embarque só é permitido em situações de extrema necessidade e com acompanhamento do médico responsável. No caso da Latam, o atestado médico é pedido a partir da 30ª semana, sendo que da 39ª em diante o embarque é proibido por questões de segurança. Já a Azul pede atestado médico entre a 30ª e a 35ª semana e uma autorização médica especial, sujeita à aprovação, entre a 36ª e a 38ª.
Artistas como Simone, Claudia Leitte e Karina Bacchi praticaram o verdadeiro “turismo de nascimento”, ou seja, viajaram aos Estados Unidos para dar à luz e eventualmente retornaram ao Brasil com o novo herdeiro. Porém, o mais comum entre os brasileiros menos endinheirados é a permanência no exterior, seja em uma situação irregular ou não. A pintora Alessandra Esteves*, de 37 anos, viajou aos Estados Unidos quando estava no quinto mês de gestação e deu à luz a sua primeira filha no país, onde mora até hoje e teve também o seu segundo filho. Apesar da sua condição de imigrante brasileira indocumentada, ela relata que não precisou pagar por nenhuma despesa com os partos, que foram feitos através do sistema de saúde público.
O empresário Pedro Barros*, de 36 anos, tinha acabado de conquistar o tão sonhado green card quando a sua esposa deu à luz nos Estados Unidos. Ele conta que o governo da Flórida pagou não só pelo parto como também pela internação da recém-nascida em uma UTI neonatal. Tanto ele quanto Alessandra Esteves* receberam já no hospital a certidão de nascimento dos seus respectivos filhos, documento necessário para registrar os bebês como cidadãos dos Estados Unidos. O título garante acesso ao sistema de educação e de saúde do país e todos os direitos e deveres de qualquer outro norte-americano. “Tem pessoas que veem isso como um investimento futuro para a criança”, afirma a agente de seguros Wanessa Costa*, de 52 anos, que mora no país há duas décadas. No entanto, dar à luz no exterior não garante nenhum benefício imediato aos pais. Os filhos de estrangeiros nascidos nos Estados Unidos só podem solicitar o green card para os pais que estão em situação ilegal após atingirem a maioridade. “Ainda assim, não é fácil, eles checam muita coisa”, alerta Alessandra Esteves*.
O fato da criança ter nascido nos Estados Unidos não elimina o seu direito à cidadania brasileira. Procurado pela Jovem Pan, o Itamaraty esclareceu que, de acordo com o artigo 12 da Constituição Federal, são brasileiros natos “os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira”. Dessa forma, os brasileiros que derem à luz no exterior devem comparecer ao Consulado do Brasil mais próximo portando a certidão de nascimento dos Estados Unidos da criança e os documentos pessoais dos pais. Nem todo mundo, porém, quer a dupla cidadania para os herdeiros. “Eu não tenho interesse em registrar minha filha no Consulado brasileiro. Por mim, vai ser apenas cidadã norte-americana”, afirmou Pedro Barros*.
* Os nomes de todos os entrevistados foram trocados por nomes fictícios.
** Até o fechamento dessa matéria, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil não respondeu às perguntas da Jovem Pan sobre o nascimento de filhos de estrangeiros no país.
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